Parecer
Autos nº. 181.302.0/0-00
Requerente: Prefeito Municipal de Ribeirão Preto
Objeto: Lei nº 11.747, de 10 de setembro de 2008, do Município de Ribeirão Preto
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Iniciativa parlamentar. Criação de obrigação ao Executivo. 2) Violação da separação de poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (art.5º, 47 II e XIV da Constituição Paulista). 3) Criação de novas despesas sem a indicação da respectiva fonte de receitas (art.25 da Constituição Paulista). 4) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Ribeirão Preto, tendo por objeto a Lei nº 11.747, de 10 de setembro de 2008, daquele Município , que “DISPÕE SOBRE A INSTAÇÃO DE AQUECEDOR SOLAR NOS EQUIPAMENTOS PÚBLICOS E NAS CASAS QUANDO DA CONSTRUÇÃO DE NOVOS CONJUNTOS HABITACIONAIS”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi integralmente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A liminar foi indeferida (fls.31).
A Procuradoria-Geral do Estado não foi citada.
A Câmara Municipal manifestou-se em defesa da constitucionalidade da norma (fls.36/46).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Preliminarmente, requer-se a citação do Senhor Procurador-Geral do Estado, a fim de defender o ato normativo impugnado, nos termos do art.90 §2º da Constituição Estadual.
No
mérito, em que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que
culminou se transformando na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é
verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional.
Este é o teor do ato normativo impugnado:
“Art.1º - Fica, por esta lei, disposto que os novos projetos de edificação de "Equipamentos Públicos" e "Conjuntos Habitacionais", a serem construídos no Município de Ribeirão Preto, deverão prever a instalação de sistema de aquecimento solar.
Art.2º - O objetivo desta lei é gerar economia de energia elétrica.
Art.3º - As despesas decorrentes da execução desta lei correrão por conta de dotações próprias constantes do orçamento vigente, suplementadas se necessário."
A lei, de
iniciativa parlamentar, cria obrigações e estabelece condutas a serem cumpridas
pela Administração Pública, prevendo a necessidade de instalar sistema de
aquecimento solar em seus prédios e em conjuntos habitacionais, a serem
construídos.
Não há dúvida de que, como tal, a iniciativa
parlamentar, ainda que revestida de boas intenções, invadiu a esfera da gestão
administrativa, e como tal, é inconstitucional, por violar o disposto no art.5º
e no art.47 II e XIV da Constituição Paulista, aplicável por simetria ao
município.
É ponto pacífico na doutrina, bem como na
jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
O legislador municipal, na hipótese analisada, criou órgão
e obrigações de cunho administrativo para a Administração Pública local.
Abstraindo quanto aos motivos que podem ter levado a
tal solução legislativa, ela se apresenta como manifestamente inconstitucional,
por interferir na realização, em certa medida, da gestão administrativa do
Município.
Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder
Executivo, e envolve o planejamento, a
direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à
prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes
Meirelles, anotando que
“a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao
princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o
art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder
Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros
atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre
os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a
inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que
interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da
separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a
seguir:
“Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município
de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos
edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência
entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.”
(TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
Ademais, a
própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e
contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam
por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o
exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à
intensidade da adoção da regra da separação.
Assim, se qualquer emenda constitucional tendente a
abolir o princípio será inconstitucional, por ofensa à cláusula pétrea contida
no art.60 §4º III da CR/88, também será verticalmente incompatível com o texto
constitucional ato normativo de menor positividade que venha a conflitar com
referido núcleo constitucional imodificável.
Desta
forma, a norma impugnada na presente ação nitidamente violou o necessário
equilíbrio e harmonia que devem existir entre os Poderes Legislativo e Executivo.
Não bastasse
o acima exposto, em casos assim esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a
inconstitucionalidade de normas que criam despesas para o Poder Público, sem a
indicação das respectivas fontes de receita, em violação ao disposto no art.25
da Constituição Bandeirante. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes
julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j.
19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007,
v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.
Diante do exposto, nosso parecer é no
sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 11.474,
de 10 de setembro de 2008, do Município de Ribeirão
Preto.
São Paulo, 3 de dezembro de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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