Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 181.501-0/9-00

Requerente: Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo

Objeto: Expressão “administrativa e preventiva especializada”, contida na parte final do inc. I, do art. 3º, da Lei Complementar Estadual nº 207, de 5 de janeiro de 1979, “Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo”).

 

Ementa: ADIN proposta pela Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo – AOPM, tendo por alvo a expressão “administrativa e preventiva especializada”, contida na parte final do inc. I, do art. 3º, da Lei Complementar Estadual nº 207, de 5 de janeiro de 1979, “Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo”. Considerações sobre a distinção entre ADIN genérica e ADIN por omissão. Ato normativo impugnado, que, precedendo à promulgação da Constituição do Estado de São Paulo, não se sujeita ao controle concentrado de constitucionalidade. Precedentes do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Parecer pela extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade por omissão (segundo se lê na inicial) movida pela Associação dos Oficiais da Polícia Militar do Estado de São Paulo – AOPM, tendo por alvo a expressão “administrativa e preventiva especializada”, contida na parte final do inc. I, do art. 3º, da Lei Complementar Estadual nº 207, de 5 de janeiro de 1979, “Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo”.

Sustenta o autor, depois de tecer longas considerações sobre sua legitimidade para propor a ADIN, que, passados vinte anos desde a promulgação da Constituição Paulista, o legislador estadual não revogou expressamente o dispositivo impugnado, que, a seu ver, está em conflito com os artigos 140 e 141 da Constituição Paulista. Pede que se declare a inconstitucionalidade da expressão mencionada.

O pedido liminar de suspensão da vigência do ato normativo foi negado pelo em. rel. Des. BARRETO FONSECA (fls. 89).

Citada, a Procuradoria-Geral do Estado observou que a autora se equivocou ao dizer que propôs ação direta de inconstitucionalidade por omissão, posto que pleiteia a “singela declaração de inconstitucionalidade” de expressão da “Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo”. Alegou que o pedido é juridicamente impossível, eis que o ato normativo questionado é anterior à Carta Paulista. No mérito, defendeu a vigência da norma (fls. 106/112).

O Governador do Estado ratificou essas informações (fls. 118/120).

Relatei.

Razão assiste à Procuradoria-Geral do Estado, quando aponta o equívoco em que incorreu a Associação-autora ao denominar a ação proposta.

De fato, a ação de inconstitucionalidade por omissão relaciona-se “às normas de eficácia limitada de princípio institutivo e de caráter impositivo em que a Constituição investe o legislador na obrigação de expedir comandos normativos” (MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 767).

Só tem cabimento, portanto, diante de um “dever jurídico-constitucional” estabelecido para o legislador e sua finalidade é a de preencher as lacunas normativas, para que o comando constitucional tenha eficácia plena.

No caso em análise, a requerente aciona a jurisdição para obter a declaração de inconstitucionalidade de expressão contida na “Lei Orgânica da Polícia do Estado de São Paulo”. Esse objetivo identifica a ação direta de inconstitucionalidade como genérica, e, como tal, será analisada a partir desse ponto.

Dito isso, vê-se que o ato normativo impugnado foi editado em 1979, ou seja, precede ao parâmetro de controle. Tais elementos não se sujeitam ao cotejo.

De fato, por opção político-constitucional, o STF não permite o controle direto das normas ordinárias pré-constitucionais, como se constata da seguinte manifestação do Ministro Paulo Brossard:

“A idéia nuclear do raciocínio reside na superioridade da lei constitucional em relação às demais leis. A Constituição é superior às leis por ser obra do poder constituinte; ela indica os poderes do Estado, através dos quais a nação se governa, e ainda marca e delimita as atribuições de cada um deles.

Do legislativo, inclusive. Tendo este a sua existência e a extensão dos seus poderes definidos na Constituição, nesta há de encontrar, com a enumeração de suas atribuições, a extensão delas. E na medida em que as exceder estará praticando atos não autorizados por ela. Procede à semelhança do mandatário que ultrapassa os poderes conferidos no mandato.

Assim, uma lei é inconstitucional se e quando o legislador dispõe sobre o que não tinha poder para fazê-lo, ou seja, quando excede os poderes a ele assinados pela Constituição, à qual todos os Poderes estão sujeitos.

Disse-se que a Constituição é a lei maior, ou a lei suprema, ou a lei fundamental, e assim se diz porque ela é superior à lei elaborada pelo poder constituído. Não fora assim e a lei a ela contrária, obviamente posterior, revogaria a Constituição se a observância dos preceitos constitucionais que regulam a sua alteração.

Decorre daí que a lei só poderá ser inconstitucional se estiver em litígio com a Constituição sob cujo pálio agiu o legislador. A correção do ato legislativo, ou sua incompatibilidade com a lei maior, que o macula, há de ser conferida com a Constituição que delimita os poderes do Poder Legislativo que elabora a lei, e a cujo império o legislador será sujeito. E em relação a nenhuma outra.

O legislador não deve obediência à Constituição antiga, já revogada, pois ela não existe mais. Existiu, deixou de existir. Muito menos a Constituição futura, inexistente, por conseguinte, por não existir ainda. De resto, só por adivinhação poderia obedecê-la, uma vez que futura e, por conseguinte, ainda inexistente.

É por esta singelíssima razão que as leis anteriores à Constituição não podem ser inconstitucionais em relação a ela, que veio a ter existência mais tarde. Se entre ambas houver inconciliabilidade, ocorrerá revogação, dado que, por outro princípio elementar, a lei posterior revoga a lei anterior com ela incompatível e a lei constitucional, como lei que é, revoga as leis anteriores que se lhe oponham” (apud MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 162-3).

E esta posição foi reafirmada pelo Ministro Marco Aurélio, no julgamento da ADIn nº 30-6/PR, DJU de 15.08.97:

“A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal sedimentou-se no sentido de não caber ação direta de inconstitucionalidade contra lei anterior à atual Carta. Precedente: ação direta de inconstitucionalidade nº 85-3/DF, medida liminar, relatada pelo Ministro Paulo Brossard, com acórdão publicado no Diário de 29 de maio de 1992, à página 7.833” (entre outros JSTF 166/23, 167/34, 165/5, 164/24).

Desse modo, concordamos outra vez com a douta Procuradoria-Geral do Estado, dado que é inviável o controle concentrado proposto se o aparente conflito de normas não foi instalado na Ordem Constitucional vigente.

A Constituição do Estado de São Paulo foi promulgada em 5 de outubro de 1989 e esse texto deve ser utilizado como parâmetro para se aquilatar a inconstitucionalidade de leis futuras.

O vício da inconstitucionalidade somente pode atingir leis posteriores à Constituição. Ato normativo anterior, como esse que foi impugnado, se for incompatível com a Carta Política, estará revogado pela superveniência da nova ordem constitucional, na dicção do E. Tribunal de Justiça, em reiterada jurisprudência (ADIn nº 11.100-0, 11.295-0, 12.403, 12.847, 16.255-0/5).

Nesse panorama, por impossibilidade jurídica do pedido, a ação direta de inconstitucionalidade se mostra inviável.

Diante do exposto, opino pela extinção do processo, sem resolução do mérito, nos termos do art. 267, VI, do CPC.

São Paulo, 16 de dezembro de 2009.

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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