Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 994.09.228.013-8 (182.169.0/0-00)

Requerente: Associação dos Policiais Civis, Militares e Funcionários Públicos dos Estados Federativos do Brasil – ASBRA

Objeto: expressão “e dos militares” contida no caput do art. 8º da Lei Complementar Estadual nº 1.012, de 5 de julho de 2007.

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pela Associação dos Policiais Civis, Militares e Funcionários Públicos dos Estados Federativos do Brasil – ASBRA, tendo como alvo a expressão “e dos militares” contida no caput do art. 8º da Lei Complementar Estadual nº 1.012, de 5 de julho de 2007. Preliminares. Ilegitimidade da associação-autora, que representa categorias diversas do funcionalismo, às quais não interessa particularmente o provimento almejado. Pertinência temática não demonstrada. Falta de poderes especiais na procuração. Mérito. A lei impugnada decorre de projeto de autoria do Governador, e, destarte, não viola o art. 24, § 2º, número 4, da Constituição Federal. O art. 138 da Constituição do Estado não impede que se estabeleça num único diploma legal o quantum da contribuição dos servidores civis e militares para a previdência social, desde que as categorias sejam contempladas com regimes de previdência distintos. Parecer pelo não conhecimento e, no mérito, pela improcedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Associação dos Policiais Civis, Militares e Funcionários Públicos dos Estados Federativos do Brasil – ASBRA, tendo como alvo a expressão “e dos militares” contida no caput do art. 8º da Lei Complementar Estadual nº 1.012, de 5 de julho de 2007.

A entidade sustenta que a expressão impugnada contraria os arts. 40, caput e §§ 9º e 12º; 42, § 1º; e 195, inc. II, da Constituição Federal, e os arts. 24, § 2º, item 4; 138 e 141, § 2º, da Constituição do Estado.

Argumenta que, com a instituição do regime próprio de previdência social do Estado, estabeleceu-se, pelo art. 8º da lei em exame, a contribuição social dos servidores públicos titulares de cargos efetivos, ativos, e dos militares, em percentual de 11% calculado sobre a totalidade da base de contribuição.

Afirma que o ato normativo não poderia tratar indistintamente das duas classes de servidores – a dos civis e a dos militares – eis que a Carta Paulista institui para elas regimes jurídicos próprios, em especial no que se refere à “transferência do militar para a inatividade”.

O pedido liminar foi indeferido (fls. 112/113).

O Governador do Estado prestou informações (fls. 132/134).

O Procurador-Geral do Estado, regularmente citado, argüiu preliminares (ilegitimidade passiva e ausência de capacidade postulatória) e, no mérito, defendeu a constitucionalidade do ato normativo (fls. 156/157).

O Presidente da Assembléia Legislativa, adotando a mesma linha argumentativa, também se pronunciou a favor da constitucionalidade da lei. Chamou a atenção para o fato de que os dispositivos da Constituição Federal indicados pelo autor como violados não servem de parâmetro para a ADIN estadual (fls. 212/237).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Preliminarmente

As preliminares argüidas pela douta Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo devem ser acolhidas.

O conceito de entidade de classe, para os fins do art. 90, inc. V, da Constituição Paulista, é limitado e reproduz no âmbito estadual as mesmas restrições encontradas no plano federal.

Entidade de classe é aquela constituída para a defesa de uma determinada categoria profissional, “cujo conteúdo seja ‘imediatamente dirigido à idéia de profissão, - entendendo-se classe no sentido não de simples segmento social, de classe social, mas de categoria profissional’” (MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 23ª. ed. São Paulo: Atlas, 2008, p. 742, grifos do original).

O STF estabeleceu que a associação legitimada é aquela que, em essência, representa o interesse comum de determinada categoria (ADI 34/DF, rel. Octavio Galloti, RTJ 128/481) e, desse modo, consolidou o entendimento de que o Constituinte decidiu por uma legitimação limitada, “não permitindo que se convertesse o direito de propositura dessas organizações de classe em autêntica ação popular” (MARTINS, Ives Gandra e MENDES, Gilmar Ferreira. Controle concetrado de constitucionalidade. 3ª. ed., São Paulo: Saraiva, p. 170).

Por isso, a Corte Constitucional nega legitimação às entidades formadas por associados pertencentes a categorias diversas, cujos objetivos, quando individualmente considerados, se mostram contrastantes (ADI – 108/DF, Celso de Mello, DJ 5 Jun. 1992, p. 8426).

Esta parece ser a hipótese dos autos, pois se lê no Estatuto da associação-autora que é sua vocação “desenvolver a convivência e estimular o espírito social dos policiais civis, militares e funcionários públicos de todos os Estados desta Nação e respectivas famílias, bem como estreitar os laços de união entre os componentes das várias milícias co-irmãs, civis conceituados e respectivas famílias, contribuindo para que difundam os sentimentos de fraternidade...” (art. 3º).

Se for superada essa questão, não estará cumprido o requisito da pertinência temática, que se completa com a demonstração genérica de que o provimento jurisdicional almejado atende a interesse dos associados (de todos) que a entidade se propõe a defender.

É que, no caso em análise, dentre as carreiras que a associação se propõe a representar estão a dos policiais civis e a dos funcionários públicos dos Estados, a quem não interessa, particularmente, a declaração de inconstitucionalidade do dispositivo vergastado.

Também procede a questão levantada sobre a ausência de capacidade postulatória da associação, pois, a partir da orientação firmada pelo STF no julgamento da ADI no 2.187-BA, Rel. Min. Octávio Gallotti (DJ de 12.12.2003), determinou-se que "todas as procurações ou delegações outorgadas pelos autores de ação direta (CF, art.103), a seus Advogados e Procuradores, contenham poderes especiais para a instauração do pertinente processo de controle normativo abstrato perante [essa] Corte, com a indicação objetiva dos diplomas legislativos ou dos atos normativos, e respectivos preceitos (quando for o caso), que devam expor-se especificamente, à impugnação em sede de ação direta de inconstitucionalidade" (ADI no 2.521-PE, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 30.04.2002).

Mérito

O ato normativo questionado tem a seguinte redação:

Art. 8º - A contribuição social dos servidores públicos titulares de cargos efetivos, ativos e dos militares do Governo de São Paulo, para a manutenção do regime próprio de previdência social do Estado, incluídas suas autarquias e fundações, será de 11% (onze por cento) e incidirá sobre a totalidade da base de contribuição.

Conforme a inicial, esse preceito estaria em contradição com os arts. 24, § 2º, número 4; 138 e 141, § 2º da Constituição do Estado e com os dispositivos da Constituição Federal aos quais aqueles remetem.

De plano se vê, entretanto, que o ato questionado não viola o art. 24, § 2º, número 4, da Constituição Federal, que diz competir, exclusivamente, ao Governador do Estado, a iniciativa de leis que disponham sobre “servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria”.

Isso porque, segundo as informações prestadas pelo Presidente da Assembléia Legislativa, a Lei Complementar nº 1.012, de 5 de julho de 2007, decorre do PLC nº 31/2005, de autoria do Chefe do Poder Executivo.

Desse modo, a referência a tal fundamento deve ser debitada a possível equívoco da entidade-autora.

No que se refere à argüição de inconstitucionalidade por ofensa aos arts. 138, § 1º, e 141, § 2º, da Constituição do Estado e dos dispositivos da Constituição Federal por eles referidos, entendemos que a ação é improcedente.

Registre-se, inicialmente, que o Supremo Tribunal Federal entende, pacificamente, que o Tribunal de Justiça não está impedido de julgar ação direta de inconstitucionalidade de lei local contestada em face de norma da Constituição Estadual reproduzida da Carta Política (RE 199.293, Rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 19-5-04, DJ de 6-8-04), o que, mutatis mutandis, contempla a hipótese dos autos, na qual o parâmetro de controle válido contém remissão às regras da Constituição Federal, mandando aplicá-las.

E assim, o art. 138 da Constituição do Estado atribui a condição de servidores públicos militares estaduais aos integrantes da Polícia Militar do Estado, e, no § 1º, manda lhes aplicar as regras do art. 42 da Constituição Federal.

O art. 42, § 1º, da Constituição Federal, diz caber a lei estadual específica dispor sobre as matérias do art. 142, § 3º, inc. X, ou seja, sobre “os limites de idade, a estabilidade e outras condições de transferência do militar para a inatividade, os direitos, os deveres, a remuneração, as prerrogativas e outras situações especiais dos militares, consideradas as peculiaridades de suas atividades, inclusive aquelas cumpridas por força de compromissos internacionais e de guerra”.

Esse comando, como se constata, institui regime jurídico próprio para os servidores militares, prevendo, inclusive, condições especiais para a inatividade.

Nesse aspecto, deve-se ter em vista que o Estado de São Paulo atendeu à determinação constitucional e instituiu regimes de previdência distintos para os servidores civis e militares (RPPS e RPPM), ainda que geridos pela mesma autarquia.

Como a norma de parâmetro não impede que se estabeleça num único diploma legal o quantum da contribuição dos servidores civis e militares para a previdência social, lembrando-se que as duas categorias se sujeitam ao regime contributivo (cf. RE 475076 AgR/SC - Min. EROS GRAU - Julgamento:  25/11/2008 – 2ª. T), a expressão “e dos militares” contida no caput do art. 8º da Lei Complementar Estadual nº 1.012, de 5 de julho de 2007, não padece de inconstitucionalidade.

Diante do exposto, opino pelo não-conhecimento e, no mérito, pela improcedência da presente ação.

 

São Paulo, 11 de janeiro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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