Parecer
Autos nº. 182.357-0/8-00
Requerente: Prefeito Municipal de Caconde
Objeto: Lei nº 2.392, de 05 de maio de 2009 e art.14, inc.XVII da Lei Orgânica do Município de Caconde
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Iniciativa parlamentar, que "Autoriza a Prefeitura de Caconde a celebrar convênio com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo". 2) Violação da separação de poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (art.5º, 47 II e XIV da Constituição Paulista). 3) Quebra da simetria quanto aos sistemas de controle da administração (art.33, 144 e 150 da Constituição Paulista). 4) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Caconde, tendo por objeto a Lei nº 2.392, de 05 de maio de 2009 e art.14, inc.XVII da Lei Orgânica do Município de Caconde, que "Autoriza a Prefeitura de Caconde a celebrar convênio com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo".
Sustenta o autor que o projeto que a Lei Orgânica do Município exige autorização legislativa para que o Poder Executivo possa firmar convênios de qualquer natureza.
Em virtude disto, encaminhou projeto de lei para celebração de convênios com a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. O Poder Legislativo houve por bem emendá-lo, impondo limitação à atuação do Poder Executivo, "obstando ajustes para a municipalização, parceria ou convênios com a rede própria de ensino."
Com tal emenda, o projeto de lei foi aprovado, mas foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 77/79).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 81/87, em defesa da constitucionalidade da norma.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 77/79).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Não há dúvida
de que, como tal, a iniciativa parlamentar, ainda que revestida de boas intenções,
invadiu a esfera da gestão administrativa, e como tal, é inconstitucional, por
violar o disposto no art.5º e no art.47 II e XIV da Constituição Paulista.
É ponto pacífico na doutrina, bem como
na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
O legislador municipal, na hipótese
analisada, na prática, invadiu a esfera
da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de
Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode
legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão
própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a
Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em
atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o
Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que
residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional
(art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou
Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que
infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que
invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por
ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF,
art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder
Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros
atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre
os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado
a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que
interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da
separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a
seguir:
“Ação direta
de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São
José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos
edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência
entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.”
(TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de
setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a
obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos
das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta
utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa
parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do
Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no
exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder
Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual.
JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j.
05.03.2008).
Em hipótese
similar à verificada no caso em exame, além do precedente indicado pelo autor
(ADI 150.355-0/0, rel. des. Oscarlino Moelller, j.20.02.2008), confira-se ainda
o seguinte julgado, desse E. Tribunal de Justiça:
“ADIN - Lei da Edilidade que
‘OBRIGA A INSTALAÇÃO DE PLACA INFORMATIVA
Ademais,
a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e
contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam
por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o
exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à
intensidade da adoção da regra da separação.
Assim, se qualquer emenda
constitucional tendente a abolir o princípio será inconstitucional, por ofensa
à cláusula pétrea contida no art.60 §4º III da CR/88, também será verticalmente
incompatível com o texto constitucional ato normativo de menor positividade que
venha a conflitar com referido núcleo constitucional imodificável.
Por fim, especificamente quanto à
exigência de autorização do Poder Legislativo para que o Poder Executivo possa
firmar convênios, a coletânea de julgados colacionados com a inicial dispensa
outros da mesma natureza.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.392, de 05 de maio de 2009 e art.14, inc.XVII da Lei Orgânica do Município de Caconde.
São Paulo, 12 de novembro de 2009.
Maurício Augusto Gomes
Subprocurador-Geral de Justiça
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