Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 182.595-0/3-00

Requerente: Prefeito Municipal de Louveira

Objeto: Lei nº 2.049, de 19 de junho de 2009, do Município de Louveira

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal, de iniciativa parlamentar, que proíbe a fixação de placas, cartazes e similares, nas repartições públicas, que façam menção a desacato de funcionário público.  Inconstitucionalidade reconhecida, por violação ao princípio da separação de poderes que reserva a iniciativa legislativa da matéria ao Chefe do Poder Executivo.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Louveira, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 2.049, de 19 de junho de 2009, que proíbe a fixação de placas, cartazes e similares, nas repartições públicas, que façam menção a desacato de funcionário público.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 62).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 75/87, em defesa da constitucionalidade da questionada lei.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 71/73).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

O pedido deve ser examinado em contraste da lei local impugnada com os arts. 5º; 25; 47, II, XI e XI; e 144, da Constituição Estadual.

O ato normativo criticado nesta ação direta cria proibição e fixa condutas para a Administração Municipal, que lhe acarretam despesas com a retirada das placas que se encontrarem em desacordo com a proibição imposta nesta lei, sem contar o exercício da necessária fiscalização.

Este é o texto da norma impugnada:

“Art. 1º - Fica proibida nas repartições públicas do município de Louveira a afixação de placas, cartazes e similares, que façam menção a desacato de funcionário público.

Art. 2º - As placas, cartazes e similares de que trata o artigo anterior, atualmente afixados, deverão ser retirados no prazo de quarenta e cinco  (45) dias da data da publicação desta Lei.

Art.3º - A presente Lei poderá ser regulamentada pelo Executivo, no período de sua vacância.

Art.4º - Esta Lei entre em vigor no prazo de quarenta e cinco dias (45) da data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário."

Considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo, além de criar despesas sem indicar a fonte de custeio.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

         Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts.5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

         Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

         Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

         Por último, oportuno observar que a proibição criada, nos termos previstos no dispositivo impugnado, certamente traria despesas para o erário, eis que o município teria, às suas expensas, que despender recursos com a fiscalização e retirada das aludidas placas, cartazes e similares.

         Em casos análogos esse egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.049, de 19 de junho de 2009, do Município de Louveira.

São Paulo, 3 de dezembro de 2009.

 

 

        Maurício Augusto Gomes

        Subprocurador-Geral de Justiça

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