Parecer
Autos nº. 185.853-0/3-00 (994.09.222946-0)
Requerente: Prefeito Municipal de Ubatuba
Objeto: Lei nº 3.230, de 17 de setembro 2009, do Município de Ubatuba
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Iniciativa parlamentar. Disposição acerca dos postes da rede elétrica e sinalização dos nomes de vias, ruas e logradouros públicos. 2) Violação da separação de poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (art. 5º, 47 II e XIV da Constituição Paulista). 3) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Ubatuba, tendo por objeto a Lei nº 3.230, de 17 de setembro 2009, daquele Município, que “Dispõe sobre a identificação adequada das vias, ruas e logradouros públicos nos postes da rede elétrica do Município de Ubatuba”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi integralmente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 12).
O Presidente da Câmara Municipal deixou transcorrer "in albis" o prazo para informações.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 22/24).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Em
que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se
transformando na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é verticalmente
incompatível com nossa sistemática constitucional.
Este é o teor do ato normativo impugnado:
“Art.1º - Os postes da rede elétrica, incorporados aos bens do patrimônio municipal, deverão conter a adequada sinalização dos nomes da vias, ruas e logradouros públicos em todo o território do Município de Ubatuba.
Art.2º - A sinalização de que trata o artigo anterior dar-se-á com a pintura com tinta de fácil visualização, mediante servidão administrativa, regulamentada pelo Poder Executivo, no tamanho de 20 cms x 2 mts, sempre da mesma forma, padronizando a identificação.
Art.3º - As despesas decorrentes da execução da presente Lei serão consignadas no orçamento próprio, suplementadas se necessário.”
A lei, de iniciativa
parlamentar, cria obrigações e estabelece condutas a serem cumpridas pela
Administração Pública, prevendo a obrigação de sinalizar o nome das ruas nos
postes da rede elétrica do município, nos padrões estabelecidos.
Não há dúvida de
que, como tal, a iniciativa parlamentar, ainda que revestida de boas intenções,
invadiu a esfera da gestão administrativa, e como tal, é inconstitucional, por
violar o disposto no art. 5º e no art.47 II e XIV da Constituição Paulista.
É ponto pacífico
na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente
a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização,
direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao
Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja,
atos normativos revestidos de generalidade e abstração.
O legislador
municipal, na hipótese analisada, criou obrigações de cunho administrativo para
a Administração Pública local.
Abstraindo
quanto aos motivos que podem ter levado a tal solução legislativa, ela se
apresenta como manifestamente inconstitucional, por interferir na realização,
em certa medida, da gestão administrativa do Município.
Referido
diploma, na prática, invadiu a esfera da
gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar
aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura
não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem
missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a
Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em
atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o
Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que
residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional
(art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou
Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza,
ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como
também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da
Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de
funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser
invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal
brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da
Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo,
quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis
que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia
e independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal
de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de
iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na
violação da regra da separação de poderes, conforme ementas de julgados
recentes, transcritas a seguir:
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.” (TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
E, mais recentemente, assim se fez constar no despacho que
deferiu a liminar na ADIn 990.10.073579-9:
"Impõe-se, à partida, a apreciação do pedido liminar, que fica deferido.
Evidente o fumus boni júris, pois já proclamada na ADIN nº 154.526-0/0 (Rel. EROS PICELI - J. 08.10.2008 - V.U.), ser inconstitucional lei de vereadora iniciativa que cria obrigação para o Poder Executivo de utilização de papel reciclado.
Digo o mesmo quanto ao periculum in mora, poquanto a obrigação imposta ao promovente de regulamentar a norma impugnada deveras implica, na prática, em sujeição, se não imediata, quase, a interferência, in casu descabida, o planejamento da administração no que tange a execução dos procedimentos licitatórios visando às aquisições de materiais de expedientes para o ano em exercício.
Ademais, não faz o menor sentido manter a eficácia e a vigência, ainda que potenciais, eis que minguante sua regulamentação, certamente, porém, capazes de gerar ao menos atritos entre Legislativo e Executivo locais, de norma que ostenta palpável vício de inconstitucionalidade formal." (ADIn 990.10.073579-9, rel. des. Palma Bisson, j. 1º.03.2010)
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.230, de 17 de setembro 2009, do Município de Ubatuba.
São Paulo, 6 de janeiro de 2011.
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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