Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.09.373739-6

Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva

Objeto: Lei nº 4.865, de 14 de dezembro de 2009, do Município de Catanduva

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, da Lei nº 4.865, 14 de dezembro de 2009, do Município de Catanduva que “autoriza a Prefeitura  Municipal a designar um Farmacêutico junto a cada Unidade Básica de Saúde que tenha dispensário de medicamentos”. Projeto de Vereador. Vício de iniciativa, que macula o processo legislativo, vez que cabe exclusivamente ao chefe do Poder Executivo a iniciativa de leis que regulam a gestão administrativa ou criam despesas para a Administração, ainda que de forma indireta. Parecer pela procedência da ação direta de inconstitucionalidade, por violação aos artigos 5º; 25; 47, II; e 144 da Constituição do Estado.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, tendo por objeto a Lei nº 4.865, de 14 de dezembro de 2009, do Município de Catanduva,                                                                                               que “autoriza a Prefeitura Municipal a designar um Farmacêutico junto a cada Unidade Básica de Saúde que tenha dispensário de medicamentos”.

Sustenta o autor que a lei regulamenta matéria que interfere no orçamento  municipal e que, por isso, não poderia, como foi, ter nascido no Poder Legislativo. Aduz que a norma cria despesa para o Município sem a indicação dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos. Aponta como violados os arts. 5º e 25 da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 20/22).

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo (fls. 32/35).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 75/77).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada tem o seguinte teor:

LEI Nº 4.865, de 14 de dezembro de 2009

Autoriza a Prefeitura Municipal a designar um Farmacêutico junto a cada Unidade Básica de Saúde que tenha dispensário de medicamentos.

“Art. 1º - Fica a Prefeitura Municipal de Catanduva autorizada a designar um farmacêutico junto a cada Unidade Básica de Saúde que tenha dispensário de medicamentos.

Art. 2º - As despesas com a execução desta lei correrão pó conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

Art. 3º - Esta Lei entra em vigor na data e sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.

Em que pesem os elevados propósitos que inspiraram a nobre Vereadora Ana Paula Carnelossi, autora do projeto da lei em análise (fls. 16), reputamos procedentes os argumentos da inicial.

Com efeito, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento (STARCK, Christian, El Concepto de ley en la constitucion alemana. Madrid: CEC, 1979, p. 73), participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais e diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Dentre as funções de governo do Prefeito estão as funções executivas que, no sentido estrito da expressão, compreendem o planejamento, a organização, a direção, o comando, a coordenação e o controle dos serviços públicos (SILVA, José Afonso. O Prefeito e o Município, 1977, p. 134/143).

Vê-se que a Lei em questão, de iniciativa de vereadora, regulamenta matéria que interfere no orçamento municipal, na medida em que a colocação de um farmacêutico junto a cada Unidade Básica de Saúde que tinha dispensário de medicamentos.

Esses comandos configuram nítida invasão do Poder Legislativo na forma de gestão da administração pública.

Essa anomalia representa ofensa ao princípio da separação de poderes a ensejar o reconhecimento da inconstitucionalidade da norma impugnada, pois, na dicção desse Sodalício:

Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito (ADIN nº. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

De outro giro, a lei traz, inequivocamente, aumento de despesa.

Disso decorre que a regra instituída acarreta despesa pública –  sem a correspondente previsão dos recursos destinados aos novos encargos, daí porque somente poderiam ter nascido no Poder Executivo, que é o responsável pela execução do orçamento.

 Sob esse aspecto, a norma também se mostra incompatível com a Constituição do Estado:

LEIS AUTORIZATIVAS – INCONSTITUCIONALIDADE - Se uma lei fixa o que é próprio da Constituição fixar, pretendendo determinar ou autorizar um Poder constituído no âmbito de sua competência constitucional, essa lei e inconstitucional. — não só inócua ou rebarbativa, — porque estatui o que só o Constituinte pode estatuir O poder de autorizar implica o de não autorizar, sendo, ambos, frente e verso da mesma competência - As leis autorizativas são inconstitucionais por vicio formal de iniciativa, por usurparem a competência material do Poder Executivo e por ferirem o principio constitucional da separação de poderes.

VÍCIO DE INICIATIVA QUE NÃO MAIS PODE SER CONSIDERADO SANADO PELA SANÇÃO DO PREFEITO - Cancelamento da Súmula 5, do Colendo Supremo Tribunal Federal.

LEI MUNICIPAL QUE, DEMAIS IMPÕE INDEVIDO AUMENTO DE DESPESA PÚBLICA SEM A INDICAÇÃO DOS RECURSOS DISPONÍVEIS, PRÓPRIOS PARA ATENDER AOS NOVOS ENCARGOS (CE, ART 25). COMPROMETENDO A ATUAÇÃO DO EXECUTIVO NA EXECUÇÃO DO ORÇAMENTO - ARTIGO 176, INCISO I, DA REFERIDA CONSTITUIÇÃO, QUE VEDA O INÍCIO DE PROGRAMAS. PROJETOS E ATIVIDADES NÃO INCLUÍDOS NA LEI ORÇAMENTÁRIA ANUAL (ADIN 142.519-0/5-00, rel. Des. Mohamed Amaro, 15.8.2007).

Nesse panorama, tem-se por violados os artigos 5º; 25; 47, II; e 144 da Carta Bandeirante.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.865, de 14 de dezembro de 2009, do Município de Catanduva.

 

São Paulo, 24 de junho de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         -Jurídico–

 

vlcb