Ação Direta de Inconstitucionalidade
Processo nº 990.10.004583-0
Autor: Prefeito Municipal de Jundiaí
Objeto: Lei Municipal nº 7.242, de 25 de fevereiro de
2009, de Jundiaí
Ementa:
1) Ação direta de
inconstitucionalidade. Lei Municipal. Instituição da Política Municipal de
Mudanças Climáticas. Criação de programa governamental, de órgão, e de fundo
financeiro. 2) Lei de iniciativa
parlamentar. Violação de reserva de iniciativa do Executivo (criação de órgão e
matéria orçamentária). Quebra da separação de poderes (criação de programa
governamental). Incompatibilidade vertical com dispositivos da Constituição
Paulista (art.5º; art.24 §2º n.2; art.25; art.47 II e XIV; art.144; art.174). 3) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador
Relator
Trata-se de
ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Senhor Prefeito Municipal de
Jundiaí, tendo como alvo a Lei Municipal nº 7.242, de 25 de fevereiro de 2009, daquele
Município, sob a alegação de: (a) vício de iniciativa; (b) quebra da separação
de poderes; (c) criação de despesas sem indicação da fonte de receitas. Apontou
assim para a violação dos seguintes dispositivos da Constituição Paulista:
art.5º, 25, 37, 47 II e XIV, 144, 174, e 176 I.
Foi deferida a liminar, determinando-se
a suspensão do ato normativo impugnado (fls.29/31).
Citado, o Senhor Procurador-Geral do
Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo (fls.78/80).
A Presidência da Câmara Municipal
prestou informações (fls.45/46).
Este é o breve relato do que consta dos
autos.
Do ato normativo impugnado.
A Lei
Municipal nº 7.242, de 25 de fevereiro de 2009, de Jundiaí, fruto de iniciativa
parlamentar, que “Institui a Política
Municipal de Mudanças Climáticas (PMMC) e dá outras providências”, tem a
seguinte redação:
“LEI Nº 7.242/09
"Institui
a Política Municipal de Mudanças Climáticas (PMMC) e dá outras
providências".
A CÂMARA
MUNICIPAL DECRETA:
Artigo 1º - É
instituída a Política Municipal de Mudanças Climáticas -PMMC-, dispondo sobre
seus princípios, diretrizes, objetivos e instrumentos.
Artigo 2º -
As ações empreendidas no âmbito da PMMC serão orientadas pelos seguintes
princípios:
I -
desenvolvimento sustentável;
II -
prevenção:
III - precaução;
IV - acesso
às informações ambientais;
V -
participação de todos os cidadãos interessados;
VI -
responsabilidades comuns, porém diferenciadas dos Estados Partes da
Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças do Clima na proteção do
sistema climático;
VII -
cooperação internacional.
Artigo 3º - A
PMMC visa coordenar as medidas adotadas pela Administração Pública Municipal
que estimulem a redução e o seqüestro das emissões de gases de efeito estufa,
por meio da consecução dos seguintes objetivos específicos:
I - incentivo
ao uso de tecnologias mais limpas;
II - conscientização
ambiental;
III - estímulo
a práticas empresariais que visem à redução ou seqüestro dos gases de efeito
estufa;
IV -
compatibilização do desenvolvimento econômico com a preservação do meio
ambiente e a realização da justiça social;
V promoção da
pesquisa e a disseminação do conhecimento acerca das mudanças climáticas.
Artigo 4º -
São diretrizes da PMMC:
I - a articulação entre as ações do Poder
Público Municipal com os diversos segmentos do setor privado;
II - a coordenação com outras políticas e
programas que possam contribuir com a proteção do sistema climático;
III - a cooperação entre Município, Estado e
União no desenvolvimento de programas e ações conjuntas;
IV - facilitar e agilizar o encaminhamento e
aprovação dos projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) perante as autoridades
competentes;
V - a promoção do desenvolvimento
sustentável.
Artigo 5º -
Para alcance dos objetivos da PMMC, serão utilizados os seguintes instrumentos:
I - incentivos
econômicos e financeiros para alteração de matrizes energéticas;
II -
estabelecimento de padrões ambientais para construção civil;
III -
disponibilização de linhas de crédito e financiamento para alterações e
construções de edificações sustentáveis;
IV -
inventários de emissões de gases de efeito estufa das atividades econômicas do
âmbito do município;
V -
desenvolvimento de linhas de pesquisa por agências de fomento municipais;
VI - planos
de ação por setores ou categorias por fontes de emissões;
VII - proposição
de projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL).
Artigo 6º -
Fica criado o Fundo Municipal de Mudanças Climáticas - FMMC, com a finalidade
de viabilizar a consecução dos objetivos da PMMC.
Artigo 7º - O FMMC será composto dos seguintes
recursos:
I - dotações
orçamentárias provenientes da União, Estado e do Município;
II - recursos
resultantes de doações, valores, bens móveis e imóveis, que venha a receber de
pessoas físicas e jurídicas, sejam de direito público ou privado;
III -
recursos advindos da comercialização de Reduções Certificadas de Emissões
(RCEs) de titularidade da Administração Pública Municipal;
IV - outros
valores destinados por lei.
Artigo 8º - O
FMMC será gerido pelo seu conselho gestor.
Parágrafo
Único - A composição e funcionamento do conselho gestor serão definidos por decreto.
Artigo 9º -
Esta lei entrará em vigor na data de sua publicação."
Entretanto,
em que pese a boa intenção do Poder Legislativo Municipal, retratada no ato
normativo direcionado à defesa do meio ambiente, o diploma é verticalmente
incompatível com nossa sistemática constitucional.
Mérito: vício de iniciativa e
separação de poderes.
A lei em
epígrafe, fruto de iniciativa parlamentar, apresenta vertical incompatibilidade
com a Constituição do Estado, tanto por vício de iniciativa como pela quebra da
regra da separação de poderes, na medida em que: (a) cria programa de governo
(a denominada “Política Municipal de Mudanças Climáticas”), delineando
inclusive de forma pormenorizada suas diretrizes e instrumentos; (b) cria órgão
na Administração Pública Municipal, o denominado Conselho Gestor do Fundo
Municipal de Mudanças Climáticas; (c) trata de matéria orçamentária, criando o
Fundo Municipal de Mudanças Climáticas.
Nesse contexto, fica patenteada a ocorrência:
(a) da quebra da separação de poderes (art.5º, 47 II e XIV da Constituição
Paulista); (b) do vício de iniciativa, por criação de órgão administrativo e
regulação de matéria orçamentária (art.24 §2º n.2, e art.174 da Constituição
Paulista); (c) de criação de novas despesas sem a indicação da respectiva fonte
de receita (art.25 da Constituição do Estado). Todas estas diretrizes são
aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da Constituição Paulista.
A iniciativa reservada do Executivo é
fruto de disciplina expressa, não podendo o Poder Legislativo dar início a
projeto de lei destinado à criação de órgão ou mesmo instituição de Fundo, que
diz respeito a matéria orçamentária.
Como
salienta Régis Fernandes de Oliveira, “a
Constituição estabeleceu a competência exclusiva do Presidente da República
para iniciar a tramitação dos projetos orçamentários. Em segundo lugar, os
projetos são eminentemente técnicos, pressupondo informações sobre a
arrecadação de recursos e estabelecendo prioridades inseridas nas competências
do Chefe do Executivo” (Curso de
direito financeiro, São Paulo, RT, 2006, p.338/339).
Na mesma senda, pondera Ricardo Lobo
Torres, a respeito da unidade orçamentária, que ganhou ênfase na Constituição
de 1988, que este princípio “sinaliza que
todas as despesas e fundos da mesma pessoa jurídica devem se unificar
finalisticamente no mesmo orçamento. (...) A unificação dos orçamentos teve o
mérito de permitir o controle da utilização de recursos do orçamento fiscal e
da seguridade social para suprir necessidade ou cobrir déficit de empresas,
fundações e fundos (art.167 VIII, CF)” (Tratado
de direito constitucional financeiro e tributário, vol. V, Rio de Janeiro,
Renovar, 2000, p.79).
De
outro lado, há quebra do princípio da separação de poderes nos casos em que o
Poder Legislativo edita um ano normativo que configura, na prática, ato de gestão executiva. Quando o
legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à
independência e harmonia entre os poderes.
E
isso se verifica quando o ato normativo que estabelece diretrizes políticas ou
programas de governo.
Nestes termos, a disciplina legal findou,
efetivamente, invadindo a esfera da
gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.
Não é necessário que a lei diga o que o Poder
Executivo pode ou não fazer dentro de sua típica atividade administrativa. Se o
faz, torna-se patente que a atividade legislativa imiscuiu-se no âmbito de
atuação do administrador, fazendo-o de modo inconstitucional.
Cumpre recordar, nesse passo, o
ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar.
Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras
para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal,
genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O
Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta
sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes,
princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade,
da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e
inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo
ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda
deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do
Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos
do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder
Judiciário” (Direito municipal
brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da
Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Exatamente esta é a hipótese dos autos.
Em situações análogas esse E. Órgão
Especial tem reconhecido a inconstitucionalidade do ato normativo por quebra do
princípio de separação de poderes.
É o que se infere dos julgados a seguir
transcritos, mutatis mutandis
aplicáveis ao caso em exame:
“Ao executivo haverá de caber
sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais.
Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa
execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o
órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse
gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI
n. 53.583-0, rel. Des. Fonseca Tavares).
“Ação direta de
inconstitucionalidade. Artigo 2º da Lei Municipal 10975/2006, de Ribeirão
Preto. Legislação, de iniciativa parlamentar, que determina a obrigatoriedade
da inscrição ‘Patriota brasileira assassinada pela ditadura militar’ em placa
indicativa de logradouro ou próprio municipal. Impossibilidade. Matéria de
cunho eminentemente administrativo atinente a planejamento e ordenamento
urbano. Função legislativa da Câmara de Vereadores possui caráter genérico e
abstrato. Lei dispôs de maneira concreta, com caráter de obrigatoriedade,
afrontando o princípio da separação dos poderes. Procedência” (ADI
147.772.0/5-00, rel. des. Maurício Ferreira Leite, j. 03.10.2007).
“Ação direta de
inconstitucionalidade - Lei Municipal n° 6.641, de 31 de julho de 2006, que
dispõe sobre a obrigatoriedade de fixação de quadro informativo com nome,
registro e especialidade de profissional médico de plantão nos pronto-socorros
e unidades básicas de saúde - Ato típico de administração, cujo exercício e
controle cabem ao Chefe do Poder Executivo - Ofensa ao princípio da separação
dos poderes - Criação de despesas não previstas no orçamento - Afronta aos
artigos 5º, 25 e 144, ambos da Constituição Estadual - Ação procedente.”(ADI
149.363-0/3-00, rel. des. Debatin Cardoso, j. 03.10.2007).
Acrescente-se
que em casos como o presente esse Colendo Órgão Especial tem reconhecido a
inconstitucionalidade da norma com fundamento no art.25 da Constituição do
Estado. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes julgados adiante
indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.;
ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI
135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.
Diante do
exposto, nosso parecer é no sentido da procedência
desta ação direta, com a declaração da inconstitucionalidade da Lei
Municipal nº 7.242, de 25 de fevereiro de 2009, de Jundiaí.
São Paulo, 9 de junho de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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