Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 990.10.005592-5

Requerente: Prefeito Municipal de Jundiaí

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal nº 455, de 07 de julho de 2008, de Jundiaí.

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Complementar Municipal nº 455, de 07 de julho de 2008, de Jundiaí. Alteração do “Código de Obras” do Município. Exigência de colocação de “travas de segurança” em “galerias e tubulações subterrâneas”.

2)      Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Ausência de indicação das receitas para fazer frente às despesas geradas pela execução do programa (art. 25 da Constituição Paulista).

3)     Inconstitucionalidade reconhecida.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Jundiaí, tendo como alvo a Lei Complementar Municipal nº 455, de 07 de julho de 2008, de Jundiaí.

Sustenta o autor que o ato normativo impugnado (Lei Complementar Municipal nº 455, de 07 de julho de 2008, de Jundiaí), de iniciativa parlamentar, que passou a exigir que as “galerias e tubulações subterrâneas em via pública” tenham na sua entrada “trava de segurança”, é inconstitucional por violação da regra da separação de poderes.

Foi indeferida a liminar (fls. 18).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa para o ato normativo impugnado (fls. 24, 56/58).

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 26/27).

É o relato do essencial.

A Lei Complementar Municipal nº 455, de 07 de julho de 2008, de Jundiaí, conforme respectiva ementa “altera o Código de Obras e Edificações, para em via pública, na entrada de galeria e tubulação subterrânea, exigir trava de segurança.”

A lei acrescentou ao Código de Obras do Município (Lei Complementar nº 174, de 9 de janeiro de 1996), o seguinte artigo:

“(...)

Art. 36-B – As galerias e tubulações subterrâneas em via pública terão, na entrada, trava de segurança, assim considerado o dispositivo acessível a quem esteja autorizado.

(...)’

         A lei de iniciativa parlamentar, desse modo, impôs conduta administrativa à Municipalidade, ao prever que a partir de sua vigência torna-se necessária a colocação de “travas de segurança” em “galerias e tubulações subterrâneas em via pública”.

         Em outras palavras, o legislador, através da lei, praticou ato ou adotou solução que se insere essencialmente na esfera da atividade administrativa.

A inconstitucionalidade, assim caracterizada, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Abstraindo dos motivos que podem ter levado a tal solução legislativa no caso concretamente considerado, ela se apresenta inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão administrativa do Município.

Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.

Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade da adoção da regra da separação. Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente.

Acrescente-se que para a concretização da diretriz preconizada na lei será necessária a realização de despesas, sendo certo que o ato normativo impugnado não indicou a fonte das respectivas receitas.

Em casos assim, esse Colendo Órgão Especial tem, reiteradamente, reconhecido a inconstitucionalidade da norma por violação ao disposto no art. 25 da Constituição Paulista.

Nesse sentido, apenas a título de exemplificação, confiram-se os julgados a seguir indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Complementar Municipal nº 455, de 07 de julho de 2008, de Jundiaí.

São Paulo, 23 de junho de 2010.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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