AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE

Processo nº 990.10.010462-4

Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Objeto: Lei Municipal nº 10.481, de 23 de outubro de 2009, do Município de São José do Rio Preto.

 

 

Ementa: Lei Municipal nº 10.481, de 23 de outubro de 2009, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe sobre a entrada franca para policiais militares e civis, no qual exercem a sua profissão 24 horas por dia, mediante apresentação de identidade funcional às sessões de teatro, shows, feiras, exposições, eventos culturais e esportivos realizados no Município de São José do Rio Preto”.  Incompatibilidade com os arts.  111, 144, da Carta Paulista - Inconstitucionalidade constatada - Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,

 

 

Trata-se de ação formulada pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, visando à declaração de inconstitucionalidade da                                                                                                Lei nº 10. 481, de 23 de outubro de 2009, do Município de São José do Rio Preto, que “Dispõe sobre a entrada franca para policiais militares e civis, no qual exercem a sua profissão 24 horas por dia, mediante apresentação de identidade funcional às sessões de teatro, shows, feiras,

                                                                                                    exposições, eventos culturais e esportivos realizados no Município de São José do Rio Preto” (fl. 10).

 

O pedido para concessão de liminar foi deferido, consoante decisão de fls. 15/16.

 

A Câmara de Vereadores, por seu turno, prestou informações de cunho meramente objetivo, sem apresentar defesa da constitucionalidade da lei atacada (fls. 55/56).

        

O Procurador-Geral do Estado manifestou-se às fls. 76/78 e afirmou não ter interesse na defesa do ato impugnado, por versar matéria de conteúdo local.

 

         Em síntese, é o relatório.

 

O pedido comporta acatamento.

 

A Lei 10.481, de 23 de outubro de 2009, assegura a entrada franca para policiais militares e civis às sessões de teatro, shows, feiras, exposições, eventos culturais e esportivos realizados no Município de São                                                                                                      José do Rio Preto, mediante apresentação de identidade funcional.

 

         Como se vê, o tema está intrinsecamente ligado à difusão da cultura. Consoante prevê o art. 215, da Constituição Federal, “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

 

Nesse sentido, a norma em exame permite a determinado segmento do funcionalismo público – policiais militares e civis – o acesso aos respectivos estabelecimentos, mediante entrada franca.

 

Todavia, não se vislumbra uma razão plausível que permita ao legislador local distinguir referida classe do funcionalismo público das demais, que também desempenham funções de suma importância.

 

Sabe-se que a isonomia é um dos primados garantidos pelo legislador constitucional. A respeito do assunto, lembra Alexandre de Moraes que “o princípio da igualdade consagrado pela constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. Em outro plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de aplicar a lei e atos normativos de                                                                                                maneira igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião, convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.”[1]

 

Esse princípio, embora não esteja expresso no art. 111, da Constituição Estadual, pode ser extraído tranquilamente do seu contexto,

                                                                                              sobretudo da impessoalidade que nada mais é do que um desdobramento do primeiro. André Ramos Tavares afirma que “o princípio em epígrafe apresenta duas vertentes na análise de seu conteúdo. Em primeiro lugar impede-se o tratamento desigual baseado em critério pessoal. Não se toleram benefícios ou encargos atribuídos desigualmente para certas pessoas. Verifica-se, pois, que o princípio está intimamente relacionado com o princípio da isonomia. Simpatias ou animosidades pessoais, entre a Administração e administrados, são juridicamente irrelevantes. Consoante o princípio da impessoalidade, a atividade da Administração deve ser neutra, objetivando exclusivamente a realização do interesse de todos, jamais de uma pessoa ou um grupo em particular.”[2]

 

Como se sabe, a competência legislativa do município é suplementar à da União e dos Estados, consoante dispõe o art. 30, I e II, da Carta Federal.

 

Sobre o tema, Alexandre de Moraes afirma que “a Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos municípios consistente na autorização de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua execução a peculiaridades locais, sempre em concordância com aquelas e desde que presente o requisito primordial de fixação de competência desse ente federativo: interesse local”.[3]

 

Em parecer da lavra do Dr. Geraldo Brindeiro, à época Procurador-Geral da República, ao enfrentar tema semelhante na Ação Direta de Inconstitucionalidade em curso perante o Excelso Supremo Tribunal Federal, com o objetivo de eliminar a Lei 7.844/92, do Estado de São Paulo, assim se posicionou:[4]

 

 

“Com efeito, vislumbra-se que a finalidade maior da norma em exame enquadra-se na competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal em legislar sobre “educação, cultura, ensino e desporto”, disposta no inciso IX do art. 24 da Carta Magna, e não sobre direito econômico (art. 24, inciso I, CF), como pretende a impetrante, na medida em que o Estado de São Paulo não visa estabelecer qualquer mecanismo de tabelamento de preços uma vez que a sua fixação é absolutamente livre.

 

                   Além do mais, o que a norma impugnada faz, na verdade, atendendo plenamente à sua função social, é viabilizar o acesso de estudantes a eventos culturais, por meio de um desconto obrigatório, impondo-se, assim, um tratamento    diferenciado ao estudante. Nesse contexto, o

 

 

desconto a que se refere a lei paulista está voltado para a inclusão social do educando, o acesso às fontes de cultura, às manifestações desportivas e ao lazer, essenciais para o processo de formação do cidadão e desenvolvimento da cidadania.

                   Tem-se, assim, que inerente a esse direito à cultura reconhecido pela Constituição da República encontra-se o acesso às suas fontes, como observa o Ilustre Professor JOSÉ AFONSO DA SILVA (in “Curso de Direito Constitucional Positivo”, Malheiros Editores, 19ª edição, pág. 316).”[5]

 

Em razão disso, ao esclarecer de que maneira a lei estadual deve ser aplicada, o legislador local agiu na esfera da sua competência, não havendo motivos para ter-se por inconstitucional aquele ato normativo.

 

         Entretanto, o mesmo não ocorreu com a legislação em questão.

        

          Concluo, assim, que a Lei n. 10.481, de 23 de outubro de 2009, do Município de São José do Rio Preto está em desconformidade com os arts. 111 e 144, da Constituição do Estado de São Paulo.

 

Nestes termos, o parecer é pela procedência da demanda, para                                                                                                que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 10.481, de 23 de outubro de 2009, do município de São José do Rio Preto.

 

                                    

São Paulo, 30 de agosto de 2010.

 

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

vlcb



[1] Direito Constitucional, São Paulo: Atlas, 9ª ed., 2001, p. 63.

[2] Curso de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2006, p. 1.145.

 

[3] Alexandre de Moraes, Constituição do Brasil Interpretada, São Paulo, Atlas, 2002, p. 743

[4] Adin 1.950, rel. Min. Eros Grau, julgada improcedente em 14.11.2005, conforme informação obtida no site do STF em 12/4/06.

[5] Parecer do Procurador-Geral da República oferecido na Adin nº 1.950-3/600-SP, promovida pela Confederação Nacional do Comércio – CNC.