Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto
Ementa: Lei Municipal nº 10.481,
de 23 de outubro de 2009, do Município de São José do Rio Preto, que “dispõe
sobre a entrada franca para policiais militares e civis, no qual exercem a sua
profissão 24 horas por dia, mediante apresentação de identidade funcional às
sessões de teatro, shows, feiras, exposições, eventos culturais e esportivos
realizados no Município de São José do Rio Preto”. Incompatibilidade com os arts. 111, 144, da Carta Paulista -
Inconstitucionalidade constatada - Parecer pela declaração de
inconstitucionalidade.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator,
Trata-se de ação formulada pelo
Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, visando à declaração de
inconstitucionalidade da Lei nº 10. 481,
de 23 de outubro de 2009, do Município de São José do Rio Preto, que “Dispõe
sobre a entrada franca para policiais militares e civis, no qual exercem a sua
profissão 24 horas por dia, mediante apresentação de identidade funcional às
sessões de teatro, shows, feiras,
exposições, eventos culturais e esportivos
realizados no Município de São José do Rio Preto” (fl. 10).
O pedido para concessão de liminar
foi deferido, consoante decisão de fls. 15/16.
A Câmara de Vereadores, por seu
turno, prestou informações de cunho meramente objetivo, sem apresentar defesa
da constitucionalidade da lei atacada (fls. 55/56).
O Procurador-Geral do Estado
manifestou-se às fls. 76/78 e afirmou não ter interesse na defesa do ato
impugnado, por versar matéria de conteúdo local.
Em síntese, é o
relatório.
O pedido comporta acatamento.
A Lei 10.481, de 23 de outubro de
2009, assegura a entrada franca para policiais militares e civis às sessões de
teatro, shows, feiras, exposições, eventos culturais e esportivos realizados no
Município de São José do Rio Preto, mediante
apresentação de identidade funcional.
Como se vê, o tema
está intrinsecamente ligado à difusão da cultura. Consoante prevê o art. 215,
da Constituição Federal, “o Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e
incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais”.
Nesse sentido, a norma em exame
permite a determinado segmento do funcionalismo público – policiais militares e
civis – o acesso aos respectivos estabelecimentos, mediante entrada franca.
Todavia, não se vislumbra uma razão
plausível que permita ao legislador local distinguir referida classe do
funcionalismo público das demais, que também desempenham funções de suma
importância.
Sabe-se que a isonomia é um dos
primados garantidos pelo legislador constitucional. A respeito do assunto,
lembra Alexandre de Moraes que “o princípio da igualdade consagrado pela
constituição opera em dois planos distintos. De uma parte, frente ao legislador
ou ao próprio executivo, na edição, respectivamente, de leis, atos normativos e
medidas provisórias, impedindo que possam criar tratamentos abusivamente
diferenciados a pessoas que se encontram em situações idênticas. Em outro
plano, na obrigatoriedade ao intérprete, basicamente, a autoridade pública, de
aplicar a lei e atos normativos de maneira
igualitária, sem estabelecimento de diferenciações em razão de sexo, religião,
convicções filosóficas ou políticas, raça, classe social.”[1]
Esse princípio, embora não esteja
expresso no art. 111, da Constituição Estadual, pode ser extraído
tranquilamente do seu contexto,
sobretudo
da impessoalidade que nada mais é do que um desdobramento do primeiro. André
Ramos Tavares afirma que “o princípio em epígrafe apresenta duas vertentes na
análise de seu conteúdo. Em primeiro lugar impede-se o tratamento desigual
baseado em critério pessoal. Não se toleram benefícios ou encargos atribuídos
desigualmente para certas pessoas. Verifica-se, pois, que o princípio está
intimamente relacionado com o princípio da isonomia. Simpatias ou animosidades
pessoais, entre a Administração e administrados, são juridicamente
irrelevantes. Consoante o princípio da impessoalidade, a atividade da
Administração deve ser neutra, objetivando exclusivamente a realização do
interesse de todos, jamais de uma pessoa ou um grupo em particular.”[2]
Como se sabe, a competência
legislativa do município é suplementar à da União e dos Estados, consoante
dispõe o art. 30, I e II, da Carta Federal.
Sobre o tema, Alexandre de Moraes
afirma que “a Constituição Federal prevê a chamada competência suplementar dos municípios consistente na autorização
de regulamentar as normas legislativas federais ou estaduais, para ajustar sua
execução a peculiaridades locais, sempre em concordância com aquelas e desde
que presente o requisito primordial de fixação de competência desse ente
federativo: interesse local”.[3]
Em parecer da lavra do Dr. Geraldo
Brindeiro, à época Procurador-Geral da República, ao enfrentar tema semelhante
na Ação Direta de Inconstitucionalidade em curso perante o Excelso Supremo
Tribunal Federal, com o objetivo de eliminar a Lei 7.844/92, do Estado de São
Paulo, assim se posicionou:[4]
“Com efeito,
vislumbra-se que a finalidade maior da norma em exame enquadra-se na
competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal em legislar
sobre “educação, cultura, ensino e desporto”, disposta no inciso IX do
art. 24 da Carta Magna, e não sobre direito econômico (art. 24, inciso I, CF),
como pretende a impetrante, na medida em que o Estado de São Paulo não visa
estabelecer qualquer mecanismo de tabelamento de preços uma vez que a sua
fixação é absolutamente livre.
Além
do mais, o que a norma impugnada faz, na verdade, atendendo plenamente à sua
função social, é viabilizar o acesso de estudantes a eventos culturais, por
meio de um desconto obrigatório, impondo-se, assim, um tratamento diferenciado ao estudante. Nesse contexto, o
desconto a que se refere a lei
paulista está voltado para a inclusão social do educando, o acesso às fontes de
cultura, às manifestações desportivas e ao lazer, essenciais para o processo de
formação do cidadão e desenvolvimento da cidadania.
Tem-se,
assim, que inerente a esse direito à cultura reconhecido pela Constituição da
República encontra-se o acesso às suas fontes, como observa o Ilustre Professor
JOSÉ AFONSO DA SILVA (in “Curso de Direito Constitucional Positivo”,
Malheiros Editores, 19ª edição, pág. 316).”[5]
Em razão disso, ao esclarecer de que
maneira a lei estadual deve ser aplicada, o legislador local agiu na esfera da
sua competência, não havendo motivos para ter-se por inconstitucional aquele
ato normativo.
Entretanto, o mesmo
não ocorreu com a legislação em questão.
Concluo, assim,
que a Lei n. 10.481, de 23 de outubro de 2009, do Município de São José do Rio
Preto está em desconformidade com os arts. 111 e 144, da Constituição do Estado
de São Paulo.
Nestes termos, o parecer é pela procedência
da demanda, para que seja declarada a
inconstitucionalidade da Lei n. 10.481, de 23 de outubro de 2009, do município
de São José do Rio Preto.
São Paulo, 30
de agosto de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb
[1] Direito Constitucional, São Paulo:
Atlas, 9ª ed., 2001, p. 63.
[2] Curso de Direito Constitucional, São
Paulo: Saraiva, 4ª ed., 2006, p. 1.145.
[4] Adin 1.950, rel. Min. Eros Grau, julgada
improcedente em 14.11.2005, conforme informação obtida no site do STF em 12/4/06.
[5] Parecer do Procurador-Geral da República
oferecido na Adin nº 1.950-3/600-SP, promovida pela Confederação Nacional do
Comércio – CNC.