Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.012292-4

Requerente: Prefeito do Município de Nova Guataporanga

Objeto: Emenda nº 01/09 à Lei Orgânica do Município de Nova Guataporanga

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, da Emenda nº 01/09 à Lei Orgânica do Município de Nova Guataporanga, que estabeleceu o mês de fevereiro de cada exercício da revisão geral anual da remuneração do funcionalismo municipal. Ato normativo criado no Poder Legislativo que institui benefício a servidores públicos. Matéria cuja iniciativa é privativa do Prefeito, diante do que dispõe o artigo 24, § 2º, nº 1, da Constituição do Estado, aplicável aos municípios em obediência ao princípio da simetria (art. 144). Inconstitucionalidade reconhecida.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida por Prefeito, tendo por objeto a Emenda nº 01/09 à Lei Orgânica do Município de Nova Guataporanga.

O promovente esclarece que referida Emenda, nascida na Câmara dos Vereadores, estabaleceu para o mês de Fevereiro de cada exercício a revisão geral anual da remuneração e ou atualizações de vencimentos dos servidores públicos municipais ativos, aposentados e pensionistas, subsídios do Prefeito, do Vice-Prefeito, Vereadores, Presidente da Câmara e Secretários Municipais.

Argumenta que o tema pertine à gestão administrativa e, destarte, demanda a iniciativa do chefe do Poder Executivo, apontando, como violados, os artigos 5º; 25; 47, II; 144 e 174, § 8º, da Constituição do Estado.

O ato normativo teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar, pelo judicioso Despacho de fls. 46/50.

O Presidente da Câmara Municipal, embora notificado, não se manifestou (fls. 64).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o assunto é de interesse exclusivamente local (fls. 61/63).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A Emenda nº 01/09 tem a seguinte redação:

EMENDA nº 01/09

“A Mesa da Câmara Municipal, nos termos do inciso I do art. 42 da L.O.M., promulga a seguinte Emenda:

Art. 1º - Fica estabelecido o mês de fevereiro de cada exercício, a revisão geral anual, de que trata o inciso X do artigo 37, e alterações posteriores da Constituição Federal, para fins de remuneração e ou atualizações de vencimentos dos Servidores Públicos Municipais ativos, aposentados e pensionistas, subsídios do Prefeito, Vice-Prefeito, Vereadores, Presidente da Câmara e Secretários Municipais.

Art. 2º - A remuneração e os subsídios de que trata o art. 1º desta Emenda serão fixados por Lei e Decreto Legislativo específicos.

Art. 3º - Esta Emenda entrará em vigor na data de 1º de janeiro de 2010, revogadas as disposições em contrário.

Mesa Diretora da Câmara Municipal.

Em 3 de novembro de 2009”.

Deflui dos autos que a Emenda impugnada foi concebida na Câmara Municipal e, uma vez incorporada à Lei Orgânica, alterou a data-base para a revisão dos subsídios pagos aos agentes políticos e dos vencimentos e proventos devidos aos servidores ativos e inativos do Município.

Ocorre que, em tema de remuneração de servidores da Administração, inclusive no que concerne à fixação da data para a revisão geral, a iniciativa é reservada ao chefe do Poder Executivo.

É o que se conclui da conjugação dos seguintes parâmetros constitucionais:

Artigo 24 – A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º - (...)

§ 2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

1 - criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica, bem como a fixação da respectiva remuneração;

Artigo 144 - Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.

No âmbito federal, o STF já esclareceu que lei sobre esse tema é de iniciativa privativa do Presidente da República, a teor do art. 61, § 1º, II, “a” da Carta da República (ADIN n. 2.061-7-DF, rel. Min. Ilmar Galvão; MS n. 22.451, rel. Min. Maurício Corrêa), o mesmo valendo para o Governador de Estado (Ação Originária n. 280-0-SC, rel. Min. Maurício Corrêa; ADIN 2.050-RO, rel. Min. Maurício Corrêa; RTJ 149/928, entre outros).

Ocorre que o art. 24, § 2º, nº 1 da Constituição do Estado de São Paulo reproduz, praticamente com as mesmas palavras, a regra do art. 61, § 1º, II, “a” da Carta Federal, o que traz como conseqüências: a) a extensão de sua obrigatoriedade aos municípios, nos termos do art. 144 da CE; e b) sua admissibilidade como parâmetro de controle de constitucionalidade pelo Tribunal de Justiça.

Claro está, pois, que a Emenda em exame violou essa prerrogativa do Chefe do Poder Executivo, incidindo, assim, em inconstitucionalidade.

Como bem destacado no r. Despacho de fls. 49, de lavra do em. Des. WALTER GUILHERME, “a norma constitucional é clara ao exigir lei específica e de iniciativa privativa. Ora, compete ao chefe do Executivo a iniciativa de leis sobre aumento de vencimentos e proventos e, obviamente, da revisão de que cuida o dispositivo mencionado. Parece evidente que a regra prende-se ao juízo de oportunidade e conveniência do Chefe do Executivo”.

A iniciativa reservada, segundo a doutrina, “assegura o privilégio do projeto a seu titular, possibilita-lhe a retirada a qualquer momento antes da votação e limita qualitativa e qualitativamente o poder de emenda, para que não se desfigure nem se amplie o projeto original” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 676).

O vício de iniciativa conduz, inexoravelmente, à declaração de inconstitucionalidade da lei, sendo certo que nem mesmo a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto tem o condão de saná-la (ADIn 13.798-0, rel. Des. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

Em acréscimo, a alteração arbitrária da data da revisão anual (no caso dos autos pela sua antecipação) também é ilegítima, pois desatende à periodicidade determinada pelo art. 115, XI, da Constituição Estadual.

Diante do exposto, opino pela procedência da presente ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Emenda nº 01/09.

 

São Paulo, 27 de agosto de 2010.

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

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