Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.023643-1

Requerente: Prefeito do Município de Mogi Guaçu

Objeto: Lei nº 4.570, de 21 de outubro de 2009, do Município de Mogi Guaçu

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei nº 4.570, de 21 de outubro de 2009, do Município de Mogi Guaçu , que “dispõe sobre indicadores de desempenho relativos à qualidade dos serviços públicos no Município de Mogi Guaçu”. Projeto de vereador. Ato de gestão administrativa incompatível com a vocação da Câmara Municipal. Usurpação de funções, com ofensa ao princípio da separação dos poderes, previsto no artigo 5º da Constituição Estadual. Parecer pela declaração de inconstitucionalidade.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida por Prefeito, tendo por objeto a Lei nº 4.570, de 21 de outubro de 2009, do Município de Mogi Guaçu, que “dispõe sobre indicadores de desempenho relativos à qualidade dos serviços públicos no Município de Mogi Guaçu”.

O autor alega que a lei decorre de projeto de Vereador e que, por meio dela, foram estabelecidos indicadores de desempenho da atividade administrativa nas áreas de saúde pública, educação básica, segurança pública, segurança no trânsito, limpeza pública e transporte público.

Argumenta que o tema reclama a iniciativa do Prefeito, apontando a inconstitucionalidade do ato normativo por ofensa ao princípio da separação dos Poderes, com assento na Constituição do Estado.

Acrescenta, por fim, que a lei impõe ônus à Administração e cria despesa sem indicação da fonte.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 35).

O Presidente da Câmara Municipal deixou fluir in albis o prazo que lhe foi concedido para prestar informações (fls. 51).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 47/49).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei em análise estabelece indicadores de desempenho e qualidade de diversas modalidades do serviço público prestado pelo Município.

Embora louvável a preocupação do legislador, a iniciativa, de fato, configura a quebra do postulado da separação dos poderes, figurando-se inequívoca a intromissão da Câmara Municipal na função administrativa.

Há quebra do princípio da separação de poderes quando o legislador, a pretexto de legislar, administra. Configura-se, então, o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes, princípio estatuído no art. 5º da Constituição Estadual, que reproduz o contido no art. 2º da Constituição Federal.

No caso em estudo, verifica-se, também, a não observância do disposto no art. 47 II e XIV da Constituição Paulista. Nesses termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo.

Com efeito, não caberia à Câmara instituir os “certificados de qualidade” previstos no art. 5º do ato normativo impugnado ou prever sanções “personalizadas” para o caso de desatendimento dos objetivos da lei (art. 6º).

Com isso, o legislador acabou instituindo inusitada forma de controle da Câmara sobre o Poder Executivo, que não encontra paralelo na esfera federal.

Também é defeso ao Poder Legislativo impor à Administração que realize pesquisa de opinião sobre os serviços públicos realizados diretamente ou por delegação (art. 18), mormente porque a providência acaba gerando despesas não cobertas pelo orçamento (arts. 25 e 176, inc. I, da Constituição Paulista).

Por qualquer prisma, é inequívoco que a lei incide sobre a organização e a execução de atos de governo e equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos Poderes.

Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que reside a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art. 2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Cabe à Administração estabelecer suas prioridades e, mediante estudos técnicos ou critérios de conveniência e oportunidade, apontar os indicadores de seu atingimento.

Quando a Câmara Municipal se propõe a fazer isso em seu lugar, como ocorre no caso em estudo, está usurpando a função administrativa, da alçada do Alcaide.

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 4.570, de 21 de outubro de 2009, do Município de Mogi Guaçu , que “dispõe sobre indicadores de desempenho relativos à qualidade dos serviços públicos no Município de Mogi Guaçu”.

 

São Paulo, 3 de agosto de 2010.

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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