Parecer
Autos n. 990.10.034081-6
Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí
Objeto: Lei n. 7.024, de 31 de março de 2008
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito, tendo por objeto a Lei n. 7.024, de 31 de março de 2008, do Município de Jundiaí, de iniciativa parlamentar, que veda o lançamento de óleo vegetal na rede de esgoto por estabelecimentos comerciais e industriais.
2) Reconhecimento da competência legislativa do Município para legislar na matéria. Correta interpretação dos dispositivos constitucionais invocados (CR, 24, VI, 30, I, e II, 23, VI e VIII).
3) Parecer no sentido da improcedência do pedido declaratório de inconstitucionalidade.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo
Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida
pelo Prefeito Municipal de Jundiaí, tendo por objeto a Lei n.
7.024, de 31 de março
de 2008, do Município de Jundiaí, de iniciativa parlamentar, que veda o
lançamento de óleo vegetal na rede de esgoto por estabelecimentos comerciais e
industriais.
O autor
alega que, embora o Município tenha competência legislativa, não pode
contrariar a Lei Federal ou a Estadual ao exercer a sua competência suplementar.
Daí a inconstitucionalidade por ofensa ao art. 144 da Constituição Estadual.
O
pedido de liminar foi indeferido (fls. 28).
O
Presidente da Câmara Municipal foi noticiado e prestou informações a partir de
fls. 42.
A
Procuradoria-Geral do Estado, embora seja questionada a ofensa à norma
estadual, declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de
interesse exclusivamente local (fls. 69/71).
Este
é o breve resumo do que consta dos autos.
O
pedido declaratório de inconstitucionalidade é improcedente.
A
Lei n. 7.024, de 31 de março de 2008, de Jundiaí, de iniciativa parlamentar, teve por fim a garantia do bem estar
da população, sendo evidente que o Município tem competência legislativa em
matéria ambiental.
O
Município não detém apenas a competência administrativa ou material, mas também
a legislativa, como explicitou a própria petição inicial da Ação Direta de
Inconstitucionalidade.
De
outro lado, a proibição de lançamento de óleo vegetal na rede de esgoto, por
parte de estabelecimentos comerciais e industriais, é ecologicamente correta,
está em vigor desde o início do ano de 2008 e deveria ser cumprida e efetivada
pelo Chefe do Poder Executivo em nome da preservação da dignidade da pessoa
humana, especialmente por garantir sadia qualidade de vida a todos.
Aos
argumentos da competência dos Municípios para editarem a proibição de
lançamento de óleo na rede de esgoto, soma-se os preceitos da Constituição da
República, cuja transcrição é de rigor:
“Art.182 – A
Política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,
conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno
desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus
habitantes.
§ 1º - O plano
diretor, aprovado pela Câmara Municipal, obrigatório para cidades com mais de
vinte mil habitantes, é o instrumento básico da política de desenvolvimento e
de expansão urbana....” .
Pertinente
gizar o conteúdo da espinha dorsal do ‘Capítulo VI - Do Meio Ambiente’,
inscrito pelo constituinte originário de 1988:
“Art. 225 –
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum
do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à
coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras
gerações”.
Frise-se,
ainda, que as disposições do capítulo referente ao meio ambiente encontram eco
em outros princípios do texto fundamental, inclusive, como elemento de
legitimação da própria atividade econômica, conforme dá conta o art.170, III e
VI, da CF (“ a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na
livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os
ditames da justiça social, observados os seguintes princípios - ... III –
função social da propriedade; ... VI – defesa do meio ambiente”).
Ainda
sobre o interesse e competência de todos os organismos do Estado na proteção
ambiental, bem assim no resguardo e recuperação da qualidade de vida e saúde da
população, mister acorrer ao texto da Constituição Bandeirante:
“Art. 191 – O
Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a
preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente
natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e
locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.
Art.192 – A
execução de obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos e a
exploração de recursos naturais de qualquer espécie, quer pelo setor público,
quer pelo privado, serão admitidas se houver resguardo do meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
...
Art. 201 – O
Estado apoiará a formação de consórcios entre os Municípios, objetivando a
solução de problemas comuns relativos à proteção ambiental, em particular à
preservação dos recursos hídricos e ao uso equilibrado dos recursos naturais”.
Do
que se extrai até aqui, considerando que o direito é uno e considerando que os
princípios constitucionais devem ser interpretados, aplicados e harmonizados
sem prevalência de uns em detrimento de outros, não há como negar que o
Município de Jundiaí, através dos seus representantes eleitos, no caso sob
análise, tem competência legislativa quanto à defesa do meio ambiente.
Comentando
as competências exclusiva, privativa, comum, concorrente e suplementar da
União, dos Estados, dos Municípios e Distrito Federal, leciona JOAQUIM CASTRO
AGUIAR: “Existem matérias sobre as quais tanto a União, quanto os Estados, o
Distrito Federal e os Municípios podem legislar, sendo os poderes compartilhados entre as unidades federativas.
Podemos ditar, como exemplos, a proteção e defesa da saúde, a proteção do meio
ambiente e controle da poluição. Nesses casos, diz-se que a legislação é
concorrente, no sentido de que cada ente federativo possui um quinhão do poder
legislativo, nessa partilha de competências. A matéria não é exclusive e nem
privativa de ninguém, podendo, pois, ser objeto de legislação federal,
estadual, distrital ou municipal”.
Ao
discorrer sobre o assunto, o doutrinador JOSÉ NILO DE CASTRO (in: Perspectivas
do Direito Municipal. Ciência Jurídica, set-out. 1993, vol. 53, p. 131),
ensina: “inegavelmente, cabe ao
Município, como poder público, dispor sobre regras de direto, legislando em
comum com a União e o Estado, com fundamento no art. 23,VI, CR. Portanto,
quando um Município, através de lei – mesmo que se lhe reconheça conteúdo
administrativo, em se tratando de competência comum -, disciplinar esta
matéria, fa-lo-á no exercício da competência comum, peculiarizando-lhe a
ordenação pela compatibilidade local, e consideração a esta ou àquela vocação
sua”.
Para
TOSHIO MUKAI (In: Legislação, meio ambiente e autonomia municipal. Estudos e
Comentários: RDP, Vol. 79, pág.131), “a
competência do Município é sempre concorrente com a da União e a dos
Estados-membros, podendo legislar sobre todos os aspectos do meio ambiente, de
acordo com sua autonomia municipal (art.15 da CR), prevalecendo sua legislação
sobre qualquer outra, desde que inferida do seu predominante interesse; não
prevalecerá em relação às outras legislações, nas hipóteses em que estas forem
diretamente inferidas de suas competências privativas, subsistindo a do
Município, entretanto, embora observando as mesmas”.
Ante
as circunstâncias jurídicas e regras de competência traçadas na Constituição de
Acrescente-se,
ainda, que Constituição Federal de 1988 foi pioneira ao determinar, no plano
constitucional, a tutela do bem ambiental, elevando-o à condição de
direito/garantia fundamental.
Esse
caráter já foi proclamado pelo próprio Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento da Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade n.
3.540/DF, em acórdão do qual foi relator o eminente Ministro Celso de Mello
(Julgamento proferido pelo Tribunal Pleno, em 1/9/2005. DJ de 3-2-2006, p. 14):
“MEIO AMBIENTE - DIREITO À PRESERVAÇÃO DE SUA
INTEGRIDADE (CF, ART. 225) - PRERROGATIVA QUALIFICADA POR SEU CARÁTER DE
METAINDIVIDUALIDADE - DIREITO DE TERCEIRA GERAÇÃO (OU DE NOVÍSSIMA DIMENSÃO)
QUE CONSAGRA O POSTULADO DA SOLIDARIEDADE - NECESSIDADE DE IMPEDIR QUE A
TRANSGRESSÃO A ESSE DIREITO FAÇA IRROMPER, NO SEIO DA COLETIVIDADE, CONFLITOS
INTERGENERACIONAIS - ESPAÇOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS (CF, ART.
225, § 1º, III) - ALTERAÇÃO E SUPRESSÃO DO REGIME JURÍDICO A ELES PERTINENTE -
MEDIDAS SUJEITAS AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE LEI - SUPRESSÃO DE
VEGETAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE - POSSIBILIDADE DE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA,
CUMPRIDAS AS EXIGÊNCIAS LEGAIS, AUTORIZAR, LICENCIAR OU PERMITIR OBRAS E/OU
ATIVIDADES NOS ESPAÇOS TERRITORIAIS PROTEGIDOS, DESDE QUE RESPEITADA, QUANTO A
ESTES, A INTEGRIDADE DOS ATRIBUTOS JUSTIFICADORES DO REGIME DE PROTEÇÃO
ESPECIAL - RELAÇÕES ENTRE ECONOMIA (CF, ART. 3º, II, C/C O ART. 170, VI) E
ECOLOGIA (CF, ART. 225) - COLISÃO DE DIREITOS FUNDAMENTAIS - CRITÉRIOS DE
SUPERAÇÃO DESSE ESTADO DE TENSÃO ENTRE VALORES CONSTITUCIONAIS RELEVANTES - OS
DIREITOS BÁSICOS DA PESSOA HUMANA E AS SUCESSIVAS GERAÇÕES (FASES OU DIMENSÕES)
DE DIREITOS (RTJ 164/158, 160-161) - A QUESTÃO DA PRECEDÊNCIA DO DIREITO À
PRESERVAÇÃO DO MEIO AMBIENTE: UMA LIMITAÇÃO CONSTITUCIONAL EXPLÍCITA À
ATIVIDADE ECONÔMICA (CF, ART. 170, VI) - DECISÃO NÃO REFERENDADA - CONSEQÜENTE
INDEFERIMENTO DO PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR. A PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO
MEIO AMBIENTE: EXPRESSÃO CONSTITUCIONAL DE UM DIREITO FUNDAMENTAL QUE ASSISTE À
GENERALIDADE DAS PESSOAS.
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado. Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima
dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao
Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar,
em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade
coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161). O adimplemento desse
encargo, que é irrenunciável, representa a garantia de que não se instaurarão,
no seio da coletividade, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo
desrespeito ao dever de solidariedade, que a todos se impõe, na proteção desse
bem essencial de uso comum das pessoas
A incolumidade do meio ambiente não pode ser
comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de
índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade
econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está
subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a
"defesa do meio ambiente" (CF, art. 170, VI), que traduz conceito
amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural,
de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral.
Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza
constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que
não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que
provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e
bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio
ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO
DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA
INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO
SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA
ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA.
O princípio do desenvolvimento sustentável, além de
impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte
legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e
representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da
economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse
postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais
relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem
esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos
fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso
comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e
futuras gerações. O ART. 4º DO CÓDIGO FLORESTAL E A MEDIDA PROVISÓRIA Nº
2.166-67/2001: UM AVANÇO EXPRESSIVO NA TUTELA DAS ÁREAS DE PRESERVAÇÃO
PERMANENTE.
A Medida Provisória nº 2.166-67, de 24/08/2001, na
parte em que introduziu significativas alterações no art. 4º do Código Florestal,
longe de comprometer os valores constitucionais consagrados no art. 225 da Lei
Fundamental, estabeleceu, ao contrário, mecanismos que permitem um real
controle, pelo Estado, das atividades desenvolvidas no âmbito das áreas de
preservação permanente, em ordem a impedir ações predatórias e lesivas ao
patrimônio ambiental, cuja situação de maior vulnerabilidade reclama proteção
mais intensa, agora propiciada, de modo adequado e compatível com o texto
constitucional, pelo diploma normativo em questão.
Somente a alteração e a supressão do regime jurídico
pertinente aos espaços territoriais especialmente protegidos qualificam-se, por
efeito da cláusula inscrita no art. 225, § 1º, III, da Constituição, como
matérias sujeitas ao princípio da reserva legal.
É lícito ao Poder Público - qualquer que seja a
dimensão institucional em que se posicione na estrutura federativa (União,
Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) - autorizar, licenciar ou
permitir a execução de obras e/ou a realização de serviços no âmbito dos
espaços territoriais especialmente protegidos, desde que, além de observadas as
restrições, limitações e exigências abstratamente estabelecidas em lei, não
resulte comprometida a integridade dos atributos que justificaram, quanto a
tais territórios, a instituição de regime jurídico de proteção especial (CF,
art. 225, § 1º, III)”.
Portanto,
o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é direito constitucional
fundamental.
E
ao instituir o bem ambiental como bem jurídico fundamental, o legislador
constituinte trouxe um importante dever ao Poder Público e, portanto, também
aos prefeitos municipais: determinou ao Poder Público uma série de deveres fundamentais.
Com
efeito, estabelece o art. 225, caput,
que todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de
defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações -
negritamos.
O § 1º do mencionado dispositivo legal explicita
diversos deveres:
Para assegurar
a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:
I - preservar
e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das
espécies e ecossistemas;
II - preservar
a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as
entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético;
III - definir,
em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a
serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas
somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade
dos atributos que justifiquem sua proteção;
IV - exigir,
na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora
de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto
ambiental, a que se dará publicidade;
V - controlar
a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias
que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;
VI - promover
a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública
para a preservação do meio ambiente;
VII - proteger
a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco
sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a
crueldade.
Portanto,
não há dúvida: incumbe ao Poder Público a defesa do meio ambiente
ecologicamente equilibrado. Não há discricionariedade.
A expressão
“Poder Público” abrange a Câmara Municipal.
Ou
seja, à Câmara Municipal também incumbe a defesa do meio ambiente
ecologicamente equilibrado.
Posto isso, o parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, declarando-se a constitucionalidade da Lei n. 7.024, de 31 de março de 2008, do Município de Jundiaí, nos termos do art. 24 da Lei n. 9.868/99.
São Paulo, 29 de junho de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
md