Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Autos nº. 990.10.034082-4
Requerente:
Prefeito Municipal de Jundiaí
Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 7.015, de 26 de fevereiro de 2008, que alterou a Lei nº 6.346, de 08 de junho de 2004, de Jundiaí.
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 7.015, de 26 de fevereiro de 2008, que alterou a Lei nº 6.346, de 08 de junho de 2004, de Jundiaí, ampliando programa de assistência e prevenção à saúde já existente.
2) Violação da regra da separação de poderes (art.5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Ausência de indicação das receitas para fazer frente às despesas geradas pela execução do programa (art. 25 da Constituição Paulista).
3) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta
pelo Prefeito Municipal de Jundiaí, tendo como alvo a Lei Municipal nº 7.015, de 26 de fevereiro de 2008, que alterou a Lei
nº 6.346, de 08 de junho de 2004, de Jundiaí.
Sustenta o autor que o ato normativo impugnado (Lei Municipal nº 7.015, de 26 de fevereiro de 2008), de iniciativa parlamentar, ao prever ampliação da assistência infanto-juvenil em asma e bronquite, no contexto de campanha de prevenção de doenças já criada anteriormente (pela Lei nº 6.346, de 08 de junho de 2004), violou a regra da separação de poderes, e não indicou os recursos necessários para seu cumprimento, contrariando, desse modo, o disposto no art. 5º, bem como no art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo.
Foi deferida a liminar, para suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 20/22).
Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa para o ato normativo impugnado (fls. 30 e 63/65).
A Câmara Municipal prestou informações (fls. 34/36).
É o relato do essencial.
A Lei Municipal nº 6.346, de 08 de junho de 2004, de Jundiaí já previa programa de assistência infanto-juvenil em asma e bronquite.
A norma impugnada nesta ação direta, ou seja, a Lei nº 7.015, de 26 de fevereiro de 2008, de iniciativa parlamentar, alterou a norma anterior, para acrescer ao seu art. 1º dois incisos, prevendo a realização de:
(a) “aulas de ginástica respiratória e orientação educacional, realizadas nos centros esportivos, para crianças, adolescentes, pais, educadores profissionais de saúde e população em geral, em conjunto com órgãos públicos;
(b) “cessão, pela iniciativa privada e outras instituições, de espaços, funcionários de academias e clubes desportivos privados, requisitando consultoria da equipe de profissionais responsáveis pelo atendimento.”
A lei de iniciativa parlamentar, desse modo, ampliou programa governamental já existente, dando-lhe feição mais abrangente da que ostentava anteriormente, especialmente por prever atividades como “aulas de ginástica respiratória e orientação educacional, realizadas nos centros esportivos (...) em conjunto com órgãos públicos”, bem como por prever a cessão ao poder público de pessoal que trabalha na iniciativa privada e em outras instituições, para atuar juntamente com o Poder Público.
A inconstitucionalidade
decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição
Paulista e aplicável aos Municípios (art.5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).
É
ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
O
legislador municipal, na hipótese analisada, ampliou programa de prevenção na
esfera da saúde pública. Abstraindo dos motivos que podem ter levado a tal
solução legislativa, ela se apresenta inconstitucional, por interferir na
realização, em certa medida, da gestão administrativa do Município.
Referido
diploma, na prática, invadiu a esfera da
gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao
princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c
o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.
Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade da adoção da regra da separação. Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente.
Acrescente-se
que para a realização do programa será necessária a realização de despesas,
sendo certo que o ato normativo impugnado não indicou a fonte das respectivas
receitas.
Em
casos assim, esse Colendo Órgão Especial tem, reiteradamente, reconhecido a
inconstitucionalidade da norma por violação ao disposto no art. 25 da
Constituição Paulista.
Nesse sentido, apenas a título de exemplificação, confiram-se os julgados a seguir indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência
da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº
7.015, de 26 de fevereiro de 2008, de Jundiaí.
São Paulo, 22 de junho de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
rbl