Parecer
Autos nº. 990.10.034084-0
Requerente: Prefeito do Município de Jundiaí
Objeto: Lei nº 7.022, de 26 de março de 2008, do Município de Jundiaí
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito. Lei nº 7.022, de 26 de março de 2008, do Município de Jundiaí. Criação do "curso de iniciação à informática para sexagenários". Projeto de autoria de Vereador. Matéria reservada ao Chefe do Poder Executivo. Violação do princípio da separação dos poderes. Ofensa aos artigos 5º; e 144 da CE. Parecer pela procedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida
pelo Prefeito Municipal de Guarulhos, tendo por objeto a Lei nº
7.022, de 26 de março de 2008, do Município de Jundiaí, que "Prevê curso de
iniciação à informática para sexagenários".
O autor noticia que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
Sustenta que a lei em questão cria obrigações para a administração pública, havendo usurpação por parte do Poder Legislativo, de atribuições pertinentes a atividades próprias do Poder Executivo.
Aponta inconstitucionalidade face aos artigos 5º; e 24, §2º, n. 2, da Constituição do Estado de São Paulo.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 17/18).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 29/30, tão somente quanto ao processo legislativo.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 56/58).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A lei impugnada do Município de Jundiaí assim dispõe:
“Artigo 1º – Ao sexagenário será oferecido curso de iniciação à informática.
§1º - O curso será gratuito.
§2º - O curso será mantido por profissionais voluntários.
§3º - O curso terá os instrutores, os equipamentos, as salas, a duração, os horários e as turmas estabelecidas mediante parceria entre as instituições públicas e privadas interessadas e a Administração, na forma regulamentar.
§4º - O curso não onerará a Administração."
Dita lei é verticalmente incompatível com a Constituição do Estado de São Paulo, especialmente com os seus arts. 5.º, 47, II e XIV, e 144, os quais dispõem o seguinte:
“Art. 5.º - São
Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o
Executivo e o Judiciário.
Art. 47 –
Compete privativamente ao Governador, além de outras atribuições previstas
nesta Constituição:
II – exercer,
com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração
estadual;
XIV – praticar
os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo;
Art. 144 – Os Municípios, com autonomia, política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por lei orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição.”
Nos entes políticos da Federação, dividem-se as funções de governo: o Executivo foi incumbido da tarefa de administrar, segundo a legislação vigente, por força do postulado da legalidade, enquanto que o Legislativo ficou responsável pela edição das normas genéricas e abstratas, as quais compõem a base normativa para as atividades de gestão.
Essa repartição de funções decorre da incorporação à Constituição brasileira do princípio da independência e harmonia entre os Poderes (art. 2.º), preconizado por Montesquieu, e que visa a impedir a concentração de poderes num único órgão ou agente, o que a experiência revelou conduzir ao absolutismo.
A tarefa de administrar o Município, a cargo do Executivo, engloba as atividades de planejamento, organização e direção dos serviços públicos, o que abrange, efetivamente, a concepção de programas, como o da espécie em análise.
Por intermédio da lei em análise, a Câmara criou um curso de iniciação à informática para sexagenários. Embora elogiável a preocupação do Legislativo local com o tema, a iniciativa não tem como prosperar na ordem constitucional vigente, uma vez que a norma disciplina atos que são próprios da função executiva.
Por esse motivo, a Constituição Estadual, em dispositivo que repete o artigo 61, § 1º, II, “b”, da Constituição Federal, conferiu ao Governador do Estado a iniciativa privativa das leis que disponham sobre as atribuições da administração pública. Trata-se de questão relativa ao processo legislativo, cujos princípios são de observância obrigatória pelos Municípios, em face do artigo 144, da Constituição do Estado, tal como tem decidido o C. Supremo Tribunal Federal:
“O modelo
estruturador do processo legislativo, tal como delineado em seus aspectos
fundamentais pela Constituição da República - inclusive no que se refere às
hipóteses de iniciativa do processo de formação das leis - impõe-se, enquanto
padrão normativo de compulsório atendimento, à incondicional observância dos Estados-Membros.
Precedentes: RTJ 146/388 - RTJ 150/482” (ADIn nº 1434-0, medida liminar,
relator Ministro Celso de Mello, DJU nº 227, p. 45684).
Se a regra é impositiva para os Estados-membros, é induvidoso que também o é para os Municípios.
As normas de fixação de competência para a iniciativa do processo legislativo derivam do princípio da separação dos poderes, que nada mais é que o mecanismo jurídico que serve à organização do Estado, definindo órgãos, estabelecendo competências e marcando as relações recíprocas entre esses mesmos órgãos (Manoel Gonçalves Ferreira Filho, op. cit., pp. 111-112). Se essas normas não são atendidas, como no caso em exame, fica patente a inconstitucionalidade, em face de vício de iniciativa.
Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que se “a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao Prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam de vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las aquiescer em que o Legislativo as exerça” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 7ª ed., pp. 544-545).
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 7.022, de 26 de março de 2008, do Município de Jundiaí.
São Paulo, 14 de julho de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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