Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 990.10.038637-9

Requerente: Sindicato da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.370, de 2009, de Osasco

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 4.370, de 2009, de Osasco, que, nos termos da respectiva rubrica, “proíbe a utilização de embalagens, sacos e sacolas plásticas nos estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviço e similares, existentes na cidade de Osasco, permitindo-se o uso de sacolas biodegradáveis e oxi-degradáveis e de recipientes reutilizáveis”.

2)      Competência concorrente da União e dos Estados para legislar sobre proteção ao meio ambiente e controle da poluição (art. 24, VI da CR). Competência comum da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, para cuidar da saúde, proteger o meio ambiente e combater a poluição (art. 23, II, VI e VII). Incumbência do Poder Público, em todas as suas esferas, de controlar a produção, comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente (art. 225, § 1º, V da CR/88). Defesa do consumidor e do Meio ambiente como princípios constitucionais da atividade econômica (art. 170, V e  VI da CR). Legislação municipal editada para atender ao interesse local, suplementando a legislação da União e do Estado relativa à proteção do meio ambiente (art. 30, I e II da CR).

3)     Parecer no sentido da improcedência da ação.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicado da Indústria de Material Plástico do Estado de São Paulo, tendo como alvo a Lei Municipal nº 4.370, de 17 de novembro de  2009, de Osasco, que, conforme respectiva rubrica, “proíbe a utilização de embalagens, sacos e sacolas plásticas nos estabelecimentos comerciais, industriais e prestadores de serviço e similares, existentes na cidade de Osasco, permitindo-se o uso de sacolas biodegradáveis e oxi-biodegradáveis e de recipientes reutilizáveis”.

Sustenta que foi usurpada a competência do legislador federal e do legislador estadual para a regulamentação dessa matéria, advindo daí a inconstitucionalidade da lei impugnada. Argumenta, ademais, que a lei contraria posicionamento adotado, na esfera administrativa, pelo Governo do Estado de São Paulo. Aponta, assim, contrariedade aos seguintes dispositivos da Constituição do Estado de São Paulo: art. 152, IV; art. 193, XX e XXI.

Foi indeferida a liminar (fls. 246/v).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado apresentou manifestação favorável à procedência da ação direta (fls. 261/263).

A Câmara Municipal apresentou informações (fls. 267 e ss.).

A Municipalidade também prestou informações (fls. 289/304).

A Municipalidade de Guarulhos apresentou manifestação, pugnando pela reunião da presente ação direta com outras ações análogas, em virtude de alegada existência de conexão (fls. 308/312).

É o relato do essencial.

Preliminarmente, não deve ocorrer a reunião da presente ação direta de inconstitucionalidade com outras, propostas pela mesma entidade, relativamente a leis de inúmeros municípios tratando do mesmo tema.

Não há conexão entre as ações diretas que tratam do mesmo tema, mas não da mesma lei. Ainda que o autor seja o mesmo, as causas de pedir são distintas, e os pedidos distintos, visto que relacionados à declaração de inconstitucionalidade de diplomas diversos.

Só haverá a conexão, para reunião de ações diretas, no caso de propositura de várias ações em face do mesmo ato normativo, por entidades diversas, com fundamentos idênticos ou diversos.

Não bastasse isso, é visível que da reunião das ações, do ponto de vista prático, não resultaria proveito algum, na medida em que a finalidade da ação direta é, objetivamente, retirar do mundo jurídico ato normativo determinado.

Em nosso sentir, dessa forma, deverá ser rejeitado o pedido de reunião de ações.

No mérito, a ação deve ser julgada improcedente.

O argumento utilizado na inicial, em sua essência, é no sentido de que o Município não teria competência para legislar a respeito do tema.

É por essa razão que a autora aponta ocorrência de contrariedade ao disposto no art. 152, IV e no art. 193, XX e XXI, da Constituição do Estado de São Paulo.

Entretanto, com a devida vênia, não há contrariedade com relação a tais dispositivos.

O art. 152, IV da Constituição Paulista apenas estabelece, genericamente, que a finalidade da organização regional do Estado é promover “a integração do planejamento e da execução de funções públicas de interesse comum aos entes públicos atuantes na região”.

De outro lado, o art. 193 da Carta Paulista, ao tratar, de forma programática, sobre a possibilidade da edição de lei estadual para criação de um “sistema de administração da qualidade ambiental, proteção, controle de desenvolvimento do meio ambiente e uso adequado dos recursos naturais”, prevê, nos incisos XX e XXI, a finalidade de “controlar e fiscalizar obras, atividades, processos produtivos e empreendimentos” que possam causar degradação ambiental, bem ainda “realizar o planejamento e o zoneamento ambientais”.

Ou seja, trata-se de dispositivos constitucionais que, se por um lado, estimulam a atuação do Estado de São Paulo na proteção do meio ambiente, de outro não vedam que o Município também o faça.

Mas não é só.

Não há qualquer espaço para dúvida quanto ao fato de que o Município também tem competência administrativa e legislativa para fins de promover a defesa do meio ambiente, bem como zelar pela saúde dos munícipes.

Nesse sentido o que dispõe o art. 23, II, VI, VII, da CR/88, que atribui competência concorrente à União, aos Estados, ao Distrito Federal, e aos Municípios para, respectivamente: (a) cuidar da saúde; (b) proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas; (c) preservar as florestas, a fauna e a flora.

Do mesmo modo, a competência dos Municípios, em temas relacionados ao meio ambiente, pode ser extraída da previsão contida no art. 30, I e II da CR, por força dos quais o legislador municipal pode regular temas de interesse local, e ainda suplementar a legislação federal no que couber.

Nesse mesmo sentido, o art. 225, § 1º da CR/88 impõe ao Poder Público de forma geral – ou seja, à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios – inúmeras diretrizes, todas destinadas à preservação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Entre elas está, especialmente, nos termos do inciso V, a de “controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente”.

A importância da proteção ao meio ambiente, como é cediço, é tão intensa, que até mesmo no âmbito da atividade econômica a Constituição da República impõe como princípios gerais a serem obsequiados, a “defesa do consumidor”, bem como a “defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação” (art. 170, V e VI da CR/88).

Essa ideia foi assentada pelo Col. STF, em decisão relatada pelo Min. Celso de Mello, quando do julgamento da ADI 3540 MC/DF (j. 01/09/2005, Tribunal Pleno, DJ 03-02-2006), de cuja ementa se extrai o seguinte excerto:

“(...)

A ATIVIDADE ECONÔMICA NÃO PODE SER EXERCIDA EM DESARMONIA COM OS PRINCÍPIOS DESTINADOS A TORNAR EFETIVA A PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE. - A incolumidade do meio ambiente não pode ser comprometida por interesses empresariais nem ficar dependente de motivações de índole meramente econômica, ainda mais se se tiver presente que a atividade econômica, considerada a disciplina constitucional que a rege, está subordinada, dentre outros princípios gerais, àquele que privilegia a ‘defesa do meio ambiente’ (CF, art. 170, VI), que traduz conceito amplo e abrangente das noções de meio ambiente natural, de meio ambiente cultural, de meio ambiente artificial (espaço urbano) e de meio ambiente laboral. Doutrina. Os instrumentos jurídicos de caráter legal e de natureza constitucional objetivam viabilizar a tutela efetiva do meio ambiente, para que não se alterem as propriedades e os atributos que lhe são inerentes, o que provocaria inaceitável comprometimento da saúde, segurança, cultura, trabalho e bem-estar da população, além de causar graves danos ecológicos ao patrimônio ambiental, considerado este em seu aspecto físico ou natural. A QUESTÃO DO DESENVOLVIMENTO NACIONAL (CF, ART. 3º, II) E A NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO DA INTEGRIDADE DO MEIO AMBIENTE (CF, ART. 225): O PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL COMO FATOR DE OBTENÇÃO DO JUSTO EQUILÍBRIO ENTRE AS EXIGÊNCIAS DA ECONOMIA E AS DA ECOLOGIA. - O princípio do desenvolvimento sustentável, além de impregnado de caráter eminentemente constitucional, encontra suporte legitimador em compromissos internacionais assumidos pelo Estado brasileiro e representa fator de obtenção do justo equilíbrio entre as exigências da economia e as da ecologia, subordinada, no entanto, a invocação desse postulado, quando ocorrente situação de conflito entre valores constitucionais relevantes, a uma condição inafastável, cuja observância não comprometa nem esvazie o conteúdo essencial de um dos mais significativos direitos fundamentais: o direito à preservação do meio ambiente, que traduz bem de uso comum da generalidade das pessoas, a ser resguardado em favor das presentes e futuras gerações.

(...)“

Acrescente-se que a competência do Município para legislar sobre o meio ambiente já foi reconhecida por esse Col. Órgão Especial, como se infere dos precedentes indicados a seguir:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Lei n. 4.253, de 06.03.2008, do Município de Valinhos – ‘Instituição de compensação às emissões de Gases de Efeitos Estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas que vierem a se instalar no Município’ - Atendimento a peculiar interesse do Município no controle, preservação e recuperação do meio-ambiente - Permissibilidade do art. 191 da Constituição do Estado de São Paulo - Descabimento de se cogitar infringência à norma da Constituição Federal ou Lei Orgânica do Município na esfera da presente ação direta de inconstitucionalidade improcedente. (ADIN 164.487-0/9-00, rel. des. Oscarlino Moeller, j. 04.02.2009).

(...)”

No mesmo sentido, a título de exemplificação, a decisão proferida na ADI 129.132.0/3, rel. des. Jacobina Rabello, j. 21.03.2007, entre outros julgados.

Diante de todo o exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta, reconhecendo-se a constitucionalidade da Lei Municipal nº 4.370, de 2009, de Osasco.

São Paulo, 22 de outubro de 2010.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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