Parecer
Autos nº. 990.10.039064-3
Requerente: Prefeita do Município de Pindorama
Objeto: Emenda que deu nova redação ao inciso III, do art. 5º, do Projeto de Lei n. 038/2009, do Município de Pindorama
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeita, da Emenda que deu nova redação ao inciso III, do art. 5º, do Projeto de Lei n. 038/2009, do Município de Pindorama. Dispositivo legal que condiciona a realização de abertura de créditos adicionais suplementares pelo Poder Executivo à aprovação do Legislativo. Ausência de constatação de inconstitucionalidade. Parecer pela improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Prefeita Municipal de Pindorama, tendo por objeto a Emenda que deu nova redação ao inciso III, do art. 5º, do Projeto de Lei n. 038/2009, do Município de Pindorama o qual estima a receita e fixa a despesa do Município de Pindorama para o exercício financeiro de 2.010.
Alega a autora, aprovado o projeto de lei, o Autógrafo correspondente veio ao Executivo por meio de ofício, o qual foi por ela vetado, por motivo de inconstitucionalidade. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
Sustenta, em síntese, que o ato normativo impugnado, oriundo de iniciativa parlamentar violou não só o inciso XIV, do art. 71, da Lei Orgânica do Município, que determina ser da competência exclusiva do Poder Executivo estabelecer o orçamento anual, mas também, a regra da separação de poderes, na medida em que condiciona à concessão de abertura de créditos adicionais suplementares à autorização do Poder Legislativo.
Foi deferida a liminar, para suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 61/63).
O Presidente da Câmara Municipal deixou de prestar informações às fls. 77.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 74/76).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A despeito dos argumentos lançados na inicial e da respeitável liminar de fls. 61/63, a presente ação deverá ser julgada improcedente.
Com efeito, a Câmara Municipal de Pindorama não extrapolou sua competência e funções, ao Emendar o referido projeto de lei, para condicionar a realização da abertura de créditos adicionais suplementares pelo Poder Executivo à aprovação do Poder Legislativo.
Se nos termos da Constituição Federal (arts.165/169) e da Carta Paulista (arts.174/176) cabe ao Poder Executivo a iniciativa das leis que estabelecem o Plano Plurianual, as Diretrizes Orçamentárias e os Orçamentos Anuais, é certo, de outra banda, que compete ao Poder Legislativo a aprovação das mesmas leis, inclusive, com emendas nos limites fixados pela norma matriz e, com muito mais amplitude e liberdade no que se refere às autorizações para os chamados créditos adicionais suplementares.
A princípio nunca é demais lembrar o que diz a Constituições Federal sobre o tema orçamento, de observância obrigatória pelos Estados e Municípios Federados:
''Art. 165 - Leis de iniciativa do Poder Executivo
estabelecerão:
I - o plano plurianual;
II - as diretrizes orçamentárias;
III - os orçamentos anuais.
§ 1.º A lei que instituir o plano plurianual
estabelecerá, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública federal para as
despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas
de duração continuada.
§ 2.º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá
as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas
de capital para o exercício financeiro subseqüente, orientará a elaboração da
lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a
política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento.''
''Art. 166 - Os projetos de lei relativos ao plano
plurianual, às diretrizes orçamentárias, ao orçamento anual e aos créditos
adicionais serão apreciados pelas duas Casas do Congresso Nacional, na forma do
regimento comum.
§ 1.º Caberá a uma comissão mista permanente de
Senadores e Deputados:
I - examinar e emitir parecer sobre os projetos
referidos neste artigo e sobre as contas apresentadas anualmente pelo
Presidente da República;
II - examinar e emitir parecer sobre os planos e
programas nacionais, regionais e setoriais previstos nesta Constituição e
exercer o acompanhamento e a fiscalização orçamentária, sem prejuízo da atuação
das demais comissões do Congresso Nacional e de suas Casas, criadas de acordo
com o art. 58.
§ 2.º As emendas serão apresentadas na comissão mista,
que sobre elas emitirá parecer, e apreciadas, na forma regimental, pelo
plenário das duas Casas do Congresso Nacional.
§ 3.º As emendas ao projeto de lei do orçamento anual
ou aos projetos que o modifiquem somente podem ser aprovadas caso:
I - sejam compatíveis com o plano plurianual e com a
lei de diretrizes orçamentárias;
II - indiquem os recursos necessários, admitidos
apenas os provenientes de anulação de despesa, excluídas as que incidam sobre:
a) dotações para pessoal e seus encargos;
b) serviço da dívida;
c) transferências tributárias constitucionais para
Estados, Municípios e o Distrito Federal; ou
III - sejam relacionadas:
a) com a correção de erros ou omissões; ou
b) com os dispositivos do texto do projeto de lei.''
Como ensina ALBERTO DEODATO (''Manual de Ciência das Finanças'', Saraiva, 20.ª ed.) entre todas as definições de orçamento sobressai a de René Stoum, por ser a mais simples e a mais sintética: "O orçamento do Estado é um ato contendo a aprovação prévia das receitas e das despesas públicas". Tal definição, completada por Amaro Cavalcanti: "O orçamento do Estado é um ato contendo a aprovação prévia da despesa e receita pública para um período determinado". Essa definição, entretanto, ''...não tem a amplitude que, hoje, a Ciência das Finanças dá ao orçamento. Servirá para definir o orçamento financeiro e este é, apenas, parte de um documento mais amplo onde se espelha a vida econômica da nação. O orçamento é, em sua mais exata expressão, o quadro orgânico da economia pública. É o espelho da vida do Estado e, pelas cifras, se conhecem os detalhes de seu progresso, de sua cultura e de sua civilização. Já observava Gustavo Ingresso que o orçamento público não pode ser reduzido às modestas proporções de um plano contábil ou de simples ato administrativo. Em vez disso, ele representa o maior trabalho da função legislativa, que visa ao ordenamento jurídico e da atividade funcional do Estado.''
Já para ALIOMAR BALEEIRO, nos Estados democráticos o orçamento é considerado o ''...ato pelo qual o Poder Legislativo prevê e autoriza ao Poder Executivo, por certo período e em pormenor, as despesas destinadas ao funcionamento dos serviços públicos e outros fins adotados pela política econômica ou geral do país, assim como a arrecadação das receitas já criadas em lei'' (''Uma Introdução à Ciência das Finanças'', p. 411, Forense, 2002).
Claro que o orçamento tem um caráter político, sendo também, a autorização legislativa para um plano de governo.
A atividade orçamentária do Estado contemporâneo vem bem delimitada nas constituições dos estados e no Brasil a situação não poderia ser diferente. Impende notar que a elaboração do orçamento público está vinculada a alguns princípios. Os mesmos autores lembram quais são: a) anualidade; b) unidade; equilíbrio e d) especialização.
O primeiro deles, anualidade, surgiu -- e não é surpresa alguma -- em um país extremamente fecundo na criação empírica de institutos que se consolidaram como bases jurídicas da democracia contemporânea, a Inglaterra. Assim, desde o século XVII, as leis orçamentárias eram elaboradas anualmente, porque mais acertadas seriam suas previsões. Há países que elaboravam seus orçamentos bienalmente e outros, em tempos de guerra, semestralmente ou até mesmo, mensalmente. O princípio da anualidade tem vigência no Brasil, com a particularidade de que o ano financeiro ou fiscal sempre coincide com o ano civil.
O princípio da unidade implica que o orçamento conste de um documento único, total e uniforme. Este princípio está parcialmente sacrificado no Brasil, com a previsão do art. 165, §5.º:
''...§
5.º A lei orçamentária anual compreenderá:
I
- o orçamento fiscal referente aos Poderes da União, seus fundos, órgãos e
entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e
mantidas pelo poder público;
II
- o orçamento de investimento das empresas em que a União, direta ou
indiretamente, detenha a maioria do capital social com direito a voto;
III
- o orçamento da seguridade social, abrangendo todas as entidades e órgãos a
ela vinculados, da administração direta ou indireta, bem como os fundos e fundações
instituídos e mantidos pelo poder público.''
O princípio do equilíbrio é um dogma clássico que se aplica aos orçamentos. A equivalência entre receita e despesa tem sido indicada como fonte de progresso e bem estar das sociedades, superadas hoje em grande parte o entusiasmo com os ''deficits orgânicos'' tão propalados por Lord Keynes e seus séquitos em meados do século XX, ainda que se possa antever sua útil aplicação em momentos de depressão econômica.
A especialização impõe sejam evitadas as dotações globais de recursos, a atender indiferentemente pessoal, material, transferências, custeio etc, evitando-se que possa o Executivo, executor maior do orçamento, desvirtuar as disposições do Legislativo.
Especificamente no que tange à autorização para abertura de crédito adicional na modalidade suplementar prescreve a Constituição:
“Art. 165 - ...
§ 8º - A lei orçamentária anual não conterá
dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa, não se
incluindo na proibição a autorização para abertura de créditos suplementares e
contratação de operações de crédito, ainda que por antecipação de receita, nos
termos da lei”.
Vê-se, de início, que embora a Lei Suprema admita que na própria LOA seja tratado o tema crédito suplementar, não estabeleceu ela nenhum parâmetro quantitativo para a pré-autorização legislativa genérica. Sobre este aspecto ensina Hely Lopes Meirelles (In: Direito Municipal Brasileiro. Malheiros Editores. 14ª Edição, São Paulo, 2006, pág.681) que “A lei aprovadora do orçamento poderá já ter autorizado a abertura de créditos suplementares até determinado limite, o que então poderá ser feito por decreto, independentemente de lei especial”. Contudo, mais adiante, na mesma obra e página o autor pontua: “A denegação de créditos suplementares e especiais é ato de deliberação exclusiva da Câmara – como, aliás, o é toda votação de lei -, mas sua autorização está vinculada às exigências constitucionais e legais superiores, o que permite a invalidação judicial da lei autorizativa ( que é de efeitos concretos), por mandado de segurança ou ação popular, se ofensiva de direito individual líquido e certo ou lesiva ao patrimônio municipal”.
Sobre a questão pondera Ricardo Lobo Torres (In: Tratado de Direito Constitucional Financeiro e Tributário – Volume V. Editora Renovar. 2ª ed. Rio de Janeiro, 2000, pág. 246) que “o subprincípio da reserva da lei significa que apenas a lei formal pode aprovar os orçamentos e os créditos especiais e suplementares. Tem por objetivo a segurança dos direitos fundamentais e o controle político da Administração. O art. 167, em seus 9 itens, cuida exaustivamente da matéria sujeita ao princípio da reserva da lei”.
Constata-se, pois, que a autorização para abertura de crédito suplementar deve obedecer os requisitos traçados na Constituição, no plano plurianual e lei de diretrizes orçamentárias, além das disposições pertinentes da Lei Federal n. 4.320/1964 (arts. 7º; 40 e segts) e da Lei Complementar n. 101/2000 (arts. 4º a 7º), sob pena da Câmara extrapolar suas funções e incorrer em inconstitucionalidade e ilegalidade. Contudo, a pré-autorização para crédito adicional suplementar em percentual modesto, ou mesmo a autorização específica em percentuais e valores inferiores aos pleiteados pelo Poder Executivo, nada tem de inconstitucionalidade ou ilegalidade.
Assim, a Câmara Municipal de Pindorama não usurpou funções do Executivo e nem extrapolou ao emendar o projeto de Lei n. 038/2009, dando nova redação ao inciso III, do art. 5º .
Em conseqüência, o dispositivo impugnado não é inconstitucional como pugnado na inicial.
Em face do exposto, aguardo o julgamento de improcedência desta ação direta – revogando-se, assim, a liminar inicialmente deferida – uma vez que não se vê inconstitucionalidade no dispositivo impugnado.
São Paulo, 16 de setembro de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb