Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Autos nº. 990.10.058458-8
Requerente:
Conselho Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo
Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 5.496, de 26 de janeiro de 2009, de Indaiatuba
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 5.496, de 26 de janeiro de 2009, de Indaiatuba. Destinação dos honorários advocatícios devidos ao Município.
2) Violação
da regra da reserva de iniciativa (art. 24, § 2º, n. 1 e 4 da Constituição
Paulista), bem como da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV),
aplicáveis aos Municípios como princípios estabelecidos (art. 144 da
Constituição Paulista).
3) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Ordem dos Advogados do Brasil – São Paulo, tendo como alvo a Lei Municipal nº 5.496, de 26 de janeiro de 2009, de Indaiatuba, fruto de iniciativa parlamentar, que tratou da destinação dos honorários advocatícios devidos ao referido Município.
Sustenta a inicial a inconstitucionalidade da referida lei, pelas seguintes razões: (a) vício de iniciativa; (b) violação ao princípio da independência e harmonia entre os poderes. Aponta assim para a contrariedade ao que está disposto na Constituição do Estado, nos seguintes dispositivos: art. 5º; art. 24, § 2º, 1 e 4; art. 47; art. 124; art. 128; art. 144.
Foi concedida a liminar, determinando-se a suspensão da eficácia do ato normativo impugnado (fls. 83/85).
A Câmara Municipal prestou informações (fls. 92/96).
Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa do ato impugnado (fls. 103/105).
É o relato do essencial.
A Lei nº 5.496, de 26 de janeiro de 2009, de Indaiatuba, fruto de iniciativa parlamentar, tratou, singelamente, de revogar da Lei Municipal 1.366, de 08 de maio de 1975. Esta última tratava da “destinação dos honorários advocatícios devidos ao Município”.
Da leitura da lei revogada, cuja cópia integral foi juntada às fls. 67, verifica-se, de forma inequívoca, que nada obstante sua rubrica refira-se à destinação dos honorários advocatícios devidos “ao Município”, trata o diploma essencialmente de aspectos atinentes à remuneração dos Procuradores de carreira de Indaiatuba.
Não parece ser viável negar, portanto, que se trata de caso em que lei municipal de iniciativa de parlamentar alterou um aspecto fundamental do regime jurídico de determinada categoria de servidor municipal.
Nesse contexto, de fato, assenta-se a razão dos argumentos utilizados na inicial, no sentido de que se verificou tanto o vício em razão da usurpação da iniciativa reservada para projetos de lei referentes ao regime jurídico dos servidores públicos (art. 24, § 2º, n. 1 e 4 da Constituição Paulista; reprodução do art. 61, § 1º, II, a e c da Constituição da República), bem como, paralelamente, desrespeito ao princípio da independência e harmonia entre os poderes (art. 5º da Constituição Paulista; art. 2º da Constituição da República), aplicáveis aos Municípios por expressa disposição constitucional (art. 144 da Constituição do Estado; art. 29, caput da Constituição da República).
Isso torna a lei nitidamente incompatível com a ordem constitucional.
Quanto à iniciativa reservada do Chefe do Executivo para projetos de lei que tratem do regime jurídico e remuneração de servidores públicos, confira-se a posição do Colendo STF, conforme julgados aplicáveis ao caso mutatis mutandis:
“(...)
“Ação direta de inconstitucionalidade. Lei 6.065, de 30-12-1999, do Estado do Espírito Santo, que dá nova redação à Lei 4.861, de 31-12-1993. Art. 4º e tabela X que alteram os valores dos vencimentos de cargos do quadro permanente do pessoal da polícia civil. Inadmissibilidade. Inconstitucionalidade formal reconhecida. Ofensa ao art. 61, § 1º, II, a e c, da CF. Observância do princípio da simetria. ADI julgada procedente. É da iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo lei de criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração, bem como que disponha sobre regime jurídico e provimento de cargos dos servidores públicos. Afronta, na espécie, ao disposto no art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição de 1988, o qual se aplica aos Estados-membros, em razão do princípio da simetria.” (ADI 2.192, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2008, Plenário, DJE de 20-6-2008.)
"Inconstitucionalidade dos arts. 41, 42, 43 e seu parágrafo único, 44, 45 e seu parágrafo único, do ADCT da Constituição da Paraíba, porque ofendem a regra da iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo quanto à majoração de vencimentos dos servidores públicos (CF, art. 61, § 1º, II, a)." (ADI 541, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 10-5-2007, Plenário, DJ de 6-9-2007.)
(...)”
Ademais,
é ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder
Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos
de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao
Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
Nesse
sentido, o diploma impugnado invadiu a
esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao
princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c
o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de gestão, viola a harmonia e
independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.
Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade da adoção da regra da separação. Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta,
declarando-se a inconstitucionalidade da Lei
Municipal nº 5.496, de 26 de janeiro de 2009, de Indaiatuba.
São Paulo, 29 de junho de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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