Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.060815-0

Requerente: Prefeito do Município de Atibaia

Objeto: Lei nº 3.829, de 21 de dezembro de 2009, do Município de Atibaia

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, da Lei nº 3.829, de 21 de dezembro de 2009, do Município de Atibaia, que “proíbe a realização de queimadas em lotes urbanos no município”. Iniciativa parlamentar. Ato normativo que cria ônus para a Administração decorrente do dever de fiscalizar. Violação ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesas, ademais, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47 II, e 144, da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Atibaia, tendo por objeto Lei nº 3.829, de 21 de dezembro de 2009, do Município de Atibaia, que “proíbe a realização de queimadas em lotes urbanos no município”.

Sustenta o autor que a lei impugnada foi concebida na Câmara Municipal. Haveria, nesse aspecto, violação ao princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE), eis que a norma diz respeito à gestão administrativa.

Ademais, cria não só despesas para a Administração, sem indicação dos recursos disponíveis, como também exige a criação de departamento para a fiscalização e apuração de culpa nas referidas queimadas, contrariando, também, os arts. 24,§2º, I e 25, da Constituição Estadual.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 54,vº).

O Presidente da Câmara Municipal deixou de prestar informações, apesar de ter sido devidamente notificado (fls. 62).

 A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 73 e ss.).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Deflui dos autos que a Lei em análise decorre de projeto de autoria do Vereador EMIL ONO (fls. 52) e proíbe, sob pena de multa, o emprego de fogo para fins de limpeza de terrenos, bem como a incineração de lixo ou detritos, nos lotes urbanos no Município (art. 1º).

A norma também dispõe sobre o procedimento administrativo em caso da queimada ser provocado por terceiro que não seja proprietário do imóvel, por acidente ou por evento natural e, também, da forma como deve o Município proceder, em caso de recebimento de denúncia sobre a transgressão do disposto na referida legislação, deixando clara a necessidade de ser criado um Departamento responsável para a apuração dos fatos, fiscalização, aplicação e cancelamento das multas (arts. 3º e 4º ).

Por tais motivos, em que pese o elevado propósito do Legislador, é de se dar razão ao Alcaide acerca do vício de iniciativa.

É que somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Note-se que, instituindo uma proibição para o munícipe, a lei impõe à Administração o correspondente dever de fiscalizá-lo. Desse modo, está criando serviço público.

Como a lei foi concebida no Poder Legislativo, a iniciativa acabou invadindo a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

No caso dos autos, existe outro fundamento, igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a atividade de apuração e fiscalização instituída gera despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.829, de 21 de dezembro de 2009, do Município de Atibaia.

 

São Paulo, 10 de maio de 2010.

 

   Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

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