Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.073577-2

Requerente: Município de Carapicuíba

Objeto: art. 11 da Lei n. 2.973, de 11 de fevereiro de 2010, do Município de Carapicuíba

 

Ementa:

1. Ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Carapicuíba, tendo por objeto o art. 11 da Lei n. 2.973, de 11 de fevereiro de 2010. Determinação no sentido de que a empresa vencedora de licitação deverá destinar 30% (trinta por cento) do quadro de funcionários às pessoas portadoras de necessidades especiais; na ausência de pessoas nessas condições, mediante comprovação, fica a empresa vencedora da licitação autorizada a destinação menor do número de vagas.

2. Competência legislativa. Limites para o exercício da competência legislativa suplementar. Lei Federal nº7853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, posteriormente regulamentada pelo Decreto Presidencial nº3298/99, parcialmente modificado, posteriormente, pelo Decreto Presidencial nº5296/04.

3. Indispensável formular cotejo analítico entre o ato normativo impugnado, ou seja, o art. 11 da Lei n. 2.973, de 11 de fevereiro de 2010, e os diplomas editados no plano federal, vale dizer, a Lei Federal nº7853/89 e o Decreto Presidencial nº3298/99.

4. Inconstitucionalidade, se existente, é decorrente da crise de legalidade – conflito entre a lei municipal e a legislação federal -, o que inviabiliza a propositura de ação direta de inconstitucionalidade.

5. No controle concentrado de constitucionalidade das leis, promovido por meio da ação direta, a discussão a respeito da legitimidade constitucional da norma é relativamente limitada. Inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo decorrentes de questões de fato não comportam aferição por esse mecanismo de controle.

6. Parecer é no sentido da improcedência desta ação direta.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Carapicuíba, tendo por objeto o art. 11 da Lei n. 2.973, de 11 de fevereiro de 2010.

Sustenta o autor que a Lei n. 2.973, de 11 de fevereiro de 2010, do Município de Carapicuíba, de iniciativa do Executivo Municipal, recebeu da Câmara Municipal nova redação, acrescentando-se à proposta do Executivo o art. 11. Referido dispositivo foi vetado pelo Chefe do Executivo, por meio do autógrafo de Lei n. 1.173/2009. Todavia, mesmo diante do veto parcial, a Câmara Municipal aprovou a Lei n. 2.973, de 11 de fevereiro de 2010.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 28/30).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 39.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 80/82 ).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Note-se que o artigo em análise dispõe que a empresa vencedora de licitação deverá destinar 30% (trinta por cento) do quadro de funcionários às pessoas portadoras de necessidades especiais; na ausência de pessoas nessas condições, mediante comprovação, fica a empresa vencedora da licitação autorizada a destinação menor do número de vagas.

A discussão que se apresenta na hipótese em exame cinge-se à definição da competência legislativa na matéria, e, como desdobramento desta, aos limites para o exercício da competência legislativa suplementar.

De fato, a Constituição da República prevê a competência concorrente entre União e Estados para edição de leis a respeito da proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (art.24 XIV da CR/88). Com amparo nessa competência legislativa, a União editou a Lei Federal nº7853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência e sua integração social, que posteriormente foi regulamentada pelo Decreto Presidencial nº3298/99, parcialmente modificado, posteriormente, pelo Decreto Presidencial nº5296/04.

Como é cediço, nos casos da existência de competência legislativa concorrente, à União compete fixar regras gerais, enquanto aos Estados cabe a complementação daquelas, sem com elas conflitar (art.24 §§1º e 2º da CR/88).

Esse mesmo raciocínio aplica-se aos Municípios, aos quais cabe legislar sobre assuntos de interesse local, bem como suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (art. 30 I e II da CR/88).

É assente deste modo que a legislação municipal, ao suplementar a legislação federal que fixa regras gerais, não pode contrariá-la.

 Contudo, não se pode perder de vista que a análise feita relaciona-se à possibilidade ou não de propositura de ação direta de inconstitucionalidade.

E, na espécie, para que seja possível afirmar que o legislador municipal exorbitou, ao exercer a competência suplementar que lhe é conferida pelo art.30 II da CR/88, será indispensável formular cotejo analítico entre o ato normativo impugnado, ou seja, o art. 11 da Lei n. 2.973, de 11 de fevereiro de 2010, e os diplomas editados no plano federal, vale dizer, a Lei Federal nº7853/89 e o Decreto Presidencial nº3298/99.

Caso se constate que o legislador municipal foi além dos limites de sua competência legislativa, essa inconstitucionalidade será indireta ou reflexa, pois para afirmá-la será sempre indispensável a comparação com as diretrizes fixadas pelos atos normativos federais.

Em outros termos, a inconstitucionalidade, se existente, é decorrente da crise de legalidade – conflito entre a lei municipal e a legislação federal -, o que inviabiliza a propositura de ação direta de inconstitucionalidade, embora não impeça o controle difuso da inconstitucionalidade da lei.

 É oportuno anotar que no controle concentrado de constitucionalidade das leis, promovido por meio da ação direta, a discussão a respeito da legitimidade constitucional da norma é relativamente limitada. Inconstitucionalidades indiretas ou reflexas, ou mesmo decorrentes de questões de fato não comportam aferição por esse mecanismo de controle.

 O único exame que se faz, no processo objetivo, decorre do confronto direto entre o ato normativo impugnado e o parâmetro constitucional adotado (STF, ADI 2.714, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 13-3-03, DJ de 27-2-04; ADI-MC 1347 /DF, Rel. Min. Celso de Mello, j. 05/09/1995, Tribunal Pleno, DJ 01-12-1995, p.41685, EMENT VOL-01811-02, p.00241, g.n.; ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546).

A esse propósito, é oportuno averbar a advertência feita pelo i. Min. Celso de Mello, do E. STF: 

“A ação direta não pode ser degradada em sua condição jurídica de instrumento básico de defesa objetiva da ordem normativa inscrita na Constituição. A válida e adequada utilização desse meio processual exige que o exame ‘in abstracto’ do ato estatal impugnado seja realizado exclusivamente à luz do texto constitucional. Desse modo, a inconstitucionalidade deve transparecer diretamente do texto do ato estatal impugnado. A prolação desse juízo de desvalor não pode e nem deve depender, para efeito de controle normativo abstrato, da prévia análise de outras espécies jurídicas infraconstitucionais, para, somente a partir desse exame e num desdobramento exegético ulterior, efetivar-se o reconhecimento da ilegitimidade constitucional do ato questionado” (ADI-MC n.º 842 - DF, RTJ 147/545-546, g.n.).

Deste modo, não é viável a propositura de ação direta de inconstitucionalidade no caso em análise.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta.

São Paulo, 15 de julho de 2010 .

 

 

        Sérgio Turra Sobrane

        Subprocurador-Geral de Justiça

        Jurídico

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