Parecer
Autos nº. 990.10.092640-3
Requerente: Prefeito Municipal da Estância Turística de Eldorado
Objeto: art. 93, inc. II, da Lei Orgânica da Estância Turística de Eldorado
Ementa: 1) Lei Orgânica do Município. Obrigatoriedade do Diretor Municipal apresentar relatório mensal à Câmara Municipal. 2) Violação da regra da separação de poderes (art.5º, art.47 II e XIV, e art.144 da Constituição Paulista). Ato típico de gestão administrativa, que envolve a direção e organização do governo Municipal. 3) Criação de mecanismo de controle externo não previsto na sistemática constitucional. Violação da simetria que deve existir, na matéria, com relação aos modelos constitucionais de controle da Administração. (art.33, 144 e 150 da Constituição do Estado). 4) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal da Estância Turística de Eldorado, tendo por objeto a Emenda Substitutiva Aditiva nº 008/09, da Lei Orgânica daquela Estância Turística.
O pedido de liminar foi deferido (fls.30/33).
Citado, o Senhor Procurador-Geral do
Estado declinou da defesa do ato normativo (fls.43/45).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 48/51, em defesa da lei impugnada.
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
O
dispositivo impugnado, da Lei Orgânica da Estância Turística de Eldorado, tem a seguinte redação:
"Art. 93 - Compete aos Diretores Municipais, além
das atribuições estabelecidas em leis ou regulamentos.
I- (...)
II - apresentar ao prefeito e à Câmara Municipal
relatório mensal dos serviços realizados nas Diretorias"
Com
tal redação, ficou imposta a necessidade dos Diretores Municipais apresentarem
relatório mensal à Câmara Municipal.
Entretanto,
tal dispositivo é verticalmente incompatível com nossa ordem constitucional,
face à flagrante violação ao princípio da separação de poderes (art.5º c.c. o
art.144 da constituição Paulista).
É
ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
O
legislador municipal, na hipótese analisada, acolheu iniciativa parlamentar, imiscuindo-se
na fiscalização interna de servidores do Executivo, a ser exercido por seu Chefe,
em virtude da regular administração do Município.
Referido
diploma, na prática, invadiu a esfera da
gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a
direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso
equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos
poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao
princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o
art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Ademais,
em se tratando se projeto de lei apresentado pelo próprio Legislativo,
configurado fica o vício de iniciativa.
Violação da simetria com
relação ao sistema de controle externo.
Também
por outro fundamento se chegará à conclusão de que o dispositivo impugnado é
inconstitucional.
Tanto
a Constituição Federal, como a Estadual, já estabelecem formas de controle
interno e externo, cuja essência deve ser seguida pelo legislador Municipal.
Recorde-se
a propósito o art.31 §1º da CR/88 prevê que o controle externo da Câmara
Municipal sobre o Executivo será “exercido
com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos
Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver”.
Por
outro lado, o art.33 da Constituição Paulista prevê que o controle externo seja
exercido pela Assembléia Legislativa, com o auxílio do Tribunal de Contas, com
várias atribuições contidas em seus diversos incisos, que, em linhas gerais,
replicam as atribuições do Tribunal de Contas da União, cf. art.71 da CR/88.
Por
seu turno, o art.150 da Carta Paulista reitera a existência de sistemas de
controle interno,
Deste
modo, dentro das sistemáticas de controle interno e externo, previstas tanto no
texto da Constituição Federal, como na Estadual, não se identifica, nem de modo
distante, metodologia de fiscalização que se assemelhe àquela adotada pelo
legislador municipal, no dispositivo impugnado na presente ação: necessidade de
prévio exame e autorização, pelo Legislativo local, de convênios, acordos e
contratos administrativos.
A
matéria já foi pacificada pelo E. STF, como se infere dos seguintes
precedentes: ADI 2.911, Rel. Min. Carlos Britto, julgamento em
10-8-06, DJ de 2-2-07; ADI 1.905-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento
em 19-11-98, DJ de 5-11-04; ADI 3.046, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento
em 15-4-04, DJ de 28-5-04; entre outros.
Esse
posicionamento tem, do mesmo modo, sido prestigiado por esse E. Tribunal de
Justiça: ADI 12.345-0, rel. Carlos
Ortiz, j. 15.05.91; ADI 096.538-0, rel. Viseu Júnior, j. 12.02.03, v.u.; ADI
123.145-0/9-00, rel. Aloísio de Toledo César, j.19.04.06 – m.v.; ADI
128.082-0/7-00, rel. Denser de Sá, j. 19.07.06, v.u.
Assim,
o dispositivo impugnado na presente ação, nitidamente: (a) violou o necessário
equilíbrio e harmonia que devem existir entre os Poderes Legislativo e
Executivo; (b) criou sistemática de controle não previsto na nossa ordem
constitucional; (c) desrespeitou, dessa forma, o “modelo” traçado pelo
constituinte para exercício do sistema de “freios e contrapesos”.
Quando
a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que
equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e
independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse
E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais
de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo
na violação da regra da separação de poderes: ADI 149.044-0/8-00, rel. des.
Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j.
05.03.2008; entre outros.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade do art. 93, inc.II, da Lei Orgânica da Estância Turística de Eldorado .
São Paulo, 30 de junho de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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