Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.103205-8

Requerente: Prefeito do Município de Presidente Prudente

Objeto: Parágrafo único do art. 32 da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente (acrescido pela Emenda nº 45/2009) 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada por Prefeito, do parágrafo único do art. 32 da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente (acrescido pela Emenda nº 45/2009), que condiciona a concessão de serviços públicos, a concessão de direito real de uso de bens municipais e a concessão administrativa de uso de bens municipais à aprovação de 2/3 dos membros da Câmara Municipal. Previsão que confere indevida proeminência ao Poder Legislativo, que pode, eventualmente, inviabilizar a prática de atos de gestão, ainda que extraordinários. Regra que destoa do modelo constitucional (Constituição do Estado: art. 10, § 1º c.c. o art. 19, inc, IV e V, aplicável aos Municípios por força do art. 144). Ofensa ao princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE). Parecer pela procedência do pedido.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Presidente Prudente, tendo por objeto o parágrafo único do art. 32 da Lei Orgânica do Município (acrescido pela Emenda nº 45/2009).

Referido dispositivo condiciona a concessão de serviços públicos, a concessão de direito real de uso de bens municipais e a concessão administrativa de uso de bens municipais à aprovação de 2/3 dos membros da Câmara Municipal.

O autor sustenta que a regra destoa do modelo estadual, de observância obrigatória pelos Municípios, segundo o qual a Assembléia Legislativa delibera sobre esses temas por maioria de votos.

Apontam-se como violados os arts. 5º; 10, § 1º; 19, inc. IV, V, VII; 22, § 2º; 23; 117 e 144 da Constituição Paulista.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 18).

 O Presidente da Câmara Municipal não se pronunciou sobre o processo legislativo (fls. 36).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 38/40).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Como se sabe, o exercício do governo municipal, no Brasil, é repartido entre a Câmara e o Prefeito, correspondendo àquela as funções legislativas e a este as executivas.

Entre ambos não há subordinação: a relação é de entrosamento de funções e de atividades político-administrativas, para que se estabeleça a harmonia e a independência dos Poderes, princípio constitucional extensivo ao governo local (cf. Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, São Paulo, Malheiros, 1996, p. 427 e 508).

Em sua função normal e predominante, a Câmara Municipal elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua destinação específica, bem diferente da do Executivo, a quem cabe a prática dos atos concretos de administração (ob. cit., p. 429).

O tema trazido a lume diz respeito à gestão dos serviços públicos e do patrimônio público, que pertence exclusivamente ao Chefe do Poder Executivo.

O Prefeito de Presidente Prudente está se insurgindo contra a previsão da Lei Orgânica que condiciona a autorização para a prática desses atos ao voto de 2/3 dos membros da Câmara.

Confira-se:

Art. 32 – Compete à Câmara Municipal, com a sanção do Prefeito, dispor sobre todas as matérias de competência do Município e, especialmente:

(...)

VI – autorizar a concessão de serviços públicos;

VII – autorizar a concessão do direito real de uso de bens municipais;

VIII – autorizar a concessão administrativa de uso de bens municipais;

(...)

Parágrafo único – A autorização dos incisos VI, VII e VIII do presente artigo somente serão aprovadas se obtiverem dois terços dos membros da Câmara.

Seu inconformismo procede.

Como administrador do Município, cabe ao Prefeito organizar e dirigir o serviço público, sendo ele detentor dos poderes correspondentes de comando, coordenação e controle de todos os empreendimentos da Prefeitura.

Compete-lhe, igualmente, gerir os bens municipais, praticando atos ordinários e extraordinários de administração.

Os primeiros dizem respeito à disciplina de utilização e às providências que visam à conservação dos bens. Para estes o Prefeito não necessita de qualquer autorização da Câmara Municipal.

Os atos extraordinários, por sua vez, são os de alienação e concessão de direito real de uso dos bens móveis. Estes dependem efetivamente de autorização legislativa, preservada, de qualquer modo, a iniciativa do chefe do Poder Executivo para desencadear o processo (ob. cit., p. 226 e 238).

É o que se extrai da Constituição do Estado de São Paulo, que, nos incisos IV e V do artigo 19, diz competir ao Legislativo dispor sobre a cessão de direitos reais de bem imóveis e o uso deles por particulares, verbis:

Artigo 19 - Compete à Assembléia Legislativa, com a sanção do Governador, dispor sobre todas as matérias de competência do Estado, ressalvadas as especificadas no art. 20, e especialmente sobre:

(...)

IV - autorização para a alienação de bens imóveis do Estado ou a cessão de direitos reais a eles relativos, bem como o recebimento, pelo Estado, de doações com encargo, não se considerando como tal a simples destinação específica do bem;

V - autorização para cessão ou para concessão de uso de bens imóveis do Estado para particulares, dispensado o consentimento nos casos de permissão e autorização de uso, outorgada a título precário, para atendimento de sua destinação específica;

Ocorre que, quando a Lei Orgânica exige – como acontece em Presidente Prudente – quórum qualificado para concretizar essas autorizações, ela está concedendo indevida proeminência ao Poder Legislativo, o que pode, eventualmente, inviabilizar a realização das medidas sujeitas à deliberação da Câmara Municipal.

Essa situação, de fato, destoa do modelo Estadual, pelo qual as manifestações do Poder Legislativo são, em regra, tomadas pela maioria. É o que está posto no art. 10, § 1º da Constituição Paulista:

Artigo 10 - A Assembléia Legislativa funcionará em sessões públicas, presente, pelo menos, um quarto de seus membros.

§ 1º - Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações da Assembléia Legislativa e de suas Comissões serão tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta de seus membros.

Por isso, entendemos que o dispositivo impugnado compromete o tênue equilíbrio de forças do âmbito local e, por isso, traduz-se em indevida influência do Poder Legislativo na gestão do Município, violando, em conseqüência, o princípio da separação dos poderes, previsto no art. 5º da Carta Paulista.

Para finalizar, recorde-se que esse C. Órgão Especial já reconheceu inconstitucionalidade em dispositivos de Lei Orgânica de Embu-Guaçu que subordinavam determinados atos de gestão ordinária do Município à autorização da Câmara, compreendendo-os como “manifesta ingerência do Legislativo na Administração do Município”:

Ação direta de declaração de inconstitucionalidade - Lei Orgânica Municipal (incisos V, XII, XVI e XXIII do artigo 11) - Município de Embu-Guaçu - Reconhecimento da ingerência do Legislativo na Administração do Município e usurpação de funções, ao subordinar à autorização da Câmara atos de gestão ordinária do Município - Violação dos artigos 5º e 144 da Constituição Estadual - Ação procedente (ADIN nº 131.237-0/2-00, rel. Des. JOSÉ REYNALDO, j. 13 Ago. 2008).

Assim, acolhendo-se o pedido, deve ser declarada a inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 32 da Lei Orgânica do Município de Presidente Prudente (acrescido pela Emenda nº 45/2009), para que a autorização do Poder Legislativo para a prática dos atos que a demandem seja colhida pelo voto da maioria de seus membros, como ocorre em seara estadual.

Diante do exposto, opino pela procedência da presente ação.

 

São Paulo, 14 de setembro de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

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