Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 990.10.122666-9

Requerente: Prefeito Municipal do Guarujá

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.761, de 31 de agosto de 2009, do Guarujá

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 3.761, de 31 de agosto de 2009, do Guarujá, de iniciativa parlamentar, que “acrescenta ao sistema de emplacamento de próprios, e obras de artes municipais, placas com informações acerca da denominação”.

2)      Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista).

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal do Guarujá, tendo como alvo a Lei Municipal nº 3.761, de 31 de agosto de 2009, do Guarujá, fruto de iniciativa parlamentar, que “acrescenta ao sistema de emplacamento de próprios, e obras de artes municipais, placas com informações acerca da denominação”.

Sustenta o autor que o ato normativo impugnado, oriundo de iniciativa parlamentar, violou a regra da separação de poderes, por interferir diretamente na gestão das atividades administrativas do Município. Aponta para a violação do art. 5º, art. 25, art. 37, art. 47, XI e XVIII, e art. 176, I, todos da Constituição Paulista.

Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo (fls. 37).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa para o ato normativo impugnado (fls. 46, 48/50).

A Câmara Municipal deixou de prestar informações (fls. 51).

É o relato do essencial.

A Lei Municipal nº 3.761, de 31 de agosto de 2009, do Guarujá, fruto de iniciativa parlamentar, que “acrescenta ao sistema de emplacamento de próprios, e obras de artes municipais, placas com informações acerca da denominação”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º - Deverão ser incorporadas gradativamente ao sistema de emplacamento junto às placas de denominação, placas com informações sucintas acerca da origem e significado do nome, da biografia e atividades públicas mais relevantes dos homenageados, do fato ou data histórica.

Art. 2º - O Executivo regulamentará as dimensões, o tipo de material e a forma de inserção de placas com as informações previstas no caput.

Art. 3º - O Executivo poderá estabelecer convênios ou parcerias com entidades públicas ou privadas para viabilizar a implementação desta lei.

Parágrafo único – o Executivo regulamentará a forma mais adequada de identificar, no próprio sistema de emplacamento, as entidades conveniadas ou parcerias previstas no caput deste artigo.

Art. 4º - As despesas decorrentes da execução desta lei, correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.

(...)”

A lei de iniciativa parlamentar, desse modo, configura verdadeiro ato administrativo, sendo apenas “formalmente” ato legislativo. Isso se verifica na medida em que determina ao Chefe do Executivo a adoção de providências concretas que estão inseridas, nitidamente, na esfera daquilo que cabe apenas ao Poder Executivo decidir e realizar.

Em outras palavras, se fora das hipóteses constitucionalmente previstas, a lei dispõe sobre atividade tipicamente inserida na esfera da administração (ou seja, de ato administrativo), isso significa invasão da esfera de competências do Executivo por ato do Legislativo, em clara violação do princípio da separação de poderes.

Resolver se deverá ou não haver informações históricas em placas de ruas, como serão elas dimensionadas, entre outras coisas, é matéria essencialmente relacionada à atividade da administração pública realizada pelo Chefe do Executivo.

E mais: ainda que fosse o ato normativo oriundo de iniciativa do Chefe do Executivo, seria inconstitucional.

A razão é simples: o Chefe do Executivo não necessita de autorização para fazer aquilo que está na esfera de sua competência constitucional. Se ele encaminha projeto de lei para tal escopo, isso configura hipótese de delegação inversa de poderes, vedada pelo art. 5º, § 1º da Constituição Paulista.

         Em síntese, cabe nitidamente ao administrador público, e não ao legislador, deliberar a respeito do tema.

A inconstitucionalidade, portanto, decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

O diploma impugnado, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.

Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade da adoção da regra da separação.

Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente, não admitindo interpretações que signifiquem, na prática, interferência de um poder na esfera de atuação ontologicamente relacionada ao outro.

Não bastasse isso, a lei impugnada provocará, evidentemente, realização de despesas por parte da Municipalidade, sem que tenha havido a indicação das fontes de receita para tanto.

Isso implica contrariedade ao disposto no art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo.

Nesse sentido, apenas a título de exemplificação, confiram-se os julgados a seguir indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 3.761, de 31 de agosto de 2009, do Guarujá.

São Paulo, 1º de outubro de 2010.

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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