Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 990.10.134494-7

Requerente: Prefeito Municipal de Capela do Alto

Objeto: art. 2º, da Lei n. 1.540, de 17 de fevereiro de 2010, de Capela do Alto.

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Emenda Aditiva de iniciativa parlamentar. Revogação de exigência de autorização expressa da Prefeitura Municipal para alienação do imóvel recebido por doação feita pela Prefeitura.  2) Lei de efeitos concretos.  3) Inconstitucionalidade impassível de reconhecimento em ação direta de inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Capela do Alto, tendo por objeto a art. 2º, da Lei n. 1.540, de 17 de fevereiro de 2010, daquele Município, que “Altera e revoga dispositivos da Lei nº 1.349/2007, alterada pelas Leis 1.385/2007 e 1.459/2008”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se por impulso do Poder Executivo, mas a Câmara Municipal apresentou Emenda Aditiva, consubstanciada no vergastado artigo 2º e que, depois de aprovado, foi vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 95/96).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 111/123, em defesa da norma impugnada.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 107/109).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Este é o teor do ato normativo impugnado:

“Art.2º - Fica revogado o Artigo 3º da Lei nº 1.349, de 09 de Janeiro de 2007."

         Por sua vez, o referido art. 3º dispõe o seguinte:

         "Art. 3º - Na escritura de doação constará cláusula em que a donatária poderá alienar o imóvel objeto desta Lei, com autorização expressa da Prefeitura Municipal, através de Lei específica aprovada pela Câmara Municipal, e desde que o adquirente se comprometa a cumprir as condições estabelecidas nesta lei, pelo período remanescente, além de se obrigar a manter a empresa na atividade industrial."   g.n.   

         A Lei n. 1.349, de 09 de janeiro de 2007 refere-se à doação de um único imóvel, à pessoa específica, ambos individualizados no próprio diploma legal (empresa Nurion-B Biodiesel Indústria e Comércio Ltda).

         Assim, é evidente que estamos diante de Lei que revogou dispositivo de uma lei de efeitos concretos, guardando, por isso, esta mesma característica.

Ocorre que as leis em comento não são dotadas de densidade normativa que as sujeite ao controle concentrado de constitucionalidade. Não se caracterizam pela abstração ou generalidade, pois dispõem sobre a doação de área específica, regulando situações jurídicas particulares e concretas.

Por leis de efeitos concretos “entendem-se aqueles que trazem em si mesmos o resultado específico pretendido, tais como as leis que aprovam planos de urbanização, as que fixam limites territoriais, as que criam municípios ou desmembram distritos, as que concedem isenções fiscais; as que proíbem atividades ou condutas individuais; os decretos que desapropriam bens, os que fixam tarifas, os que fazem nomeações e outros dessa espécie. Tais leis ou decretos nada têm de normativos; são atos de efeitos concretos, revestindo a forma imprópria de lei ou decreto, por exigências administrativas. Não contêm mandamentos genéricos, nem apresentam qualquer regra abstrata de conduta; atuam concreta e imediatamente como qualquer ato administrativo de efeitos individuais e específicos, razão pela qual se expõem ao ataque pelo mandado de segurança” (Hely Lopes Meirelles, Mandado de Segurança, Ação Popular, Ação Civil Pública, Mandado de Injunção e Habeas Data. 12ª. ed., São Paulo: RT, 1989, p. 17). 

Por isso, afirma Alexandre de Moraes que “atos estatais de efeitos concretos não se submetem, em sede de controle concentrado, à jurisdição constitucional abstrata, por ausência de densidade normativa no conteúdo de seu preceito” (Direito Constitucional, 9ª. ed., São Paulo: Atlas, 2001, p. 584).

O mesmo entendimento tem sido seguido pelo Supremo Tribunal Federal:

Todos sabemos que o controle concentrado de constitucionalidade somente pode incidir sobre atos do Poder Público revestidos de suficiente densidade normativa, cabendo assinalar, neste ponto, que a noção de ato normativo, para efeito de sua fiscalização em tese, requer, além de autonomia jurídica da deliberação estatal, também a constatação de seu necessário coeficiente de generalidade abstrata sem prejuízo da indispensável configuração de sua essencial impessoalidade (RTJ 143/510, Rel. Min. Celso de Mello). É por essa razão que atos de efeitos concretos não expõem, em nosso sistema de direito positivo – e na linha de diretriz jurisprudencial firmada por esta Corte –, à possibilidade jurídico-processual de fiscalização abstrata de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal (TTJ 108/505, RTJ 119/65, RTJ 139/73), eis que tais espécies jurídicas, que tem objeto determinado e destinatários certos, não veiculam, em seu conteúdo, normas que disciplinem relações jurídicas em abstrato (RTJ 140/36). A ausência do necessário coeficiente de generalidade abstrata impede, desse modo, a instauração do processo objetivo de controle normativo abstrato (RTJ 146/483)”.

A Corte Paulista acolheu essa orientação e, julgando a ADIN nº 95.142-0/8, proclamou a inviabilidade do controle concentrado sobre a Lei nº 3.461, de 15 de março de 2002, do município de Bragança Paulista, que promoveu a desafetação de trecho de determinada avenida e autorizou a utilização da área desafetada para a implantação de um complexo esportivo interligando o Ginásio Municipal de Esportes ao Estádio. Eis a ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Inadmissibilidade - Controle concentrado de constitucionalidade somente dos atos normativos dotados de generalidade e abstração – Exclusão daqueles que, malgrado sua forma de lei, veiculam atos de efeitos concretos - Jurisprudência do Colendo Supremo Tribunal Federal - Extinção sem exame do mérito.

Em outro caso sobre autorização de concessão de direito real de uso de terreno a empresa específica, o processo foi extinto sem julgamento de mérito:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal. Autorização de concessão de direito real de uso de um terreno a empresas específicas. Preliminar de ilegitimidade ativa da Prefeita rejeitada. Dispositivo combatido que não pode ser objeto de controle pela via concentrada da ação direta de inconstitucionalidade. Lei apenas em sentido formal. A ação direta de inconstitucionalidade não é sede adequada para o controle de validade jurídico-constitucional de atos concretos destituídos de qualquer normatividade. Não se tipificam como normativos os atos estatais desvestidos de qualquer coeficiente de abstração, generalidade e impessoalidade. Extinção do processo sem julgamento do mérito (ADIN nº 100.011.0/0, j. 22.09.04, rel. Des. Oliveira Ribeiro).

No mesmo sentido:

ADIN - Controle da constitucionalidade de atos administrativos que têm objeto determinado e destinatários certos, ainda que esses atos sejam editados sob a forma de lei. Inadmissibilidade. Não preenchimento das condições da ação (falta de interesse de agir). Extinto o processo sem apreciação do mérito (ADIN nº 071.300-0/4, j. 12.11.03, rel. Des. Sinésio de Souza).

Em caso mais recente (5.11.2008), o E. Tribunal de Justiça de São Paulo julgou procedente, por votação unânime, a ADIN nº 163.696-0/1-00, que tratava de leis do Município de Ituverava que, de forma genérica, previam a possibilidade de desafetação e doação de bens públicos municipais por ato administrativo. Do corpo do v. Acórdão se extrai a seguinte lição sobre o tema enfrentado:

De se observar, ademais, que a edição de lei municipal específica dispondo sobre a desafetação e sobre a doação de bens públicos, estará sujeita ao controle jurisdicional de legalidade, expondo-se, assim, ao ataque pela via do mandado de segurança, da ação popular ou da ação civil pública, conforme o direito ou o interesse por ela lesados.

Assim, o controle abstrato de normas só se presta a examinar a constitucionalidade de espécies normativas próprias, ou seja, daquelas que são dotadas de generalidade e abstração.

Essas características, contudo, não são encontradas nas leis objeto desta ação, que encerram atos concretos de administração – doação de imóvel específico – sendo leis apenas em sentido formal.

É curial, todavia, que as leis analisadas podem ser impugnadas nas vias ordinárias e se sujeitam ao controle incidental de constitucionalidade, como ilustra recentíssimo Acórdão do C. Órgão Especial, assim ementado:

Incidente de inconstitucionalidade. Incidente suscitado pela 11ª. Câmara da Seção de Direito Publico do Tribunal de Justiça objetivando a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 1.528/97 do Município de Tambaú, que desafetou área institucional reservada em loteamento, alterando sua destinação para conceder direito de uso a entidade privada filantrópica, para destinação especial e diversa da prevista originalmente. Alteração vedada pela Constituição Estadual. Inconstitucionalidade da lei municipal em face dos arts 180, VII, e 144 da Constituição Paulista. Argüição incidenter tantum procedente (II nº 172.801-0/7-00, rel. José Santana, j. 1/4/2009).

Lembre-se, por fim, que o Município, como doador do imóvel pode impor as condições que entender pertinentes, no ato de transmissão da propriedade imóvel (outorga da escritura) independentemente de autorização legislativa, por se tratar de exercício de gestão administrativa, cuja incumbência recai somente sobre o Governo Municipal, exercido pelo Chefe do Poder Executivo.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da presente ação direta de inconstitucionalidade.

São Paulo, 21 de julho de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

      Jurídico

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