Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.154291-9

Requerente: Prefeito do Município de Catanduva

Objeto: Lei nº 4.954, de 30 de março de 2010, do Município de Catanduva

 

Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, da Lei n.º 4.954/10, do Município de Catanduva, que “dispõe sobre a obrigatoriedade das lan houses, cyber cafés e estabelecimentos similares, situados no âmbito do Município de Catanduva, Estado de São Paulo, a disponibilizarem computadores para a utilização por pessoas com deficiência visual, e dá outras providências”. Iniciativa parlamentar. Ato normativo que cria ônus para a Administração decorrente do dever de fiscalizar. Violação ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesas, ademais, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47 II, e 144, da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, tendo por objeto a Lei n.º 4.954/10, que “dispõe sobre a obrigatoriedade das lan houses, cyber cafés e estabelecimentos similares, situados no âmbito do Município de Catanduva, Estado de São Paulo, a disponibilizarem computadores para a utilização por pessoas com deficiência visual, e dá outras providências”.

O autor noticia que o ato normativo foi concebido na Câmara Municipal. Sustenta que a lei versa sobre gestão administrativa, a par de criar despesa não prevista no orçamento, daí porque representa ofensa aos arts. 5º e 25 da Constituição do Estado.

O pleito liminar de suspensão da vigência e eficácia da norma foi indeferido pelo r. Despacho de fls. 21. Em face dessa Decisão, o autor interpôs agravo regimental (fls. 71/91), ainda pendente de apreciação (fls. 92)

O Presidente da Câmara Municipal prestou informações sobre o processo legislativo, tendo manifestado concordância com a tese exposta na inicial (fls. 34/69).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 30/32).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Deflui dos autos que a Lei em análise decorre de projeto de autoria do Vereador LUÍS PEREIRA e obriga lan houses, cyber cafés e estabelecimentos similares a disponibilizarem hardware (teclado em Braille, impressora em Braille, fone de ouvido, etc.) e software para a utilização por pessoas com deficiência visual (art. 1º e 2º).

A norma também prevê a imposição de multas e a suspensão do alvará de funcionamento para o caso de descumprimento (art. 3º) e determina, em dois artigos (arts. 4º e 6º), que as despesas decorrentes de sua execução sejam imputadas às dotações orçamentárias próprias.

Em que pese inspirada em nobre propósito, a lei impugnada é, de fato, inconstitucional, por vício de iniciativa. É que somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Note-se que, instituindo uma obrigação ou uma proibição para o munícipe, a lei impõe à Administração o correspondente dever de fiscalizá-lo. Desse modo, está criando serviço público.

Como a lei foi concebida no Poder Legislativo, a iniciativa acabou invadindo a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse Sodalício:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

No caso dos autos, existe outro fundamento, igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a atividade de fiscalização instituída gera despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, não sendo suficiente a mera indicação de que as despesas correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.

Nesse panorama, opina-se pela declaração de inconstitucionalidade da lei impugnada, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, aguardo a procedência desta ação direta, para se declarar a inconstitucionalidade da Lei n.º 4.954/10, que “dispõe sobre a obrigatoriedade das lan houses, cyber cafés e estabelecimentos similares, situados no âmbito do Município de Catanduva, Estado de São Paulo, a disponibilizarem computadores para a utilização por pessoas com deficiência visual, e dá outras providências”.

 

São Paulo, 13 de setembro de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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