Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.157091-2

Requerente: Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros do Estado de São Paulo – SETPESP 

Objeto: Lei nº 2.023, de 7 de Dezembro de 2009, do Município de Campo Limpo Paulista 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE PASSAGEIROS DO ESTADO DE SÃO PAULO – SETPESP, da Lei nº 2.023, de 7 de Dezembro de 2009, do Município de Campo Limpo Paulista, que “dispõe sobre a gratuidade do transporte coletivo urbano e semi-urbano aos idosos a partir de 60 anos de idade”. Projeto nascido no Poder Legislativo, com usurpação das atribuições do Prefeito. Violação do princípio da separação dos poderes (art. 5º, CE), que não se convalida pela sanção da lei pelo chefe do Executivo. Criação de despesa, que decorre da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão de transporte público, sem indicação do recurso (art. 25, CE). Inconstitucionalidade reconhecida.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, promovida pelo SINDICATO DAS EMPRESAS DE TRANSPORTES DE PASSAGEIROS DO ESTADO DE SÃO PAULO – SETPESP, da Lei nº 2.023, de 7 de Dezembro de 2009, do Município de Campo Limpo Paulista, que “dispõe sobre a gratuidade do transporte coletivo urbano e semi-urbano aos idosos a partir de 60 anos de idade”.

Sustenta o autor que a lei padece de inconstitucionalidade sob os aspectos formal e material. Foi concebida no âmbito do Poder Legislativo, com vício de iniciativa e ofensa ao princípio da separação dos poderes, do que não se convalesce nem mesmo pela sanção do Prefeito.

Enfatiza que a lei traz aumento de despesa para o Município – em razão do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de prestação do serviço de transporte público – sem a indicação de sua fonte de custeio.

Aponta como violados os artigos 5º; 25; 47, II e XVIII; 144; e 176, I, da Constituição Estadual.

O pedido de liminar foi deferido (fls. 44/49).

Requisitaram-se informações ao Prefeito e ao Presidente da Câmara Municipal. Este se pronunciou em defesa da lei impugnada, enfatizando o alcance social da medida. O Alcaide, por sua vez, alegou que o Sindicato não é parte legítima para a propositura da presente demanda (fls. 66/79 e 81/86).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa das normas questionadas, consignando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 62/64).

É o relatório.

A preliminar arguida pelo Prefeito não prospera.

O Sindicato, de abrangência Estadual, tem, dentre as suas atribuições, a de defender os interesses da categoria, em juízo e fora dele.

Adequa-se à previsão do art. 90, inc. V, da Constituição do Estado, sendo parte legítima para propor a presente ação, tal como ficou reconhecido nos precedentes citados na inicial.

Quanto ao mérito, tem-se que o pedido deve ser examinado pelo cotejo das leis impugnadas com os arts. 5º, 25, 47, XI, XVIII, 111, 117, 144, 176, I, da Constituição Estadual.

O ato normativo objeto desta ação direta criam obrigações e fixa condutas para a Administração Municipal, ao assegurar gratuidade no transporte coletivo urbano aos idosos maiores de sessenta anos.

Neste sentido, considerada a iniciativa parlamentar que culminou na edição do ato normativo em epígrafe, é visível que o Poder Legislativo municipal invadiu a esfera de atribuições do Chefe do Poder Executivo.

Ao Poder Legislativo cabe a função de editar atos normativos de caráter geral e abstrato. Ao Executivo cabe o exercício da função de gestão administrativa, que envolve atos de planejamento, direção, organização e execução.

Atos que, na prática, representam invasão da esfera executiva pelo legislador, devem ser invalidados em sede de controle concentrado de normas, na medida em que representam quebra do equilíbrio assentado nos arts. 5º, 37 e 47, II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo, aplicáveis aos Municípios por força de seu art. 144.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que:

“A Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante (...) todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito Municipal Brasileiro, São Paulo: Malheiros, 2006, 15ª ed., pp. 708, 712, atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis de efeitos concretos, ou que equivalem, na prática, a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os Poderes. Essa é exatamente a hipótese verificada nos autos.

Neste sentido, já proclamou esse Egrégio Tribunal que:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito”  (ADI n. 53.583-0, Rel. Des. Fonseca Tavares).

E nesta linha, verificando a inconstitucionalidade por ruptura do princípio da separação de poderes, este Egrégio Tribunal de Justiça vem declarando a inconstitucionalidade de leis similares (ADI 117.556-0/5-00, Rel. Des. Canguçu de Almeida, v.u., 02-02-2006; ADI 124.857-0/5-00, Rel. Des. Reis Kuntz, v.u., 19-04-2006; ADI 126.596-0/8-00, Rel. Des. Jarbas Mazzoni, v.u., 12-12-2007; ADI 127.526-0/7-00, Rel. Des. Renato Nalini, v.u., 01-08-2007; ADI 132.624-0/6-00, Rel. Des. Mohamed Amaro, m.v., 24-10-2007; ADI 142.130-0/0-00, Rel. Des. Ivan Sartori, 07-05-2008).

O vício de iniciativa conduz à declaração de inconstitucionalidade da lei, que não se convalida com a sanção ou a promulgação de quem deveria ter apresentado o projeto. É da jurisprudência que “o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer em que o Legislativo as exerça” (ADIn 13.798-0, rel. Dês. Garrigós Vinhares, j. 11.12.1991, v.u.).

De outro giro, impõe-se observar que a implantação do transporte gratuito, nos termos contidos nos dispositivos impugnados, trazem ônus ao Erário. A conseqüência das isenções para o uso do transporte público criadas pelas leis é o aumento dos encargos do orçamento (art. 176, I, CE), resultante da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de concessão.

 Em casos similares esse Egrégio Tribunal de Justiça tem reconhecido a inconstitucionalidade de leis por violação ao art. 25 da Constituição Estadual, em razão da ausência de indicação de recursos disponíveis para fazer frente às despesas criadas (ADI 18.628-0, ADI 13.796-0, ADI 38.249-0, ADI 36.805.0/2, ADI 38.977.0/0).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 2.023, de 7 de Dezembro de 2009, do Município de Campo Limpo Paulista, que “dispõe sobre a gratuidade do transporte coletivo urbano e semi-urbano aos idosos a partir de 60 anos de idade”.

São Paulo, 16 de agosto de 2010.

                                    

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

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