Parecer
Processo n. 990.10.158885-4
Requerente: Prefeito Municipal de Marília
Objeto: Inconstitucionalidade da Lei n. 5.946, de 30 de junho de 2004, do
Município de Marília
Constitucional. Administrativo. Processual civil. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 5.946/04, do Município de Marília. Avaliação psicológica na renovação da carteira nacional de habilitação. Ofensa ao princípio federativo. Violação à competência normativa da União. Lei de iniciativa parlamentar. Separação de poderes. 1. Insuscetível de objeto na fiscalização abstrata, concentrada, direta e objetiva de constitucionalidade de lei municipal, cujo único parâmetro é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CF), alegação de usurpação de competência normativa federal, pouco importando articulação de ofensa à Constituição do Estado sob o mote de violação ao princípio federativo (STF, Rcl 5.096-SP). 2. Sendo elementar ao controle objetivo de constitucionalidade de leis e atos normativos o conceito de causa de pedir aberta (RTJ 200/91), revela-se agressiva ao princípio da separação de poderes e à reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo a disciplina de atribuição nova a órgãos administrativos (arts. 5º e 24, § 2º, 2, CE). 3. Parecer pela procedência da ação por violação aos artigos 5º e 24, § 2º, 2, da Constituição Estadual.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
contestando a Lei n. 5.946, de 30 de junho de 2004, do
Município de Marília, de iniciativa parlamentar, que institui a obrigatoriedade
de avaliação psicológica na renovação da Carteira Nacional de Habilitação, por invasão da competência normativa
federal e violação ao artigo 144 da Constituição do Estado de São Paulo (fls.
02/17). A douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato (fls.
58/60) e a Câmara Municipal prestou informações defendendo a
constitucionalidade da lei (fls. 62/70).
2. É o
relatório.
3. Alega-se
violação ao pacto federativo, radicada no art. 144 da Constituição Estadual.
4. A argüição não merece conhecimento, nos termos de
julgado pelo Supremo Tribunal Federal:
“COMPETÊNCIA -
PROCESSO OBJETIVO - CONFLITO DE LEI ESTADUAL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O
conflito de lei estadual disciplinadora da atribuição normativa para legislar
sobre exercício profissional resolve-se considerada a Constituição Federal,
pouco importando articulação, na inicial, de ofensa à Carta do Estado no que
revela princípios gerais - de competir à Unidade da Federação normatizar o que
não lhe seja vedado e respeitar a atuação municipal” (STF, Rcl 5.096-SP,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 20-05-2009, v.u., DJe 18-06-2009).
5. Todavia, sendo elementar ao
controle objetivo de constitucionalidade de leis e atos normativos o conceito
de causa de pedir aberta (RTJ 200/91), revela-se agressiva ao princípio da
separação de poderes e à reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder
Executivo a disciplina de atribuição nova a órgãos administrativos.
6. Com efeito, a lei local impugnada
é de iniciativa parlamentar e prescreve comportamento atribuindo nova tarefa a
órgão do Poder Executivo.
7. Como desdobramento
particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição
Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2,
iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na
órbita municipal por obra de seu art. 144), para “a criação e extinção das
Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto
no art. 47, XIX”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos
órgãos da Administração Pública direta.
8. Portanto, a lei local impugnada é incompatível com
esses preceitos normativos.
9. Desse teor é a jurisprudência:
“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI
TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE.
COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.
I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a
proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de órgãos
da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.
II. - As regras do processo legislativo federal,
especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de
observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes do STF.
IV - Ação direta de inconstitucionalidade
julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos
Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).
“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5° e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009).
10. Opino pela procedência da ação por
violação dos arts. 5º e 24, § 2º, 2, da Constituição Estadual.
São
Paulo, 23 de setembro de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj