Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Processo n. 990.10.160127-3

Requerente: Prefeito do Município de São José do Rio Preto

Objeto: Lei n. 10.579, de 05 de março de 2010, do Município de São José do Rio Preto

 

Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 10.579/10, do Município de São José do Rio Preto. Iniciativa parlamentar.  Atribuições de órgãos. Serviço público. Princípio da separação de poderes. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo. Reserva de Administração. Arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25 e 47, II, XIV e XIX, a, CE. 1. É inconstitucional lei municipal, de iniciativa parlamentar, que institui serviço de atendimento psicológico nas escolas públicas para atendimento de crianças e adolescentes regularmente matriculados na rede municipal de ensino, porque respeita à organização e ao funcionamento dos serviços administrativos da competência do Poder Executivo, assunto que é da alçada da reserva da Administração, sem embargo de revelar-se usurpação da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo ao impor atribuição e obrigação a seus órgãos. 2. Comprometimento ao princípio da separação de poderes. 3. É inconstitucional, ainda, a lei pela criação de novo encargo sem indicação da fonte específica de custeio. 4. Procedência da ação.

Colendo Órgão Especial:

 

1.                Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 10.579, de 05 de março de 2010, do Município de São José do Rio Preto, de iniciativa parlamentar, que institui serviço de atendimento psicológico nas escolas públicas para atendimento de crianças e adolescentes regularmente matriculados na rede municipal de ensino, por violação ao art. 5º da Constituição do Estado (fls. 02/06). Concedida liminar (fl. 15), a Câmara Municipal prestou informações (fls. 29/30, 37/38) e a douta Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção no processo (fls. 25/27).

2.                É o relatório.

3.               Preliminarmente, é insuscetível a adoção de outro parâmetro que não a Constituição Estadual no controle abstrato, concentrado, direto e objetivo de constitucionalidade de lei municipal.

4.                A lei local impugnada, de iniciativa parlamentar, institui serviço de atendimento psicológico nas escolas públicas para atendimento de crianças e adolescentes regularmente matriculados na rede municipal de ensino.

5.                A lei é inconstitucional por afronta a vários dispositivos da Constituição Estadual, para além dos indicados pelo requerente, e cuja pronúncia é viável em razão ser elementar ao processo de fiscalização objetiva de constitucionalidade a noção de causa de pedir aberta.

6.                Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, 2, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) para “a criação e extinção das Secretarias de Estado e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 47, XIX”, o que compreende a fixação ou alteração das atribuições dos órgãos da Administração Pública direta.

7.                Também prevê no art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.

8.                O inciso II confere ao Chefe do Poder Executivo o exercício, com auxílio dos Secretários, da direção superior da administração. O inciso XIV lhe comete a prática dos demais atos de administração, nos limites da competência do Poder Executivo. Por fim, a alínea a do inciso XIX, lhe fornece a prerrogativa de dispor mediante decreto sobre “organização e funcionamento da administração estadual, quando não implicar aumento de despesa, nem criação ou extinção de órgãos públicos”, em preceito semelhante ao art. 84, VI, a, da Constituição Federal.

9.                A inconstitucionalidade transparece exatamente pelo divórcio da iniciativa parlamentar da lei local com esses preceitos da Constituição Estadual. Ao atribuir função a órgãos do Poder Executivo na prestação de serviço público, a lei viola o art. 47, II, XIV e XIX, a, pois, estabeleceu regras que respeitam à organização e ao funcionamento dos serviços administrativos da competência do Poder Executivo, matéria essa que é da alçada da reserva da Administração, bem como ofende o art. 24, § 2º, 2, na medida em que impõe atribuição ao Poder Executivo na execução de serviço público.

10.              A inconstitucionalidade resulta da imposição de obrigação ao Poder Executivo, conferindo-lhe novas atribuições e interferindo na organização administrativa. Neste sentido, a jurisprudência:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F, art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II e VI. Lei 7.157, de 2002, do Espírito Santo.

I. - É de iniciativa do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.

II. - As regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.

III. - Precedentes do STF.

IV - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).

“É indispensável a iniciativa do Chefe do Poder Executivo (mediante projeto de lei ou mesmo, após a EC 32/01, por meio de decreto) na elaboração de normas que de alguma forma remodelem as atribuições de órgão pertencente à estrutura administrativa de determinada unidade da Federação” (STF, ADI 3.254-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 16-11-2005, v.u., DJ 02-12-2005, p. 02).

“Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de São José do Rio Preto - Lei Municipal n°10.241/08 cria o serviço de fisioterapia e terapia ocupacional nas unidades básicas de saúde e determina que as despesas decorrentes 'correrão por conta das dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário' - Matéria afeta à administração pública, cuja gestão é de competência do Prefeito - Vício de iniciativa configurado - Criação, ademais, de despesas sem a devida previsão de recursos - Inadmissibilidade - Violação dos artigos 5° e 25, ambos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei configurada - Ação procedente” (ADI 172.331-0/1-00, Órgão Especial, Rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, v.u., 22-04-2009).

11.               Também a inconstitucionalidade se manifesta por violação ao art. 25 da Constituição Estadual. A lei cria novo encargo sem indicação da fonte específica de custeio.

12.              Opino pela procedência da ação por visualizar ofensa aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, 25, e 47, II, XIV e XIX, a, da Constituição Estadual.

                   São Paulo, 21 de julho de 2010.

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

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