Parecer
Processo n. 990.10.171724-7
Requerente: Prefeito Municipal de Tremembé
Objeto: inconstitucionalidade
do § 3º do art. 46 da Lei Orgânica do Município de Tremembé
Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Orgânica do Município de Tremembé (art. 46, § 3º). Restrições ao procedimento legislativo sumário. Afronta aos princípios de separação de poderes e de razoabilidade e às regras do processo legislativo (arts. 5º, 26, par. único, e 111, Constituição Estadual). Procedência parcial da ação. 1.Ressalvado o período de recesso legislativo,é inconstitucional a vedação da adoção do procedimento legislativo sumário aos projetos de lei complementar, bem como a interrupção do procedimento legislativo sumário enquanto pendente pedido de informações sobre a matéria objeto de deliberação. 2. O modelo constitucional vigente admite o procedimento legislativo sumário para leis complementares. 3. A interrupção do procedimento legislativo sumário em razão da pendência de pedido de informações introduz cláusula que compromete o equilíbrio e a harmonia entre os Poderes, neutralizando o expediente de participação do Poder Executivo no processo produtivo das leis. 4. Procedência parcial da ação para declaração de inconstitucionalidade das expressões constantes do § 3º do art. 46 da LOM de Tremembé que excluem a possibilidade de adoção do procedimento legislativo sumário nos projetos de lei complementar e interrompem o fluxo de seu prazo na pendência de pedido de informações.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
contestando o § 3º do art. 46 da Lei Orgânica do Município de Tremembésob alegação de violação ao art. 26da Constituição Estadual e ao art.
64, §§ 1º e 2º, da Constituição Federal (fls. 02/12).
2. Negada liminar (fls. 52/53), a Câmara Municipal de
Tremembé manifestou-se pela constitucionalidade da norma(fls. 60/63). A douta
Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua intervenção (fls. 69/71).
3. É o
relatório.
4. A Lei Orgânica Municipal assim dispõe sobre o processo
legislativo sob o rito sumário:
“Art. 46. O Prefeito, em caso de interesse público relevante, devidamente justificado, poderá solicitar urgência na apreciação de projetos de sua iniciativa.
§ 1º. Solicitada a urgência, a Câmara deverá se manifestar sobre a proposição no prazo de até 45 (quarenta e cinco) dias, contados da data do recebimento da solicitação.
§ 2º. Esgotado o prazo previsto no parágrafo anterior sem deliberação pela Câmara, será a proposição incluída na Ordem do Dia, sobrepondo-se às demais proposições, para que se ultime a votação.
§ 3º. O prazo previsto no § 1º deste artigo não se aplica aos projetos de leis complementares e não corre nos períodos de recesso da Câmara e quando houver pedidos de informações formulado por Comissão sobre matéria tratada na proposição, interrompendo-se a contagem, neste último caso, na data em que for recebido o pedido de informações pelo Prefeito e voltando a fluir normalmente na data em que a respectiva resposta chegar à Câmara”.
5. O controle de constitucionalidade na via abstrata,
concentrada e direta, por ação, de norma municipal tem como parâmetro exclusivo
dispositivo da Constituição Estadual, razão pela qual é inadequado o exame de
eventual contraste com a Constituição Federal, como resulta do § 2º do art. 125
da Constituição Federal.
6. O requerente articula violação ao art. 26 da
Constituição Estadual, in verbis:
“Art. 26. O Governador poderá solicitar que os projetos de sua iniciativa tramitem em regime de urgência.
Parágrafo único. Se a Assembleia Legislativa não deliberar em até quarenta e cinco dias, o projeto será incluído na ordem do dia até que se ultime sua votação”.
7. A disposição guarda semelhança com o trato da matéria
na Constituição Federal (art. 64, § 1º) que aponta, durante o período de
quarenta e cinco dias de urgência, para o sobrestamento
de “todas as demais deliberações legislativas (...) com exceção das que tenham
prazo constitucional determinado, até que se ultime a votação” (art. 64, § 2º)
e, além disso, o prazo de urgência não corre nos períodos de recesso e nem se
aplica aos projetos de códigos (art. 64, § 4º).
8. Não se verifica inconstitucionalidade na ressalva
contida no § 3º do art. 46 da Lei Orgânica Municipal relativa aos períodos de
recesso legislativo, não apenas pelo predicado de normas de observância
obrigatória ao processo legislativo desenhado na Constituição Federal, senão
também pela razoabilidade que orienta a construção dessa exceção.
9. Ancorado nestes fundamentos, concluo que a supressão
da urgência, impedindo a adoção do procedimento legislativo sumário “aos projetos de leis complementares” e sua interrupçãoem razão da
pendência de pedido de informações, discrepa do modelo de processo legislativo
constante do art. 26 e seu parágrafo único da Constituição Estadual e atenta
contra os princípios da separação de poderes e da razoabilidade inscritos nos
seusarts. 5º e 111.
10. A participação do Poder Executivo no processo de
produção de normas jurídicas primárias é ponto fundamental para compreensão da
harmonia e equilíbrio entre os Poderes, não se admitindo, por essa razão,
reduções ou mitigações que tenham a potencialidade de atribuir supremacia de um
em desfavor de outro.
11. A pendência de pedido de informações não tem a
necessária relevância para obliterar a participação do Poder Executivo no
processo legislativo manifestada pela solicitação de adoção do procedimento
legislativo sumário, pois, este foi concebido, nos projetos de iniciativa do
Poder Executivo, para evitar manipulações tendentes a consagração da supremacia
do Poder Legislativo, de maneira a conduzir a ingovernabilidade. Não se quer
afirmar, entretanto, que o Poder Legislativo assume uma posição passiva, senão
explicitar que a introdução desse novo elemento a essa prerrogativa do Poder
Executivo, tem o potencial efeito de neutralizá-la por expedientes que
ultrapassam os limites razoáveis da explícita rejeição de projetos de lei.
12. Tampouco se constata razão aceitável para cunhar uma distinção
na liturgia dos processos legislativos de lei complementar e de lei
ordináriasubtraindoo procedimento legislativo sumáriodo processo produtivo
daquela.
13. A diferenciação entre essas duas espécies normativas, na
Constituição vigente, é construída, para além do critério material (reserva
explícita de determinados assuntos ao domínio da lei complementar), pelo
critério formal, exclusiva e parcialmente ao quórum qualificado (maioria
absoluta) dedicado à primeira (art. 69, Constituição Federal). Em outras
palavras, e como se recolhe da doutrina, a lei complementar se assenta, no
ambiente jurídico nacional, pela exigência de quórum qualificado de aprovação
(maioria absoluta) e o seu domínio ou reserva a certas matérias (Celso Ribeiro
Bastos. Lei Complementar – Teoria e
Comentários, São Paulo: Celso Bastos Editor, 1999, 2ª ed., p. 124; Gilmar
Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco. Curso de Direito Constitucional, São
Paulo: Saraiva, 2010, 5ª ed., pp. 1011-1012).
14. Portanto, soa inconstitucional a exclusão da lei
complementar do procedimento legislativo sumário, como operado no § 3º do art.
46 da Lei Orgânica Municipal, porque, e como explica a literatura jurídica:
“A
Constituição não definiu várias questões relativas ao processo legislativo das
leis complementares. Regulou apenas o quorum
para sua aprovação, ficando o resto à observância dos demais termos da votação
das leis ordinárias. Têm que ser observados os demais termos da votação das
leis ordinárias, incluindo as regras de iniciativa, tramitação legislativa,
discussão e votação, sanção, veto, promulgação e publicação” (José Afonso da
Silva. Comentário contextual à
Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 462).
“Resta
examinar a estrutura, como ato normativo, da lei complementar.
A
Constituição anterior previa-lhe o rito de elaboração.
Com
efeito, dispunha em seu art. 50, que a lei complementar seria votada, com
observância dos ‘demais termos da votação das leis ordinárias’, pela maioria
absoluta dos membros das duas Casas do Congresso.
A
atual só diz que a lei complementar será votada por maioria absoluta. Quanto à
sua elaboração – deve-se entender -, a lei complementar segue o previsto para a
elaboração da lei ordinária, com uma única diferença: a exigência de maioria
absoluta em cada uma das Casas do Congresso Nacional para sua aprovação”
(Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Curso
de Direito Constitucional, São Paulo: Saraiva, 2001, 27ª ed., p. 210).
15. Opino pela procedência parcial da ação para exclusão
das expressões “não se se aplica aos projetos de leis
complementares” e“e quando houver pedidos de informações formulado por Comissão
sobre matéria tratada na proposição, interrompendo-se a contagem, neste último
caso, na data em que for recebido o pedido de informações pelo Prefeito e
voltando a fluir normalmente na data em que a respectiva resposta chegar à
Câmara”, constantes do § 3º do art. 46 da Lei Orgânica do Município de
Tremembé.
São Paulo, 09 de fevereiro de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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