Parecer
Autos nº. 990.10.174222-5
Requerente: Prefeito do Município de Cabreúva
Objeto: Lei n. 1.873, de 09 de fevereiro de 2.010, do Município de Cabreúva
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito, da Lei n. 1.873, de 09 de fevereiro de 2.010, do Município de Cabreúva, que “autoriza o Poder Executivo a criar programa de agendamento com o objetivo de garantir o transporte para tratamento de doentes e dá outras providências”. Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Ausência de indicação das receitas para fazer frente às despesas geradas pela execução do programa (art. 25 da Constituição Paulista). Parecer pela procedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Cabreúva, tendo por objeto à Lei n. 1.873, de 09 de fevereiro de 2.010, do Município de Cabreúva que “autoriza o Poder Executivo a criar programa de agendamento com o objetivo de garantir o transporte para tratamento de doentes e dá outras providências”.
Sustenta, em síntese, o autor que o ato normativo impugnado, oriundo de iniciativa parlamentar violou a regra da separação de poderes, e não indicou os recursos necessários para seu cumprimento, contrariando, desse modo, o disposto no art. 5º, bem como no art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo.
Foi deferida a liminar, para suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 252/253).
O Presidente da Câmara Municipal prestou informações às fls. 266/267, em defesa da norma impugnada.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 262/264).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
A Lei n. 1.873, de 09 de fevereiro de 2.010, do Município de Cabreúva, que “autoriza o Poder Executivo a criar programa de agendamento com o objetivo de garantir o transporte para tratamento de doentes e dá outras providências”, apresenta a seguinte redação:
“Art. 1º - Fica o Poder Executivo autorizado a realizar agendamento por telefone, com objetivo de garantir o transporte para o tratamento de pacientes para fora do Município de Cabreúva.
Parágrafo único- A Secretaria de Saúde Municipal divulgará os números dos telefones do setor de agendamento no Órgão Oficial do Município, nos veículos de comunicação e nas unidades básicas de saúde.
Art. 2º - O agendamento deverá ser obrigatoriamente feito com 48 (quarenta e oito) horas de antecedência.
Art. 3º - O trajeto será aquele necessário a pegar o cidadão no local onde estiver no território do Município de Cabreúva e levá-lo até o local apropriado para seus exames e respectivos tratamentos de saúde.
Parágrafo único- O paciente deverá, obrigatoriamente, apresentar ao condutor do veículo destinado ao transporte, seu comprovante de consultas ou exames, ou qualquer outro documento que justifique o seu deslocamento a outro Município.
Art. 4º - O Poder Executivo regulamentará a presente lei no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias, contados a partir de sua vigência, detalhando as competências a cargo de quem forem atribuídos às responsabilidades por implantar e gerir esses serviços públicos.
Art. 5º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário”.
A lei de iniciativa parlamentar, criou programa governamental, prevendo novas atribuições para órgãos da administração do Município.
A inconstitucionalidade
decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição
Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).
É
ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
Abstraindo
dos motivos que podem ter levado a tal solução legislativa, ela se apresenta
inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão
administrativa do Município.
Referido
diploma, na prática, invadiu a esfera da
gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência
dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local.
Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções
é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também
toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou
do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos
órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado
pelo Poder Judiciário” (Direito
municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e
Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis
que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia
e independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.
Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade da adoção da regra da separação. Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente.
Acrescente-se
que para a realização do programa será necessária a realização de despesas,
sendo certo que o ato normativo impugnado não indicou a fonte das respectivas
receitas.
Em
casos assim, esse Colendo Órgão Especial tem, reiteradamente, reconhecido a
inconstitucionalidade da norma por violação ao disposto no art. 25 da
Constituição Paulista.
Nesse sentido, apenas a título de exemplificação, confiram-se os julgados a seguir indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..
Diante desse quadro, deve ser declarada a inconstitucionalidade da Lei n. 1.873, de 09 de fevereiro de 2.010, do Município de Cabreúva que “autoriza o Poder Executivo a criar programa de agendamento com o objetivo de garantir o transporte para tratamento de doentes e dá outras providências”.
São Paulo, 13 de setembro de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb