Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 990.10.192365-3

Requerente: Prefeita do Município de Taquaral

Objeto: Lei nº 431, de 08 de dezembro de 2008, do Município de Taquaral.

 

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito Municipal, tendo por objeto a Lei n. 431, de 08 de dezembro de 2008, do Município de Taquaral, que alterou o art. 26, da Lei Municipal n. 90 de 1999. Equiparação da remuneração dos Conselheiros Tutelares à referência 01 do quadro de funcionários públicos municipais de Taquaral, bem como concessão de férias e abono salarial. Projeto de lei de Vereador. Matéria, contudo, cuja iniciativa é privativa do Prefeito. Alegada ofensa ao princípio da separação dos Poderes (art. 5º; 24, §2º, nº 1; da Constituição do Estado). Parecer pela procedência da ação.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

1)    Relatório.

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Taquaral, tendo por objeto a Lei n. 431, de 08 de dezembro de 2008, que trata da “alteração do art.26 da Lei Municipal n. 90/1999”, que, por sua vez, “cria a Política de Atendimento dos Direitos a Criança e do Adolescente e das Providências Correlatas”.

Sustenta o autor que referida Lei, fruto de iniciativa parlamentar, é inconstitucional por tratar de matéria de competência exclusiva do Poder Executivo, na medida em que concede o direito a férias e a abono salarial aos Conselheiros Tutelares.

Alega, portanto, violação ao art. 5º e 24, § 2º, 1, da Constituição do Estado.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 54).

O Presidente da Câmara Municipal deixou de prestar informações (fls. 67).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 64/66).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

2)    Fundamentação.

A Lei n. 431 de 08 de dezembro de 2008, que trata “ da alteração do Artigo 26, da Lei Municipal n. 90 de 1999”, apresenta a seguinte redação:

"Artigo 1º - Em conformidade com o disposto no caput do art. 2º da Lei das Diretrizes Orçamentárias do Município de Taquaral, e em consonância com os artigos 25 da Constituição do Estado de São Paulo, 169 da Constituição Federal, fica concedido aos membros do Conselho Tutelar do Município de Taquaral, conforme a nova redação do art. 26, da Lei n. 90 de 1999:

Art. 26 – A remuneração fixada ao Conselho Tutelar será a mesma da referência 01 do quadro de funcionários públicos municipais de Taquaral.

I-  Tratando-se de funcionário público municipal, fica obrigado o membro do Conselho Tutelar optar por um dos fixados, vedada a acumulação de vencimentos.

II- Descanso remunerado de 30 (trinta)  dias  após um dos 02 (dois) primeiros períodos anuais de  efetiva  atividade,  não cumulativos, não podendo o descanso, em nenhuma hipótese ser convertido em remuneração tampouco pleiteado a título indenizatório.

III- Pagamento de abono ao final de cada 12 (doze) meses de efetivo exercício equivalente ao valor da remuneração mensal.

Parágrafo 1º - O descanso remunerado a que se refere o inciso I deste artigo só poderá ser usufruído no decorrer do mandato, vedada qualquer pretensão indenizatória a ser ulteriormente formulada.

Parágrafo 2º - O pagamento de abono a que se refere o inciso II deste artigo corresponderá a um doze avos, por mês de efetivo exercício da remuneração devida em dezembro do ano correspondente, sendo que a fração igual ou superior a quinze dias de exercício será considerada como mês integral.

Artigo 2º - Os recursos eu irão cobrir as despesas conforme exigência expressa no artigo 25 da Constituição do Estado de São Paulo, serão oriundos da Rentabilidade Financeira gerada junto ao Banco Nossa Caixa, que importou no ano de 2007 o valor de                R$ 3.505,23 (três mil e quinhentos e cinco reais e vinte e três centavos), e até julho de 2008, o valor de R$ 2.711,63 (dois mil setecentos e onze reais e sessenta e três centavos). Fica para o exercício de 2009 a incorporação da mesma no Orçamento a ser aprovado para o mesmo por esta Casa de leis.

Artigo 3º - As despesas decorrentes com a execução da presente Lei serão suportadas por dotações próprias no Orçamento suplementadas se necessário.

Artigo 4º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação revogada as disposições em contrário”.

Em que pesem os elevados propósitos que a inspiraram, a Lei Municipal nº 431, de 08 de dezembro de 2008 é, de fato, incompatível com os artigos 5º; 24, § 2º, nº 1 e 47, II, da Constituição do Estado, abaixo reproduzidos:

"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.

Art. 24 - A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Assembléia Legislativa, ao Governador do Estado, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta

Constituição.

§2º - Compete, exclusivamente, ao Governador do Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:

(...)

1 – criação e extinção de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autarquia, bem como a fixação da respectiva remuneração.

É que a Constituição do Estado, em simetria com o modelo Federal, não concede ao parlamentar a iniciativa de leis que disponham sobre o serviço público e seu regime jurídico.

Em realidade, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento[1], participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos[2]. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.

Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que:

"A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos ou autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração (...). A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções. Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º.). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e convém se repita - que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie', a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental (...) Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § I, c/c 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental.'[3]

Percebe-se que a lei em análise regulamenta o procedimento com relação à concessão de equiparação da remuneração dos Conselheiros Tutelares a dos servidores municipais do Município de Taquaral (referência I), bem como a concessão de férias e abono salarial, cuja matéria é da alçada do Poder Executivo.

Em suma, a disciplina do regime jurídico dos servidores públicos é matéria que a Constituição reservou à iniciativa do Executivo, não podendo o Legislativo tomar a iniciativa a respeito.

Por isso, a solução deste processo é a declaração de inconstitucionalidade da legislação impugnada, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça”[4].

 

3) Conclusão.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei  nº 431, de 08 de dezembro de 2008, do Município de Taquaral.

 

São Paulo, 29 de setembro de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         -Jurídico-

vlcb



[1] Christian Starck. 'El Concepto de ley en la constitucion alemana', p. 73, CEC, Madrid, 1979.

[2] "...O poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de uma estabilidade garantida, necessária para a tradução em atos de um 'indirizzo'. É, em geral, delegatária, também, de importantes porções da função legislativa. Ao legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar solenemente o 'indirizzo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo as medidas sob a forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo' do Poder governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o admite - deve ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente excepcionais. O Legislativo controla o Poder governante também com outros meios (investigações, comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração normativa das escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In' 'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.

[3] Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 12ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 576.

[4] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748.