Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.196597-6

Requerente: Prefeito do Município de Presidente Bernardes

Objeto: art. 97 da Lei Orgânica do Município de Presidente Bernardes

 

Ementa: 1. Constitucional. Administrativo. Ação direta de inconstitucionalidade. Art. 97 da Lei Orgânica do Município de Presidente Bernardes. Inexistência de violação ao princípio da separação de poderes. 2. Inadmissível controle abstrato de constitucionalidade de lei local sob alegação de usurpação de competência normativa federal, pouco importando articulação de ofensa à Constituição do Estado sob o mote de violação ao princípio federativo (STF, Rcl 5.096-SP). 3. Parecer pela improcedência da ação direta.

 

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Presidente Bernardes, tendo por objeto o art. 97 da Lei Orgânica do Município de Presidente Bernardes.

Sustenta o autor que o dispositivo questionado ofende o princípio da separação entre os Poderes, insculpido no art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo, por instituir uma espécie de “quarentena” aos agentes políticos e aos servidores públicos municipais (fls. 11).

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 22).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou a fls. 31/36, em defesa da lei impugnada.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 49).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

O art. 97 da Lei Orgânica do Município de Presidente Bernardes, de iniciativa parlamentar, assenta que o Prefeito Municipal, Vice-Prefeito, os Vereadores e os servidores Municipais, bem como as pessoas ligadas a qualquer deles por matrimonio ou parentesco, afins ou consangüíneos, até o segundo grau ou por adoção, não poderão contratar o Município, subsistindo a proibição até seis meses depois de findas as respectivas funções.

O dispositivo acima mencionado é de iniciativa parlamentar e a petição inicial, além de acusar violação à separação de poderes, por traduzir hipótese de iniciativa reservada do Chefe do Poder Executivo, assinala incompetência normativa à vista de dispositivos das Constituições Federal e Estadual.

Com relação à violação ao art. 22, I, da Constituição Federal, o fundamento não merece conhecimento, por afrontar o § 2º do art. 125 da Constituição Federal que elege como exclusivo parâmetro da constitucionalidade de lei ou ato normativo municipal a Constituição Estadual, bem como por não se aviar a empolgação de agressão ao princípio federativo com lastro nos arts. 1º e 144 da Constituição Estadual:

“COMPETÊNCIA - PROCESSO OBJETIVO - CONFLITO DE LEI ESTADUAL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O conflito de lei estadual disciplinadora da atribuição normativa para legislar sobre exercício profissional resolve-se considerada a Constituição Federal, pouco importando articulação, na inicial, de ofensa à Carta do Estado no que revela princípios gerais - de competir à Unidade da Federação normatizar o que não lhe seja vedado e respeitar a atuação municipal” (STF, Rcl 5.096-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 20-05-2009, v.u., DJe 18-06-2009).

A Constituição Estadual confere tão somente, nos arts. 184 e 191, competência executiva (ou material) ao Estado, com a cooperação dos Municípios, o que, portanto, não elimina, em linha de princípio, a competência normativa municipal para assuntos de interesse local.

Regra é a iniciativa legislativa pertencente ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:

“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).

Fixadas estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes, entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:

“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).

“As hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).

“A disciplina jurídica do processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa” (STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u., DJ 07-12-2006, p. 36).

Se “as regras do processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno, Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.), considera-se que o preceito da Constituição Federal contido no art. 61, § 1º, II, b, não é de observância obrigatória nem simetricamente extensível ao plano constitucional estadual (STF, ADI 2.464-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Ellen Gracie, 11-04-2007, v.u., DJe 24-05-2007).

Aliás, outro não poderia ser o entendimento em tal tema, na medida em que o art.111 da Constituição do Estado de São Paulo determina expressamente que “A administração pública direta, indireta ou fundacional, de qualquer dos Poderes do Estado, obedecerá aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, razoabilidade, finalidade, motivação e interesse público”  praticamente reproduzindo o disposto no art.37 caput da Constituição Federal.

Legislar a respeito do tema, vedando a contratação de agentes políticos com o Município no prazo de seis meses após findas as respectivas funções, não significa invadir a esfera de iniciativa privativa do Chefe do Executivo, e menos ainda violar o princípio da separação dos Poderes.

         A lei impugnada, a bem da verdade, não tratou do regime jurídico do funcionalismo municipal, nem alterou a configuração normativa e institucional do Município, quanto aos cargos, funções ou empregos existentes.

         Diversa seria a conclusão quanto ao exame do tema, se, por exemplo, a lei condicionasse a nomeação de ocupantes de cargos em comissão à aprovação prévia do Poder Legislativo; ou ainda, se de qualquer forma instituísse espécie de interferência quanto aos atos administrativos a serem praticados com relação aos servidores assim nomeados.

            Não merece acolhimento a tese da inconstitucionalidade da edição do art. 97 da Lei Orgânica do Município de Presidente Bernardes por violação do princípio de separação dos Poderes, ou seja, por usurpação de iniciativa legislativa exclusiva do Executivo, em verdade não verificada.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência desta ação direta.

São Paulo, 21 de julho de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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