Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 990.10.196598-4

Requerente: Prefeito Municipal de Presidente Bernardes

Objeto: Lei nº 2.097, de 17 de novembro de 2009, do Município de Presidente Bernardes

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Iniciativa parlamentar, que “Fixa normas para o descarte de embalagens de produtos agrotóxicos ou qualquer tipo de embalagem de produtos destinados a agricultura e pecuária do Município de Presidente Bernardes e dá outras providências”.   2) Violação ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesas, ademais, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47 II, e 144 da Constituição do Estado. 3) Parecer pela procedência da ação

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Presidente Bernardes, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 2.097, de 17 de novembro de 2009, que “Fixa Normas para o Descarte de Embalagens de produtos Agrotóxicos ou qualquer tipo de embalagens de Produtos destinados a Agricultura e Pecuária no Município de Presidente Bernardes-SP, e dá outras providências”, daquele mesmo Município.

 Sustenta o autor, em síntese, que a legislação impugnada, viola o princípio da independência dos poderes, na medida em que invade matéria de competência do executivo.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 22/23).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 37/40, defendendo a constitucionalidade da lei em questão.

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 47/50).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

         Preliminarmente, não me oponho quanto à Admissão da Fazenda Pública do Estado de São Paulo como amicus curiae do requerente.

         No mérito, em que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se transformando na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional.

De início, deve-se lembrar que a proteção do meio ambiente foi incluída no rol do art. 24 da Constituição Federal, sendo um dos temas cuja competência é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal.

 

Para esse assunto, a Carta Política adotou a técnica da competência concorrente não-cumulativa, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais. Cabe aos Estados-membros e o Distrito Federal a edição das normas específicas e minuciosas para adaptar princípios, bases e diretrizes estabelecidas nas regras gerais às peculiaridades regionais. Fica reservado aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (CF, art. 30, II), o que significa dizer que sua competência legislativa relaciona-se aos assuntos de predominante interesse local (cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 303-306; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 579-580).

Ocorre que a Constituição do Estado de São Paulo estabelece, em seu art. 191, o seguinte:

Artigo 191 - O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.

Com base nesse dispositivo, o C. Órgão Especial tem dito que “no atendimento de peculiaridades locais voltadas à preservação, conservação e defesa do meio ambiente natural, artificial ou do trabalho, [a Constituição Estadual] igualmente autoriza a edição legislativa de normas que viabilizem esse desideratum, desde que não

                                                                                           incompatíveis com normas estaduais ou federais ex vi de seu artigo 191” (trecho do voto do Des. OSCARLINO MOELLER na ADIN nº 164.487-0/9, j. 4.02.2009, v.u.).

Com essa premissa, a Corte julgou válida lei municipal que instituía a compensação às emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas instaladas na cidade de Valinhos, forte no entendimento de que a regra do art. 144 da Constituição Estadual, de caráter genérico, cede em face da clareza e especificidade do art. 191 citado.

Desse modo, não é defeso ao Município legislar sobre a matéria versada no ato impugnado.

De toda sorte, vê-se que a Lei em análise decorre de iniciativa parlamentar (fls. 19) e proíbe aos Munícipes enterrar, queimar, ou mesmo descartar como lixo comum embalagens de produtos agrotóxicos ou qualquer tipo de embalagens de produtos destinados a agricultura e a pecuniária como lixo comum, sob pena de sanção definida no parágrafo único do art. 1º; proíbe o Poder Público Municipal de recolher embalagens de produtos agrotóxicos ou qualquer tipo de embalagens de produtos destinados a agricultura e a pecuária como lixo comum (art.2º ); obriga o Poder Público a executar campanha de esclarecimento aos agricultores e pecuaristas sobre o perigo oferecido para a saúde pública ao descartar como lixo comum, enterrar ou queimar as embalagens mencionadas na lei (art. 4º); determina que a Divisão do Meio Ambiente, tenha um local para o recebimento deste material, ficando o agricultor ou o pecuarista responsável pela entrega do material no local do recebimento (art.3º).

 

Ademais, prevê mais ações do Poder Executivo, como o dever de regulamentar a lei no prazo de 60 dias e aplicar sanção em caso de descumprimento da lei (art. 1º, § único e 5º ).

 Por tudo isso, é de ser acolhida a tese do vício de iniciativa.

De fato, somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações,  deveres e proibições para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Note-se que, instituindo obrigações e proibições, tanto para os agricultores, pecuaristas e para o Poder Executivo, a lei incide no serviço público.

Como a lei foi concebida no Poder Legislativo, a iniciativa acabou invadindo a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse Tribunal:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa   das   leis    que   lhe  propiciem a boa

 

execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

 

Por fim, existe outro fundamento, igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a execução da campanha referida no art.4º, bem como a atividade de fiscalização criada gera despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.

         Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.097, de 17 de novembro de 2009, que “Fixa Normas para  o   Descarte de Embalagens de produtos Agrotóxicos ou qualquer

 

 

tipo de embalagens de Produtos destinados a Agricultura e Pecuária no Município de Presidente Bernardes-SP, e dá outras providências”, do Município de Presidente Bernardes.

 

São Paulo, 16 de agosto de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         -Jurídico -

vlcb