Parecer
Processo n. 990.10.196.610 -7
Requerente: Prefeito do Município de Presidente
Bernardes
Objeto: Lei n. 2.106, de 07 de janeiro de
2010, do Município de Presidente
Bernardes
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei n. 2.106 do Município de Presidente Bernardes. Criação do Portal da Transparência. Inexistência de violação do princípio da separação de poderes. Iniciativa legislativa concorrente. 1. Reserva de iniciativa legislativa do Chefe do Poder Executivo que não se presume por ser direito estrito, exigindo explícita previsão normativa sobre o assunto. 2. Lei disciplinadora da transparência de atos administrativos, aprimorando a publicidade estatal, independe de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual, visto que não versa sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da Administração Pública. 3. Inexistência da criação de novo encargo sem cobertura financeira. 4. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 2.106, de 07 de janeiro de 2010, do Município de Presidente Bernardes, de iniciativa parlamentar, que cria o Portal da Transparência como meio oficial de divulgação de dados e informações pelos órgãos e entidades da Administração Pública direta e indireta, sob a alegação de ofensa aos arts. 5º, 25, e 144, da Constituição Estadual (fls. 02/24).
2. A liminar foi indeferida (fls. 33/38), prestando informações a Câmara Municipal (fls. 46/49). A douta Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato (fls. 60/62).
3. É o relatório.
4. A argüição de usurpação da competência normativa federal não merece conhecimento nesta sede, nos termos de julgado pelo Supremo Tribunal Federal:
“COMPETÊNCIA - PROCESSO OBJETIVO - CONFLITO DE LEI ESTADUAL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. O conflito de lei estadual disciplinadora da atribuição normativa para legislar sobre exercício profissional resolve-se considerada a Constituição Federal, pouco importando articulação, na inicial, de ofensa à Carta do Estado no que revela princípios gerais - de competir à Unidade da Federação normatizar o que não lhe seja vedado e respeitar a atuação municipal” (STF, Rcl 5.096-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Marco Aurélio, 20-05-2009, v.u., DJe 18-06-2009).
5.
Ademais, a competência
normativa federal não foi molestada nem tangenciada pela lei local porque não
disciplinou regras de ajustes ou contratos administrativos.
6. Tampouco cabe nesta sede argumentar violação de normas da legislação federal ou da Lei Orgânica Municipal porque o parâmetro exclusivo da constitucionalidade das leis municipais, no processo objetivo, é a Constituição Estadual, conforme emerge do § 2º do art. 125 da Constituição Estadual.
7.
Não
prospera a argüição de violação ao princípio da separação de poderes, contido
no art. 5º da Constituição do Estado de São Paulo.
8.
A lei local impugnada cuida
de elevado, basilar e radical assunto na senda da organização
político-administrativa municipal: a transparência administrativa que se
articula por um de seus subprincípios (a publicidade), ajustando à modernidade
tecnológica o cumprimento da diretriz de diafanidade da gestão dos negócios
públicos.
9.
Não se trata, pois, de
matéria que mereça trato normativo por impulsão exclusiva do Chefe do Poder
Executivo. Com efeito, a lei local cuida, por excelência, da concretização do
princípio da transparência, inscrito no art. 37 da Constituição Federal e no
art. 111 da Constituição Estadual sob o nome de publicidade, como afirma a
doutrina (Wallace Paiva Martins Junior. Transparência
administrativa, São Paulo: Saraiva, 2004), fornecendo maior grau de
visibilidade à res publica, tendo
como baliza que, como salientou o eminente Ministro Celso de Mello em histórico
julgamento, “o novo
estatuto político brasileiro - que rejeita o poder que oculta e não tolera o
poder que se oculta - consagrou a publicidade dos atos e das atividades
estatais como valor constitucionalmente assegurado” (RTJ 139/712).
10.
Portanto, é indevido concluir
que esse assunto seja da reserva do Poder Executivo ou de sua iniciativa
legislativa exclusiva.
11.
Ora, a matéria situa-se na
iniciativa comum ou concorrente. Regra é a iniciativa legislativa pertencente
ao Poder Legislativo; exceção é a atribuição de reserva a certa categoria de
agentes, entidades e órgãos, e que, por isso, não se presume. Corolário é a
devida interpretação restritiva às hipóteses de iniciativa legislativa
reservada, perfilhando tradicional lição salientando que:
“a distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes), isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em que fizer. Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete, criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581, 592-593).
12. Fixadas
estas premissas, as reservas de iniciativa legislativa a autoridades, agentes,
entidades ou órgãos públicos diversos do Poder Legislativo devem sempre ser
interpretadas restritivamente na medida em que, ao transferirem a ignição do
processo legislativo, operam reduções a funções típicas do Parlamento e de seus
membros. Neste sentido, colhe-se da Suprema Corte:
“A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa, na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve necessariamente derivar de norma constitucional explícita e inequívoca” (STF, ADI-MC 724-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 27-04-2001).
“As hipóteses de limitação da
iniciativa parlamentar estão previstas, em numerus
clausus, no artigo 61 da Constituição do Brasil --- matérias relativas ao
funcionamento da Administração Pública, notadamente no que se refere a
servidores e órgãos do Poder Executivo” (RT 866/112).
“A disciplina jurídica do
processo de elaboração das leis tem matriz essencialmente constitucional, pois
residem, no texto da Constituição - e nele somente -, os princípios que regem o
procedimento de formação legislativa, inclusive aqueles que concernem ao
exercício do poder de iniciativa das leis. - A teoria geral do processo
legislativo, ao versar a questão da iniciativa vinculada das leis, adverte que
esta somente se legitima - considerada a qualificação eminentemente
constitucional do poder de agir em sede legislativa - se houver, no texto da
própria Constituição, dispositivo que, de modo expresso, a preveja. Em
conseqüência desse modelo constitucional, nenhuma lei, no sistema de direito
positivo vigente no Brasil, dispõe de autoridade suficiente para impor, ao
Chefe do Executivo, o exercício compulsório do poder de iniciativa legislativa”
(STF, MS 22.690-CE, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 17-04-1997, v.u.,
DJ 07-12-2006, p. 36).
13. Como desdobramento particularizado do princípio da separação dos poderes (art. 5º, Constituição Estadual), a Constituição do Estado de São Paulo prevê no art. 24, § 2º, iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144). Não se verifica nesse preceito reserva de iniciativa legislativa instituída de maneira expressa, assim como no art. 47 (aplicável na órbita municipal por obra de seu art. 144) competência privativa do Chefe do Poder Executivo. O dispositivo consagra a atribuição de governo do Chefe do Poder Executivo, traçando suas competências próprias de administração e gestão que compõem a denominada reserva de Administração, pois, veiculam matérias de sua alçada exclusiva, imunes à interferência do Poder Legislativo.
14. Registro, na oportunidade, que
alegação dessa espécie foi rechaçada no Supremo Tribunal Federal ao resumir
que:
“Lei disciplinadora de atos de publicidade do Estado, que
independem de reserva de iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual, visto
que não versam sobre criação, estruturação e atribuições dos órgãos da
Administração Pública. Não-incidência de vedação constitucional (CF, artigo 61,
§ 1º, II, e)” (STF, ADI-MC 2.472-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Maurício Correa,
12-03-2002, v.u., DJ 03-05-2002, p. 13).
15. Tampouco é admissível a argüição de
ofensa ao art. 25 da Constituição Estadual. A lei local não criou encargo novo
para a Administração Pública municipal porque, como bem assinalado no
respeitável despacho denegatório da liminar, a divulgação oficial de
informações, para além da publicação dos atos da Administração no órgão oficial
(mantida pela lei), já existe; objetiva-se apenas, com a lei impugnada, prescrever
conteúdo suficiente da publicidade governamental. Ademais, o exame dessa
matéria demandaria análise de fato, que desborda dos estreitos limites desta
via.
16. Opino pela improcedência da ação.
São Paulo, 13 de outubro de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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