Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.199818-1/5

Requerente: Prefeito Municipal de Franca

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 7.351, de 08 de fevereiro de 2010, de Franca

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 7.351, de 08 de fevereiro de 2010, de Franca, que “dispõe sobre a instituição e o funcionamento de Praças de Alimentação Popular e dá outras providências”.

2)      Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Ausência de indicação das receitas para fazer frente às despesas geradas pela execução do programa (art. 25 da Constituição Paulista).

3)      Alteração do uso do solo urbano. Necessidade de planejamento específico e participação popular (art. 180, II e art. 181, § 1º da Constituição Paulista).

4)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Franca, tendo como alvo a Lei Municipal nº 7.351, de 08 de fevereiro de 2010, de Franca, que “dispõe sobre a instituição e o funcionamento de Praças de Alimentação Popular e dá outras providências”, fruto de iniciativa parlamentar.

Sustenta o autor que o ato normativo impugnado, oriundo de iniciativa parlamentar violou a regra da separação de poderes, e não indicou os recursos necessários para seu cumprimento, contrariando, desse modo, o disposto no art. 5º, bem como no art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo. Ademais, há necessidade de participação do Executivo na iniciativa de leis que alteram o uso do solo urbano, sendo violado o art. 180 e o art. 181 da Constituição Paulista.

Foi deferida a liminar, para suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 93).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa para o ato normativo impugnado (fls. 101, 113/115).

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 103/110).

É o relato do essencial.

A Lei Municipal nº 7.351, de 08 de fevereiro de 2010, de Franca, que “dispõe sobre a instituição e o funcionamento de Praças de Alimentação Popular e dá outras providências” (cópia juntada cf. fls. 89/90), fruto de iniciativa parlamentar, prevê, em síntese, que:

(a) ficam instituídas “Praças de Alimentação Popular, que funcionarão em áreas públicas urbanizadas reservadas para lazer” (art. 1º);

(b) funcionarão com instalação de boxes em áreas públicas (art. 2º);

(c) a administração municipal deverá edificar “compartimentos para comércio de alimentos”, com especificações indicadas na lei (art. 3º);

(d) prevê a celebração de contratos entre os autorizados e a Municipalidade (art. 4º, § 3º);

(e) prevê reservada de 10% de vagas para pessoas portadoras de deficiência (art. 6º).

Pode-se afirmar, portanto, que a lei impugnada: (a) trata do uso do solo urbano; (b) cuida de verdadeiro “programa” de administração (instituição das denominadas “Praças de Alimentação Popular”); (c) indica parâmetros concretos para a atuação da administração municipal (Poder Executivo).

A inconstitucionalidade se revela, portanto, por mais de um aspecto: (a) por criar programa de gestão por iniciativa do Legislativo; (b) por tratar do uso do solo urbano sem planejamento prévio específico e participação popular; (c) por não indicar as fontes de receitas para as despesas que provocará.

Examinemos essas diversas perspectivas.

         A lei de iniciativa parlamentar, desse modo, criou programa governamental, prevendo novas atribuições para órgãos da administração do Município.       

A inconstitucionalidade decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Abstraindo dos motivos que podem ter levado a tal solução legislativa, ela se apresenta inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão administrativa do Município.

Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712), anotando que:

“(...)

a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante.

(...)”.

 Sintetiza, ademais, que:

 “(...)

todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário.

(...)”

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.

Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade da adoção da regra da separação. Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente.

Acrescente-se que para a realização do programa será necessária a realização de despesas, sendo certo que o ato normativo impugnado não indicou a fonte das respectivas receitas.

Em casos assim, esse Colendo Órgão Especial tem, reiteradamente, reconhecido a inconstitucionalidade da norma por violação ao disposto no art. 25 da Constituição Paulista.

Mas não é só.

O ato normativo impugnado é fruto de iniciativa parlamentar. Foi discutido e aprovado na Câmara Municipal, sem que tenha havido efetivo planejamento, bem como oportunidade para participação popular.

Não há dúvida alguma quanto à indispensabilidade de planejamento prévio e de participação popular, princípios que devem ser observados na edição de leis relacionadas ao zoneamento e ao uso do solo, nos termos dos seguintes dispositivos da Constituição Paulista:

“(...)

Art.180. No estabelecimento de diretrizes e normas relativas ao desenvolvimento urbano, o Estado e os Municípios assegurarão:

(...)

II – a participação das respectivas entidades comunitárias no estudo, encaminhamento e solução dos problemas, plano, programas e projetos que lhes sejam concernentes;

(...)

Art.181. Lei municipal estabelecerá em conformidade com as diretrizes do plano diretor, normas sobre zoneamento, loteamento, parcelamento uso e ocupação do solo, índices urbanísticos, proteção ambiental e demais limitações administrativas pertinentes.

§1º. Os planos diretores, obrigatórios a todos os Municípios, deverão considerar a totalidade de seu território municipal. (g.n.)

(...)”

As expressões colocadas em destaque nos dispositivos acima transcritos (diretrizes, desenvolvimento urbano, participação, entidades comunitárias, planos, programas, projetos, diretrizes, plano diretor, uso e ocupação do solo, proteção ambiental, totalidade do território municipal), não deixam qualquer dúvida de que:

(a) é obrigatória a existência de Plano Diretor em todos os Municípios do Estado de São Paulo;

(b) a ocupação e uso do solo devem ser realizados mediante planejamento prévio e com imprescindível participação popular;

(c) esse planejamento e essa participação também são imprescindíveis no que diz respeito à ocupação e uso do solo com vistas à proteção ambiental;

(d) esse planejamento prévio e essa participação popular, que devem estar presentes no processo de elaboração da legislação referente ao uso e ocupação do solo, inclusive com vistas à proteção ambiental, devem ser feitas de modo global, ou seja, contextualizado, levando em consideração todo o território do Município, advindo daí a exigência de que todos os Municípios tenham Plano Diretor.

Em síntese: planejamento prévio e participação popular, nos termos acima delineados, são imprescindíveis à legitimidade constitucional da legislação relacionada o uso do solo.

O planejamento também é necessário na fase de elaboração do Plano Diretor. Mas não é suficiente por si só, pois todos e quaisquer projetos de lei ulteriores, que tratem do uso do solo e da proteção ambiental nesse uso, também devem ser submetidos a planejamento, agora específico.

Não fosse assim, o Plano Diretor, que contém apenas princípios e disposições genéricas, seria verdadeiro “cheque em branco” em favor da administração pública e do legislador local. E essa interpretação colocaria por terra os princípios do planejamento e da participação, que inspiram as diretrizes constitucionais para a edição legislativa nessa matéria.

Cumpre recordar que a exigência do plano diretor, como “instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana”, está assentada no §1º do art. 182 da Constituição da República. Também está assentada no art. 181, § 1º da Constituição Paulista, que exige que os planos diretores, obrigatórios em todos os Municípios, considerem a “totalidade de seu território municipal”.

Está nessa mesma ordem de ideias, por exemplo, o art. 182 caput da CR/88, estabelecendo que “a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes”.

Oportuno recordar, ademais, que o inciso VIII do art. 30 da CR/88 prevê a competência, dos Municípios, para promover o “adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento, e da ocupação do solo urbano”.

É possível extrair dos dispositivos acima apontados que: (a) a adequada política de ocupação e uso do solo é valor que conta com assento constitucional (federal e estadual); (b) a política de ocupação e uso adequado do solo se faz mediante planejamento e estabelecimento de diretrizes através de lei; (c) as diretrizes para o planejamento, ocupação e uso do solo devem constar do respectivo Plano Diretor, cuja elaboração depende de avaliação concreta das peculiaridades de cada Município; (d) a legislação específica sobre uso e ocupação do solo também deve pautar-se em adequado planejamento, a ser feito de forma global, considerando todo o território do Município.

A sistemática constitucional - relativa à necessidade de planejamento, diretrizes, e ordenação global da ocupação e uso do solo - evidencia que o casuísmo, nessa matéria, não é em hipótese alguma admissível.

O ato normativo que altera sensivelmente as condições, os limites e as possibilidades relativas ao uso e ocupação do solo do Município, sem realização de qualquer planejamento ou estudo específico, viola diretamente a sistemática constitucional na matéria.

Entendimento diverso tornará sem valor algum todo o trabalho realizado previamente para fins de elaboração e aprovação da Lei do Plano Diretor.

Tratando da elaboração do plano diretor do ordenamento urbano, anota Hely Lopes Meirelles (Direito Municipal Brasileiro, 6. ed., 3. tir., São Paulo, Malheiros, 1993, p. 393 e 395):

(...)

Toda cidade há que ser planejada: a cidade nova, para sua formação; a cidade implantada, para sua expansão; a cidade velha, para sua renovação. Mas não só o perímetro urbano exige planejamento, como também as áreas de expansão urbana e seus arredores, para que a cidade não venha a ser prejudicada no seu desenvolvimento e na sua funcionalidade pelos futuros núcleos urbanos que tendem a formar-se na periferia.

(...)

A elaboração do plano diretor é tarefa de especialistas nos diversificados setores de sua abrangência, devendo por isso mesmo ser confiada a órgão técnico da Prefeitura ou contratada com profissionais de notória especialização na matéria, sempre sob supervisão do Prefeito, que transmitirá as aspirações dos munícipes quanto ao desenvolvimento do Município e indicará as prioridades das obras e serviços de maior urgência e utilidade para a população.

(...)”

Tratando especificamente do problema da ocupação e uso do solo, José Afonso da Silva (Direito Urbanístico, 4. ed., São Paulo, Malheiros, 2006, p. 251), em lição que mutatis mutandis é aplicável à hipótese em exame, anota que a respectiva ordenação é um dos aspectos fundamentais do planejamento urbanístico, salientando ainda que:

“(...)

recomenda-se, nessas alterações, muito critério, a fim de que não se façam modificações bruscas entre o zoneamento existente e o que vai resultar da revisão. É preciso ter em mente que o zoneamento constitui condicionamento geral à propriedade, não indenizável, de tal maneira que uma simples liberação inconseqüente ou um agravamento menos pensado podem valorizar demasiadamente alguns imóveis, ao mesmo tempo que desvalorizam outros, sem propósito. É conveniente que o zoneamento resultante da revisão ou da alteração constitua uma progressão harmônica do zoneamento revisado ou alterado, para não causar impactos, que, por sua vez, geram resistências que dificultam sua implantação e execução. É prudente avançar devagar, mas com firmeza, energia e justiça.

(...)”

Destacando a importância do planejamento urbanístico e da necessária razoabilidade de que se deve revestir a legislação elaborada nesta matéria, recorda Toshio Mukai (Temas atuais de direito urbanístico e ambiental, Belo Horizonte, Editora Fórum, 2004, p. 29), que:

 “(...)

a ocupação e o desenvolvimento dos espaços habitáveis, sejam eles no campo ou na cidade, não podem ocorrer de forma meramente acidental, sob as forças dos interesses privados e da coletividade. Ao contrário, são necessários profundos estudos acerca da natureza da ocupação, sua finalidade, avaliação da geografia local, da capacidade de comportar essa utilização sem danos para o meio ambiente, de forma a permitir boas condições de vida para as pessoas, permitindo o desenvolvimento econômico-social, harmonizando os interesses particulares e os da coletividade.

(...)”

Do mesmo sentir é o pensamento de José dos Santos Carvalho Filho (Comentários ao Estatuto da Cidade, 2. ed., Rio de Janeiro, Lumen Juris Editora, 2006, p. 25/26), ao afirmar que o planejamento, em matéria urbanística, é:

“(...)
processo prévio de análise urbanística pelo qual o Poder Público formula os projetos para implementar uma política de transformação das cidades com a finalidade de alcançar o desenvolvimento urbano e a melhoria das condições de qualquer tipo de ocupação dos espaços urbanos.

(...)

constitui, indiscutivelmente, um dos princípios básicos do Poder Público.

(...)”

Deste modo, padece de inconstitucionalidade o ato normativo que, sem qualquer estudo prévio consistente – planejamento específico -, de forma casuística, e sem assegurar mínima participação popular, altera o regime jurídico relativamente ao zoneamento ou uso do solo, ferindo frontalmente o disposto nos art. 180 caput, inciso II, bem como o art. 181, caput, § 1º, ambos da Constituição Estadual; bem como, por força do art. 144 da Constituição Estadual, os princípios constitucionais estabelecidos nos art. 182, caput, § 1º, e o art. 30, inciso VIII da CR/88.

A necessidade de respeito à participação popular e planejamento específico relativamente à legislação que modifica o regime jurídico do uso do solo tem sido afirmada em julgados desse Colendo Órgão Especial. Confira-se:

“(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Ribeirão Preto. Lei Complementar n° 1.973, de 03 de março de 2006, de iniciativa de Vereador, dispondo sobre matéria urbanística, exigente de prévio planejamento. Caracterizada interferência na competência legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo local. Procedência da ação. (ADI 134.169-0/3-00, rel. des. Oliveira Santos, j. 19.12.2007, v.u.).

(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - Leis n°s. 11.764/2003, 11.878/2004 e 12.162/2004, do município de Campinas - Legislações, de iniciativa parlamentar, que alteram regras de zoneamento em determinadas áreas da cidade - Impossibilidade - Planejamento urbano - Uso e ocupação do solo - Inobservância de disposições constitucionais - Ausente participação da comunidade, bem como prévio estudo técnico que indicasse os benefícios e eventuais prejuízos com a aplicação da medida - Necessidade manifesta em matéria de uso do espaço urbano, independentemente de compatibilidade com plano diretor - Respeito ao pacto federativo com a obediência a essas exigências - Ofensa ao princípio da impessoalidade - Afronta, outrossim, ao princípio da separação dos Poderes - Matéria de cunho eminentemente administrativo – Leis dispuseram sobre situações concretas, concernentes à organização administrativa - Ação direta julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade das normas. (ADI 163.559-0/0-00, rel. des. Maurício Ferreira Leite, j. 10.02.2008).

(...)”

No mesmo sentido: ADI 118.767-0/5-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j.07.04.06; ADI 125.012-0/7-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j.02.08.06; ADI 130.137-0/9-00, rel. des. Debatin Cardoso, j. 25.10.06; ADI 125.642-0/1-00, rel. des. Walter de Almeida Guilherme, j. 07.04.06.

Em suma, pela natureza da matéria regulada e pelos requisitos que nosso sistema constitucional estabelece para a elaboração da legislação urbanística, é lícito afirmar que ela demanda planejamento administrativo específico. E o planejamento na ocupação e uso do solo das cidades é algo que só o Poder Executivo é habilitado, estrutural e tecnicamente, a fazer.

Considerando que ao Poder Legislativo cabe legislar, e ao Poder Executivo cabe administrar, é lícito concluir que é inconstitucional o ato legislativo que invade a esfera da gestão administrativa - que envolve atos de planejamento, estabelecimento de diretrizes e a realização propriamente dita do que foi estabelecido na fase do planejamento (atos administrativos concretos) – por violar a regra da separação de Poderes.

No caso ora examinado, como a iniciativa legislativa partiu de Vereadores, chega-se à conclusão de que o Legislativo Municipal violou a regra que exige independência e harmonia entre os Poderes, invadindo a esfera das atribuições do Executivo Municipal.

Por tais razões é que a Constituição Estadual, em dispositivo aplicável aos Municípios em função do seu art. 144 prevê, nos incisos II e XIV do seu art. 47 as atribuições privativas do Chefe do Executivo para “exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual”, bem como “praticar os demais atos de administração, nos limites da competência do Executivo”.

Vale, a propósito, colacionar precedentes desse Colendo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, acolhendo, em hipóteses análogas, a tese da inconstitucionalidade por violação da separação de Poderes, e por isso aplicáveis ao caso mutatis mutandis:

“(...)

Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei 3.801, de 01 de julho de 2004, do Município de Valinhos, que ‘cria zona corredor 1 – ZC1, nas ruas Martinho Leardine e Pedro Leardine e altera o zoneamento de Z2A para Z3B no JD. Paiquerê e no Condomínio residencial Millenium’. Lei apenas em sentido formal. Incompetência do Poder Legislativo Municipal. Matéria afeta ao Poder Executivo. Violação dos princípios da independência e harmonia dos poderes. Ação procedente. (TJSP, ADIN 119.158-0/3, Comarca de Valinhos, rel. Des. Denser de Sá, j. 02.02.2006).

(...)

Inconstitucionalidade. Ação Direta. Lei Complementar Municipal 1.482/03. ‘Autoriza, em caráter excepcional, atividades de prestação de serviços (clínicas de acupuntura, terapias e meditações) em trecho da Avenida Sumaré...’.Lei de iniciativa exclusiva do Prefeito. Ofensa à Constituição Estadual. Vício de iniciativa. Ação procedente. Inconstitucionalidade declarada. (TJSP, ADIN 115.322-0/3-00, Ribeirão Preto, rel. Des. Barbosa Pereira, j.27.07.2005).

(...)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei Complementar n° 294/05 do Município de Catanduva - Alteração de Zoneamento Urbano - Identificação de lotes que passam a ter característica comercial, em zona estritamente residencial – Inadmissibilidade - Vício de inconstitucionalidade, por motivo de vedada delegação de poder em matéria de reserva legal. Ação julgada procedente. (ADI 148.671-0/1-00, rel. des. Walter Swensson, j. 23.01.2008, v.u.).

(...)”

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 7.351, de 08 de fevereiro de 2010, de Franca.

 

São Paulo, 09 de setembro de 2010.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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