Parecer
Autos nº. 990.10.211149-0
Requerente: Prefeito Municipal de Buritama
Objeto: Emendas ns. 002/2008 e 001/2010 à Lei Orgânica, do Município de Buritama
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Leis Municipais. Iniciativa parlamentar. Necessidade de autorização legislativa para a prática de atos de gestão administrativa pelo chefe do Poder Executivo. 2) Violação da separação de poderes. Atos normativos que invadem a esfera da gestão administrativa (art.5º, 47 II e XIV da Constituição Paulista). 3) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Buritama, tendo por objeto as Emendas ns. 002/2008 e 001/2010 à Lei Orgânica, do Município de Buritama, que criaram a necessidade de autorização legislativa para concessão de "permissão" e "autorização", pelo chefe do Poder Executivo Municipal.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal, havendo afronta ao princípio da harmonia e independência entre os Poderes (art.5º e 47, incs. II e III da C.E.).
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 1231/232).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 241/243.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 246/248).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Em
que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se
transformando nas leis impugnadas nesta ação, os atos normativos são
verticalmente incompatíveis com nossa sistemática constitucional.
A Emenda n. 002/2008 deu nova redação aos parágrafos 3º e 4º, do art. 96, da Lei Orgânica Municipal, nos seguintes termos:
“Parágrafo 3º - A permissão, que poderá incidir sobre qualquer bem público, será feita a título precário, mediante autorização legislativa, excetuando-se eventos familiares e confraternizações promovidas por empresas do município, que será concedida por ato do poder executivo.
Parágrafo 4º - A autorização,
que poderá incidir sobre qualquer bem público, será feita mediante autorização legislativa, para atividades ou usos
específicos e transitórios, desde que seja justificado o interesse público,
pelo prazo máximo de 90 (noventa) dias, salvo quando para o fim de formar
canteiro de obra pública, caso em que o prazo corresponderá ao da duração da
obra". g.n.
E a Emenda n. 001/2010 determinou a seguinte nova redação ao parágrafo 3º, do art. 81 da Lei Orgânica:
"Parágrafo 3º - A permissão, que poderá incidir sobre qualquer bem público, será feita a título precário, mediante autorização legislativa, excetuando-se eventos familiares e confraternizações promovidas por empresas do município, que será concedida por ato do poder executivo; quando se tratar de eventos com fins lucrativos, estes só poderão ser realizados mediante compromisso de repasse ao Fundo Social de Solidariedade do Município, ou órgão que venha a substituí-lo, de valor não inferior a 20% da arrecadação obtida com a venda de ingressos e permanentes; nessa hipótese, fica autorizada ao Poder Executivo a regulamentação da forma de fiscalização do evento." g.n.
As leis, de
iniciativa parlamentar, estabelecem condutas a ser cumpridas pela Administração
Pública, prevendo, inclusive, a obrigação de regulamentar a forma de
fiscalização de eventos, além de exercer efetiva fiscalização destes.
Não há dúvida de que, como tal, a
iniciativa parlamentar, ainda que revestida de boas intenções, invadiu a esfera
da gestão administrativa, e como tal, é inconstitucional, por violar o disposto
no art.5º e no art.47 II e XIV da Constituição Paulista.
É ponto pacífico na doutrina, bem como na
jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
O legislador municipal, na hipótese analisada, criou
obrigações de cunho administrativo para a Administração Pública local, além de
retirar-lhe a discricionariedade na gestão administrativa do Município.
Abstraindo quanto aos motivos que podem ter levado a
tal solução legislativa, ela se apresenta como manifestamente inconstitucional,
por interferir na realização, em certa medida, da gestão administrativa do
Município.
Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder
Executivo, e envolve o planejamento, a
direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à
prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes
Meirelles, anotando que
“a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao
princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o
art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p.708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder
Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros
atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre
os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a
inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que
interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da
separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a
seguir:
“Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município
de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos
edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência
entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.”
(TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j.20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
Não bastasse
o acima exposto, em casos assim esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a
inconstitucionalidade de normas que criam despesas para o Poder Público, sem a
indicação das respectivas fontes de receita, em violação ao disposto no art.25
da Constituição Bandeirante. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes
julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j.
19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007,
v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade das Emendas ns. 002/2008 e 001/2010 à Lei Orgânica, do Município de Buritama.
São Paulo, 11 de agosto de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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