Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.212042-2

Requerente: Prefeito do Município de Guarujá

Objeto: Lei nº 3.600, de 18 de abril de 2008, do Município de Guarujá

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, promovida por Prefeito, da Lei nº 3.600, de 18 de abril de 2008, do Município de Guarujá, que “dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de “assédio moral” no âmbito do Poder Executivo e Legislativo Municipal”. Projeto de lei assinado por Vereador. Tema que faz parte do denominado “regime jurídico dos servidores públicos”, que reclama a iniciativa do chefe do Poder Executivo, nos termos do art. 24, § 2º, 4, c.c. o art. 144, da Constituição do Estado. Precedentes. Parecer pela procedência.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Guarujá, tendo por objeto a Lei nº 3.600/2008, que “dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de “assédio moral” no âmbito do Poder Executivo e Legislativo Municipal”.

O promovente esclarece que o ato normativo em análise, que institui penalidades para servidores públicos pela prática de “assédio moral”, deriva de projeto de Vereador. Por versar sobre regime jurídico de servidores públicos, a iniciativa caberia ao Prefeito, decorrendo, daí, o vício formal do processo legislativo. Aponta como violado o art. 5º da Constituição Paulista.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 62 e v°).

O Presidente da Câmara Municipal deixou de  prestar informações (fls. 75).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 72/74).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A lei impugnada veda a prática do assédio moral (art. 1º) e o tipifica como infração disciplinar (art. 2º). Prevê as hipóteses para essa conduta e as respectivas sanções (art. 4º).

A lei também prevê medidas de proteção ao servidor vítima de assédio moral (art. 7º).

Em outras palavras, a lei, de iniciativa parlamentar, promove a definição de assédio moral na Administração Pública direta e indireta e sua consequente responsabilidade administrativo-disciplinar por agentes públicos.

Ela implica, substancialmente, na criação de ilícito administrativo funcional e suas sanções.

Tal é matéria inerente ao regime jurídico do servidor público, pois, “a locução constitucional ‘regime jurídico dos servidores públicos’ corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus agentes” (STF, ADI-MC 766-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 03-09-1992, v.u., DJ 27-05-94, p. 13.186).

Nessa compreensão estão abrangidas as regras institutivas de direitos e obrigações, cuja “iniciativa é do Poder Executivo, conforme dispõe a alínea ‘c’ do inciso II do § 1º do artigo 61 da Constituição Federal” (RTJ 194/848).

Em dimensão mais global, assim se explica:

“Trata-se, em essência, de noção que, em virtude da extensão de sua abrangência conceitual, compreende todas as regras pertinentes (a) às formas de provimento; (b) às formas de nomeação; (c) à realização do concurso; (d) à posse; (e) ao exercício, inclusive as hipóteses de afastamento, de dispensa de ponto e de contagem de tempo de serviço; (f) às hipóteses de vacância; (g) à promoção e respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação final (cursos, títulos, interstícios mínimos); (h) aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária; (i) às reposições salariais e aos vencimentos; (j) ao horário de trabalho e ao ponto, inclusive os regimes especiais de trabalho; (k) aos adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias, ajudas de custo, e acumulações remuneradas; (l) às férias, licenças em geral, estabilidade, disponibilidade, aposentadoria; (m) aos deveres e proibições; (n) às penalidades e sua aplicação; (o) ao processo administrativo” (STF, ADI-MC 766-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 03-09-1992, v.u., DJ 27-05-94, p. 13.186 - grifei).

Por isso, a lei padece de vício formal, consistente na ofensa à regra da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo para dispor sobre o assunto, como decorrência do princípio da separação dos poderes.

A lei local impugnada ofende precisamente o art. 24, § 2º, 4, da Constituição Estadual, decorrente do art. 5º, da Constituição Estadual, que confere iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo para o regime jurídico dos servidores públicos – disposições estas aplicáveis aos Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual – e que, em síntese, reproduzem os arts. 2º, 25, 29, e 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal.

Nesse sentido, a jurisprudência do STF:

“Ação direta de inconstitucionalidade. - Já se firmou nesta Corte o entendimento de que, no tocante a leis que digam respeito a regime jurídico de servidor público, seu projeto é da iniciativa exclusiva do Governador do Estado-membro, aplicando-se-lhe, portanto, a norma que se encontra no artigo 61, II, ‘c’, da Constituição Federal. - No caso, como salientado na inicial, o projeto que deu margem à Lei objeto desta ação direta de inconstitucionalidade foi de iniciativa parlamentar, razão por que incorre ela em inconstitucionalidade formal. Ação julgada procedente, para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 9.844, de 24 de março de 1993, do Estado do Rio Grande do Sul” (STF, ADI 864-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves, 25-04-1996, m.v., DJ 13-09-1996,p. 33.231).

O tema, aliás, já foi enfrentado pelo E. Tribunal de Justiça em diversas oportunidades, das quais são exemplos os seguintes julgados:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal n° 10.195/2008, de São José do Rio Preto, emanada de proposição do Legislativo. Proibição da prática de assédio moral por agentes públicos, nas dependências da Administração Pública local, com cominação de penalidades. Vício de iniciativa. Matéria relativa ao regime jurídico dos servidores públicos e de iniciativa reservada ao chefe do Poder Executivo. Violação dos arts. 5o, caput, 24, § 2o, n° 4, e 144, da Constituição do Estado. Inconstitucionalidade declarada. Ação procedente (ADIN nº 994.08.014483-2, rel. Des. José Roberto Bedran, j. 11 Fev. 2009).

 

Ação direta de inconstitucionalidade - Ajuizamento pelo Prefeito de Presidente Prudente - Lei Municipal n. 6.123/03, que dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de "assedio moral" nas dependências da Administração Pública municipal direta e indireta por servidores públicos municipais - Matéria cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Executivo - Vício de iniciativa configurado - Violação nos artigos 5º e 144, da Constituição do Estado de São Paulo - Inconstitucionalidade configurada - Ação procedente (ADIN nº 994.06.013802-0, rel. Des. Walter de Almeida Guilherme, j. 19 Set. 2007).

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei de iniciativa de vereador, que dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de "assédio moral" nas dependências da administração pública municipal por servidores públicos municipais. Inadmissibilidade. Ato normativo que viola os princípios da separação de poderes e o da iniciativa reservada de lei ao Prefeito Municipal, afrontando artigos da Constituição Estadual Paulista. Pedido procedente (ADIN nº 994.06.011419-9, rel. Des. Canellas de Godoy, reg. 7 Ago. 2007).

 

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE DE LEI - Lei Municipal que dispõe sobre aplicação de penalidades à prática de assédio moral nas dependências da administração pública municipal, por servidores públicos municipais - Invasão da esfera da competência privativa do Poder Executivo - Ofensa ao princípio constitucional da separação dos poderes - Afronta aos artigos 5º, 24, § 2°, "4", 144, todos da Constituição Estadual - Inconstitucionalidade da lei - Procedência da ação (ADIN nº 994.03.007816-0, rel. Des. Di Prospero Gentil Leite, reg. 14 Abri. 2005).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 3.600, de 18 de abril de 2008, do Município de Mongaguá, que “dispõe sobre a aplicação de penalidades à prática de “assédio moral” no âmbito do Poder Executivo e Legislativo Municipal.

 

São Paulo, 09 de dezembro de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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