Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.218991-0

Requerente: Prefeito Municipal de Guarulhos

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6647, de 10 de março de 2010, de Guarulhos

 

 

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 6.647, de 10 de março de 2010, de Guarulhos, que “proíbe realização de eventos e/ou megaeventos na central de abastecimento Dr. Horácio de Almeida – Varejão Parque CECAP”.

2)      Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista).

3)      Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Guarulhos, tendo como alvo a Lei Municipal nº 6.647, de 10 de março de 2010, de Guarulhos, fruto de iniciativa parlamentar, que “proíbe realização de eventos e/ou megaeventos na central de abastecimento Dr. Horácio de Almeida – Varejão Parque CECAP”.

Sustenta o autor que o ato normativo impugnado, oriundo de iniciativa parlamentar violou a regra da separação de poderes, por interferir diretamente na gestão das atividades administrativas do Município. Aduz também que foram desrespeitados o caráter laico do Estado brasileiro, bem como os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Aponta, assim, contrariedade aos seguintes dispositivos da Constituição Paulista: art. 5º, art. 24, § 2º, n. 1 a 6, art. 47, II e XIV, art. 111, art. 144, art. 259; art. 236, I.

Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo (fls. 38/41).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa para o ato normativo impugnado (fls. 60, 62/64).

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 48/54).

É o relato do essencial.

A Lei Municipal nº 6647, de 10 de março de 2010, de Guarulhos, fruto de iniciativa parlamentar, que “proíbe realização de eventos e/ou megaeventos na central de abastecimento Dr. Horácio de Almeida – Varejão Parque CECAP”, tem a seguinte redação:

“(...)

Art. 1º. Fica proibida a realização de eventos e/ou megaeventos na Central de Atendimento Dr. Horácio de Almeida – Varejão do Parque CECAP, excetuando-se quermesse e festas juninas.

Art. 2º. As despesas decorrentes da execução desta Lei, correrão por verbas próprias, consignadas em Orçamento, suplementadas se necessário.

Art. 3º. Esta Lei entrará em vigor na data de sua publicação, revogadas as disposições em contrário.

(...)”

         A lei de iniciativa parlamentar, desse modo, configura verdadeiro ato administrativo, sendo apenas “formalmente” legislativo.

         Não há como negar que o estabelecimento, de antemão, da proibição de uso de espaços e bens públicos determinados, é medida de natureza essencialmente administrativa, cuja adoção ou não deve estar assentada, fundamentalmente, na esfera do próprio governo, por residir, entre outras coisas, na avaliação da oportunidade e conveniência de tal solução.

         Em outras palavras, cabe nitidamente ao administrador público, e não ao legislador, deliberar a respeito da utilização ou não de certo local público para qualquer finalidade comum ou incomum, expedindo, quando necessário, as adequadas autorizações.

A inconstitucionalidade decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Abstraindo dos motivos que podem ter levado a tal solução legislativa, ela se apresenta inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão administrativa do Município.

Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.

Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade da adoção da regra da separação.

Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente, não admitindo interpretações que signifiquem, na prática, interferência de um poder na esfera de atuação ontologicamente relacionada ao outro.

Esse é o motivo pelo qual deve ser reconhecida a inconstitucionalidade da lei.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 6647, de 10 de março de 2010, de Guarulhos.

São Paulo, 23 de setembro de 2010.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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