Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 990.10.223442-8

Requerente: Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de São José dos Campos

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei n. 421, de 08 de abril de 2010, do Município de São José dos Campos

 

Ementa:

1. Ação direta de inconstitucionalidade.  Inconstitucionalidade da Lei Complementar n. 421, de 08 de abril de 2010, do Município de São José dos Campos, que “cria e institui o Plano de Carreira e Vencimento dos ocupantes do cargo público de Médico, criado no Quadro de Pessoal da Prefeitura Municipal, altera o valor da remuneração da gratificação compensatória de que tratam os artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 245, de 12 de dezembro de 2002, altera a redação do artigo 3º da referida Lei Complementar, e dá outras providências.

2.  O ingresso no serviço público não assegura a definitividade do relacionamento funcional. É possível à Administração alterar por lei o regime jurídico de seus servidores. Opção política do legislador que, não sendo arbitrários ou inidôneos, atingem a finalidade constitucional, não podendo ser substituídos pela vontade do Tribunal. Direito de opção pelo regime anterior, que não assegura as mesmas possibilidades de ascensão e expectativas remuneratórias. Fato que não invalida o dispositivo que regula o exercício desse direito. Parecer pela improcedência da ação direta de inconstitucionalidade.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de São José dos Campos em face da Lei Complementar n. 421, de 08 de abril de 2010, do Município de São José dos Campos, que cria e institui o Plano de Carreira e Vencimento dos ocupantes do cargo público de Médico, criado no Quadro de Pessoal da Prefeitura Municipal, altera o valor da remuneração da gratificação compensatória de que tratam os artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 245, de 12 de dezembro de 2002, altera a redação do artigo 3º da referida Lei Complementar, e dá outras providências.

Sustenta o autor que o ato normativo impugnado cria uma mudança geral em todo o plano de carreira, além de ofender o princípio da isonomia, na medida em que haverá diferença salarial entre os ocupantes da mesma função.

Nos termos do art. 10 da Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, segundo o qual a medida cautelar na ação direta será concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, observado o disposto no art. 22, após a audiência dos órgãos ou autoridades dos quais emanou a lei ou ato normativo impugnado, que deverão pronunciar-se no prazo de cinco dias, o Ilustre Desembargador SOUZA NERY determinou a notificação do Chefe do Executivo de São José dos Campos e do Presidente da Câmara Municipal, a fim de que se manifestassem acerca da concessão da medida liminar (fls. 176).

A Municipalidade manifestou-se a fls. 191/196 e a Presidência da Câmara Municipal emitiu parecer a fls. 200/201.

É o relato do essencial.

Conforme se constata, a Lei n. 421, de 08 de abril de 2010, do Município de São José dos Campos, “cria e institui o Plano de Carreira e Vencimento dos ocupantes do cargo público de Médico, criado no Quadro de Pessoal da Prefeitura Municipal, altera o valor da remuneração da gratificação compensatória de que tratam os artigos 1º e 2º da Lei Complementar nº 245, de 12 de dezembro de 2002, altera a redação do artigo 3º da referida Lei Complementar, e dá outras providências”.

Muito embora as assertivas do autor, sobretudo no sentido de que a sistemática trazida pela Lei n. 421, de 08 de abril de 2010, do Município de São José dos Campos, impede que todos os servidores por ela abrangidos sejam promovidos ou progredidos, convém assinalar que o ingresso no serviço público não assegura a definitividade do relacionamento funcional. Perseguindo o interesse público, é sempre possível à Administração alterar o regime jurídico de seus funcionários, desde que o faça através de lei de iniciativa do Chefe do Poder Executivo (Oliveira, Regis Fernandes. Servidores Públicos. 2ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 35).

Diógenes Gasparini fala da existência de um princípio, o da “mutabilidade do regime jurídico da prestação”, incidente sobre a Administração Pública, que a autoriza a promover mudanças no regime de prestação do serviço público, visando à sua conformação com o interesse da coletividade. E afirma: “em razão disso, os usuários e os servidores não podem opor-se a ditas modificações” (Direito Administrativo. 13ª. ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 299).

O Constituinte, aliás, manifestou intenção de profissionalizar a Administração (art. 39, § 2º, CF), decorrendo daí o dever do ente político de instituir regime jurídico e planos de carreira para seus servidores (art. 39 da CF, cf. ADI 2.135-4-DF). Assim, a solução legal é razoável e atende à isonomia e ao princípio da moralidade administrativa, pois concede aos servidores mais bem qualificados a ascensão profissional, tratando desigualmente os desiguais.

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, “o princípio da isonomia preceitua que sejam tratadas igualmente as situações iguais e desigualmente as desiguais” (O Conteúdo Jurídico do Princípio da Igualdade, 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 35).

No regime da Constituição revogada, “uma vez aberta a porta do serviço público a uma determinada pessoa, ela não mais se fechava, não importando que as atribuições do cargo para o qual se habilitou inicialmente fossem diametralmente diversas daquelas do cargo para onde se transferia (...). Assim, para chegar-se a cargo de nível superior, muitas vezes o interessado submetia-se a concurso destinado a cargos subalternos, para, após o interregno exigido por lei, valer-se de influências políticas que o conduzissem a cargo mais elevado através de transferência, acesso, ascensão ou tantos outros artifícios espúrios” (Oliveira, Antônio Flávio de. Servidor público: remoção, cessão, enquadramento e redistribuição. 2ª. ed., rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 23).

Nesse ponto há de se lembrar que a Emenda Constitucional 19/98 instituiu entre nós a possibilidade de se realizar avaliações periódicas do desempenho de servidores, com o que se demonstra que já não é mais desejável que, com o simples decorrer do tempo, o servidor acomodado ou negligente permaneça no serviço público ou ascenda na carreira ou aos cargos de maior hierarquia.

O controle de constitucionalidade concentrado é um processo objetivo, instaurado para a verificação da compatibilidade da norma (abstratamente considerada) com a Constituição. Não se presta à controvérsia resultante de interesses individuais ou coletivos específicos (Palu, Oswaldo Luiz. Controle de Constitucionalidade. 2ª. ed., rev., ampl. e atual. de acordo com as Leis 9.868 e 9882/99. São Paulo: RT, 2001, p. 192), nem permite que o Tribunal substitua o legislador e disponha sobre como o tema deve ser regulado, pretensão, ao que parece, perseguida na presente lide. A propósito, diz o Supremo Tribunal Federal:

“... a ação declaratória de inconstitucionalidade, quando ajuizada em face de um comportamento do Poder Público, não legitima, em face de sua natureza mesma, a adoção de quaisquer providências satisfativas tendentes a caracterizar o atendimento de injunções determinadas pelo Tribunal. Em uma palavra: a ação direta não pode ultrapassar, sob pena de descaracterizar-se como via de tutela abstrata do direito constitucional positivo, os seus próprios fins, que se traduzem na exclusão, do ordenamento estatal, dos atos incompatíveis com o texto da Constituição. O Supremo Tribunal Federal, ao exercer em abstrato a tutela jurisdicional do direito objetivo positivado na Constituição da República, atua, apenas, como legislador negativo” (ADI 732-RJ, Celso de Mello, RTJ 143/57).

Sobre o princípio da razoabilidade, ensina Carlos Roberto de Siqueira:

“A moderna teoria constitucional tende a exigir que as diferenciações normativas sejam razoáveis e racionais. Isto quer dizer que a norma classificatória não deve ser arbitrária, implausível ou caprichosa, devendo, ao revés, operar como meio idôneo, hábil e necessário ao atingimento de finalidades constitucionalmente válidas. Para tanto, há de existir uma indispensável relação de congruência entre a classificação em si e o fim a que ela se destina. Se tal relação de identidade entre meio e fim - ‘means-end relationship’, segundo a nomenclatura norte-americana - da norma classificatória não se fizer presente, de modo que a distinção jurídica resulte leviana e injustificada, padecerá ela do vício da arbitrariedade, consistente na falta de ‘razoabilidade’ e de ‘racionalidade’, vez que nem mesmo ao legislador legítimo, como mandatário da soberania popular, é dado discriminar injustificadamente entre pessoas, bens e interesses na sociedade política. (O Devido processo legal e a razoabilidade das leis na nova constituição do Brasil, Forense, 1989, p. 157).

O critério da lei não se afigura arbitrário, implausível ou caprichoso. Não há, a olho desarmado, flagrante incoerência ou evidente descompasso entre a relação de meio e fim.

Cuida-se, outra vez, de uma opção do legislador que, ainda que não seja a melhor (o que se admite apenas para argumentar), é insubstituível, ou seja, intangível pelo Poder Judiciário, por decorrer do exercício estrito da competência legislativa. Remarque-se, ainda, que o art. 30 do diploma guerreado afirma que “O servidor ingresso no serviço público municipal antes da vigência desta Lei Complementar, poderá optar pelo Plano de Carreira e Vencimento do qual ela trata, no prazo máximo de 24 (vinte e quatro) meses, contados da entrada em vigor desta Lei Complementar”, sendo certo que, logo em seguida, no art. 31, reza que “para a opção e o enquadramento ao novo Plano de Carreira e Vencimento instituído por esta Lei Complementar o servidor interessado deverá manifestar sua intenção por meio de requerimento, mediante processo administrativo, encaminhado ao Secretário de Saúde ou ao Secretário de Administração, conforme o caso”.

Como já afirmado, o servidor público não possui direito subjetivo à imutabilidade do regime jurídico. O interesse público pode determinar a modificação do regime jurídico – por lei – para a adequação da carreira às novas demandas da Administração.

Aliás, “é comum, na prática, que a modificação que determina o enquadramento do servidor acarrete mudança no padrão de seus vencimentos, não obstante essa alteração não seja essencial no enquadramento, porquanto para que fique caracterizada a sua realização basta apenas que tenha ocorrido a alteração da base jurídica que dá amparo à carreira do servidor” (Oliveira, Antônio Flávio de. Servidor público: remoção, cessão, enquadramento e redistribuição. 2ª. ed., rev. e ampl., Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 42).

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da improcedência da ação direta, declarando-se a constitucionalidade da Lei Complementar n. 421, de 08 de abril de 2010, do Município de São José dos Campos.

 

São Paulo, 12 de novembro de 2010.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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