Ação Direta de Inconstitucionalidade

Processo nº 990.10.224483-0

Autor: Prefeita Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo

Objeto: Lei Municipal nº 2.429, de 06 de maio de 2010, de Santa Cruz do Rio Pardo

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Criação de Conselho Municipal. 2) Lei de iniciativa parlamentar. Violação de reserva de iniciativa do Executivo (criação de órgão e matéria orçamentária). Quebra da separação de poderes (criação de programa governamental).   3) Criação de novas despesas sem a indicação da respectiva fonte de receitas.  4)  Incompatibilidade vertical com dispositivos da Constituição Paulista (art.5º; art.24 §2º n.2; art.25; art.47 II e XIV; art.144). 5) Inconstitucionalidade reconhecida.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

 

 

         Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pela Senhora Prefeita Municipal de Santa Cruz do Rio Pardo, tendo como alvo a Lei Municipal nº 2.429, de 06 de maio de 2010, daquele Município, sob a alegação de: (a) vício de iniciativa; (b) quebra da separação de poderes; (c) criação de despesas sem indicação da fonte de receitas. Apontou assim para a violação dos seguintes dispositivos da Constituição Paulista: art.5º; 24,§2º; 25, 37, 47 II, 144, 174, I, II e III e 176 I.

         Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo impugnado (fls.125/133).

         Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de realizar a defesa do ato normativo (fls.143/145).

         A Presidência da Câmara Municipal prestou informações (fls.147/150).

         Este é o breve relato do que consta dos autos.

Do ato normativo impugnado.

         Lei Municipal nº 2.429, de 06 de maio de 2010, de Santa Cruz do Rio Pardo, fruto de iniciativa parlamentar, que “Dispõe sobre a criação do CONSELHO MUNICIPAL DO CARNAVAL”, tem a seguinte redação, no que interessa:

"Artigo 1º - Fica criado o Conselho Municipal do Carnaval, órgão vinculado à Secretaria Municipal de Cultura, com a finalidade de organizar o Carnaval do Município, competindo-lhe:

I- definir o calendário do Carnaval;

II- estudar, detalhada e isoladamente, cada festa constante do Carnaval, programando as suas realizações;

III- congregar pessoas e entidades com vistas à promoção e organização do Carnaval;

IV - exercer outras atividades relacionadas com o Carnaval popular."

         Entretanto, em que pese a boa intenção do Poder Legislativo Municipal, retratada no ato normativo direcionado à realização das festividades carnavalescas, o diploma é verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional.

Mérito: vício de iniciativa e separação de poderes.

         A lei em epígrafe, fruto de iniciativa parlamentar, apresenta vertical incompatibilidade com a Constituição do Estado, tanto por vício de iniciativa como pela quebra da regra da separação de poderes, na medida em que cria órgão na Administração Pública Municipal, o denominado Conselho Municipal do Carnaval.

         Nesse contexto, fica patenteada a ocorrência: (a) da quebra da separação de poderes (art.5º, 47 II e XIV da Constituição Paulista); (b) do vício de iniciativa, por criação de órgão administrativo e regulação de matéria orçamentária (art.24 §2º n.2, e art.174 da Constituição Paulista); (c) de criação de novas despesas sem a indicação da respectiva fonte de receita (art.25 da Constituição do Estado). Todas estas diretrizes são aplicáveis aos Municípios por força do art.144 da Constituição Paulista.

         A iniciativa reservada do Executivo é fruto de disciplina expressa, não podendo o Poder Legislativo dar início a projeto de lei destinado à criação de órgão público, sem quebra do princípio da separação de poderes. Quando o legislador, a pretexto de legislar, administra, configura-se o desrespeito à independência e harmonia entre os poderes.

         Nestes termos, a disciplina legal findou, efetivamente, invadindo a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, envolvendo o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo.

         Cumpre recordar, nesse passo, o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regras para a Administração; a Prefeitura as executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15ªed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p.708 e 712).

         Exatamente esta é a hipótese dos autos.

         Em situações análogas esse E. Órgão Especial tem reconhecido a inconstitucionalidade do ato normativo por quebra do princípio de separação de poderes.

         É o que se infere dos julgados a seguir transcritos, mutatis mutandis aplicáveis ao caso em exame:

“Ao executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADI n. 53.583-0, rel. Des. Fonseca Tavares).

“Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 2º da Lei Municipal 10975/2006, de Ribeirão Preto. Legislação, de iniciativa parlamentar, que determina a obrigatoriedade da inscrição ‘Patriota brasileira assassinada pela ditadura militar’ em placa indicativa de logradouro ou próprio municipal. Impossibilidade. Matéria de cunho eminentemente administrativo atinente a planejamento e ordenamento urbano. Função legislativa da Câmara de Vereadores possui caráter genérico e abstrato. Lei dispôs de maneira concreta, com caráter de obrigatoriedade, afrontando o princípio da separação dos poderes. Procedência” (ADI 147.772.0/5-00, rel. des. Maurício Ferreira Leite, j. 03.10.2007).

“Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Municipal n° 6.641, de 31 de julho de 2006, que dispõe sobre a obrigatoriedade de fixação de quadro informativo com nome, registro e especialidade de profissional médico de plantão nos pronto-socorros e unidades básicas de saúde - Ato típico de administração, cujo exercício e controle cabe ao Chefe do Poder Executivo - Ofensa ao princípio da separação dos poderes - Criação de despesas não previstas no orçamento - Afronta aos artigos 5º, 25 e 144, ambos da Constituição Estadual - Ação procedente.”(ADI 149.363-0/3-00, rel. des. Debatin Cardoso, j. 03.10.2007).

         Somem-se, ainda, a estes, aqueles reproduzidos no despacho que concedeu a liminar (fls.125/133).

         Acrescente-se, por fim, que em casos como o presente esse Colendo Órgão Especial tem reconhecido a inconstitucionalidade da norma com fundamento no art.25 da Constituição do Estado. Confiram-se, a título de exemplificação, recentes julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.

         Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência desta ação direta, com a declaração da inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.429, de 06 de maio de 2010, de Santa Cruz do Rio Pardo.

São Paulo, 17 de agosto de 2010.

 

      Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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