Parecer
Autos nº. 990.10.226035-6
Requerente: Prefeito do Município de Taiuva
Objeto: Lei nº 1.964, de 26 de fevereiro de 2010, do Município de Taiuva
Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade promovida pelo Prefeito Municipal, tendo por objeto a Lei nº 1.964, de 26 de fevereiro de 2010, do Município de Taiuva, que “dispõe sobre a aplicação de penalidade a prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal Direta por Servidores Públicos Municipais”. Projeto de lei de Vereador. Matéria, contudo, cuja iniciativa é privativa do Prefeito. Ofensa ao princípio da separação dos Poderes (art. 2º da Constituição Federal; 5º, 47, II, e 144 da Constituição do Estado). Parecer pela procedência da ação.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito do Município de Taiuva, tendo por objeto a Lei nº 1.964, de 26 de fevereiro de 2010, daquele município, que “dispõe sobre a aplicação de penalidade a prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal Direta por Servidores Públicos Municipais”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 31).
O Presidente da Câmara Municipal prestou informações (fls. 45/50), defendendo a constitucionalidade da norma.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 41/43).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Assim dispõe a impugnada norma, no que interessa:
"Artigo 1º - Ficam os servidores públicos municipais sujeitos às seguintes penalidades administrativas na prática de assédio moral, nas dependências do local de trabalho:
I- Advertência por escrito.
II- Suspensão, impondo-se ao funcionário a participação em curso de comportamento profissional.
III- Demissão
Parágrafo Único - No caso de suspensão, o funcionário deverá freqüentar um curso de comportamento profissional, apresentando documento que comprove sua freqüência, e cumprir meio expediente.
Artigo 2º - Considera-se assédio moral todo o tipo de conduta abusiva que atente, de forma repetitiva e sistemática, contra a dignidade ou integridade psíquica ou física de um funcionário, ameaçando seu emprego ou degradando o meio ambiente do trabalho.
Parágrafo 1º - Considera-se assédio moral, dentre outras formas de perseguição:
1) marcar tarefas com prazos impossíveis;
2) passar o servidor de uma área de responsabilidade para funções triviais, sem a devida explicação por escrito;
3) tomar crédito das idéias de outrem;
4) ignorar ou excluir um funcionário só se dirigindo a ele através de terceiros;
5) sonegar informações de forma insistente;
6) espalhar rumores maliciosos;
7) criticar o funcionário com persistência;
8) subestimar esforços;
9) fomentar a discórdia e a disputa entre funcionários;
10) agrupar-se com o fim de desestabilizar o superior hierárquico; e
11) deixar de exercer suas tarefas com a finalidade de prejudicar o superior ou o grupo de trabalho
Parágrafo 2º - Estende-se ao trabalhador celetista, prestador de serviços à administração direta, indireta ou empresas públicas, os benefícios desta Lei.
Artigo 3º - Os procedimentos administrativos serão iniciados por provocação da parte ofendida ou pela autoridade que tiver conhecimento da infração funcional.
Parágrafo Único - Fica assegurado ao servidor o direito de ampla defesa das acusações que lhe forem imputadas, sob pena de nulidade.
Artigo 4º - As penalidades a serem aplicadas serão decididas em processo administrativo de forma progressiva, considerada a reincidência e a gravidade da ação."
Em que pesem os elevados propósitos que a inspiraram, a Lei nº 1.964, de 26 de fevereiro de 2010, do Município de Taiuva é de fato incompatível com os artigos 5º; 24, §2º, item 4 e 47, II, da Constituição do Estado, abaixo reproduzidos:
"Art. 5º - São Poderes do Estado, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Art. 24. (....)
Parágrafo 2º - Compete, exclusivamente ao Governador do
Estado a iniciativa das leis que disponham sobre:
4- servidores públicos do Estado, seu regime jurídico,
provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria.
Art. 47 - Compete privativamente ao Governador, além de
outras atribuições previstas nesta Constituição (...)
II - exercer, com o auxílio dos Secretários de Estado, a direção superior da administração estadual’
É que a Constituição do Estado, em simetria com o modelo Federal, não concede ao parlamentar a iniciativa de leis que disponham sobre o serviço público e seu regime jurídico.
Pode-se afirmar que tal matéria é inerente ao regime jurídico do
servidor público, pois, “a locução constitucional ‘regime
jurídico dos servidores
públicos’ corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos
aspectos das relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os
seus agentes” (STF, ADI-MC 766-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de
Mello, 03-09-1992, v.u., DJ 27-05-94, p. 13.186). Nessa compreensão estão
abrangidas as regras institutivas de direitos e obrigações e cuja “iniciativa é do Poder Executivo, conforme
dispõe a alínea ‘c’ do inciso II do § 1º do artigo 61 da Constituição Federal” (RTJ
194/848). Em dimensão mais global, assim se explica:
“Trata-se, em essência, de noção que,
em virtude da extensão de sua abrangência conceitual, compreende todas as regras pertinentes (a) às formas de provimento; (b)
às formas de nomeação; (c) à
realização do concurso; (d) à posse;
(e) ao exercício, inclusive as
hipóteses de afastamento, de dispensa de ponto e de contagem de tempo de
serviço; (f) às hipóteses de
vacância; (g) à promoção e
respectivos critérios, bem como avaliação do mérito e classificação final
(cursos, títulos, interstícios mínimos); (h)
aos direitos e às vantagens de ordem pecuniária; (i) às reposições salariais e aos vencimentos; (j) ao horário de trabalho e ao ponto, inclusive os regimes
especiais de trabalho; (k) aos
adicionais por tempo de serviço, gratificações, diárias, ajudas de custo, e
acumulações remuneradas; (l) às
férias, licenças em geral, estabilidade, disponibilidade, aposentadoria; (m) aos deveres e proibições; (n) às penalidades e sua aplicação; (o) ao processo administrativo” (STF,
ADI-MC 766-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 03-09-1992, v.u.,
DJ 27-05-94, p. 13.186).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - POLICIAL
MILITAR - REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS - PROCESSO LEGISLATIVO -
INSTAURAÇÃO DEPENDENTE DE INICIATIVA CONSTITUCIONALMENTE RESERVADA AO CHEFE DO
PODER EXECUTIVO - DIPLOMA LEGISLATIVO ESTADUAL QUE RESULTOU DE INICIATIVA
PARLAMENTAR - INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA . OS
PRINCÍPIOS QUE REGEM O PROCESSO LEGISLATIVO IMPÕEM-SE À OBSERVÂNCIA DOS
ESTADOS-MEMBROS. - O modelo estruturador do processo legislativo, tal como
delineado em seus aspectos fundamentais pela Carta da República, impõe-se,
enquanto padrão normativo de compulsório atendimento, à observância
incondicional dos Estados-membros. Precedentes. - O desrespeito à prerrogativa
de iniciar o processo legislativo, que resulte da usurpação do poder sujeito à
cláusula de reserva, traduz vício jurídico de gravidade inquestionável, cuja
ocorrência reflete típica hipótese de inconstitucionalidade formal, apta a
infirmar, de modo irremissível, a própria integridade do ato legislativo
eventualmente editado. Nem mesmo a ulterior aquiescência do Chefe do Poder
Executivo, mediante sanção do projeto de lei, ainda quando dele seja a
prerrogativa usurpada, tem o condão de sanar esse defeito jurídico radical.
Insubsistência da Súmula nº 5/STF, motivada pela superveniente promulgação da
Constituição Federal de 1988. Doutrina. Precedentes. SIGNIFICAÇÃO
CONSTITUCIONAL DO REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS (CIVIS E MILITARES).
- A locução constitucional ‘regime jurídico dos servidores públicos’
corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os diversos aspectos das
relações, estatutárias ou contratuais, mantidas pelo Estado com os seus
agentes”
(STF, ADI-MC 1.381-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de
Mello, 07-12-1995, v.u., DJ 06-06-2003, p. 29).
Destarte, padece de vício formal a lei local consistente na ofensa
à regra da iniciativa legislativa reservada do Chefe do Poder Executivo para
dispor sobre o assunto, como decorrência do princípio da separação dos poderes.
A lei local impugnada ofende precisamente o art. 24, § 2º, 4, da
Constituição Estadual, decorrente do art. 5º, da Constituição Estadual, que
confere iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo para o
regime jurídico dos servidores públicos – disposições estas aplicáveis aos
Municípios por força do art. 144 da Constituição Estadual – e que, em síntese,
reproduzem os arts. 2º, 25, 29, e 61, § 1º, II, c, da Constituição Federal.
Voto do Ministro Celso de Mello assinala que assim dispunha a
Constituição de 1967 na redação dada pela Emenda n. 01/69 e que:
“o quadro normativo positivado no
texto constitucional de 1969 não sofreu,
nesse ponto, qualquer transformação, subsistindo,
em conseqüência, em face do que prescreve o art. 61, § 1º, II, c, da
Constituição de 1988, os mesmos princípios
consagrados pela Carta Política anterior. Vale
dizer: a definição do regime jurídico dos servidores públicos da União,
quaisquer que sejam os Poderes da República a que estejam vinculados, continua a ter, na lei em sentido formal, de iniciativa reservada ao Presidente da República, a sua específica sedes materiae” (STF, MS 22.644-DF,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 01-09-1999, v.u., DJ 19-11-1999, p.
56).
Trata-se de preceito extensível e de observância simétrica que
limita a auto-organização dos Estados e Municípios. As regras básicas do
processo legislativo federal são de absorção ou observância obrigatória no
plano estadual – e, consequentemente, no municipal - por sua implicação com o
princípio fundamental da separação dos poderes:
“Ação direta de inconstitucionalidade. - Já se
firmou nesta Corte o entendimento de que, no tocante a leis que digam respeito
a regime jurídico de servidor público, seu projeto é da iniciativa exclusiva do
Governador do Estado-membro, aplicando-se-lhe, portanto, a norma que se
encontra no artigo 61, II, ‘c’, da Constituição Federal. - No caso, como
salientado na inicial, o projeto que deu margem à Lei objeto desta ação direta
de inconstitucionalidade foi de iniciativa parlamentar, razão por que incorre
ela em inconstitucionalidade formal. Ação julgada procedente, para declarar a
inconstitucionalidade da Lei nº 9.844, de 24 de março de 1993, do Estado do Rio
Grande do Sul” (STF, ADI 864-RS, Tribunal Pleno, Rel. Min. Moreira Alves,
25-04-
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 10.076
DE 02 DE ABRIL DE 1996 DO ESTADO DE SANTA CATARINA, PELA QUAL FORAM CANCELADAS
PUNIÇÕES APLICADAS A SERVIDORES CIVIS E MILITARES NO PERÍODO DE 1º DE JANEIRO
DE 1991 ATÉ A DATA DE SUA EDIÇÃO. ALEGADA OFENSA AOS ARTS. 2º E 5º, XXXVI, 61,
§ 1º, II, C, DA CONSTITUIÇÃO. Plausibilidade do fundamento da
inconstitucionalidade formal, dado tratar-se de lei que dispõe sobre servidores
públicos, que não teve a iniciativa do Chefe do Poder Executivo estadual, como
exigido pela norma do art. 61, § 1º, II, c, da Constituição, corolário do
princípio da separação dos Poderes, de observância imperiosa pelos estados
membros, na forma prevista no art. 11 do ADCT/88. Conveniência da pronta
suspensão de sua eficácia. Cautelar deferida” (STF, ADI-MC 1.440-SC, Tribunal
Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 30-05-
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI
COMPLEMENTAR N. 792, DO ESTADO DE SÃO PAULO. ATO NORMATIVO QUE ALTERA PRECEITO
DO ESTATUTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS ESTADUAIS. OBSERVÂNCIA DOS PRINCÍPIOS
CONSTITUCIONAIS NO PROCESSO LEGISLATIVO ESTADUAL. PROJETO DE LEI VETADO PELO
GOVERNADOR. DERRUBADA DE VETO. USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DO CHEFE DO
PODER EXECUTIVO. AFRONTA AO DISPOSTO NO ARTIGO 61, § 1º, II, C, DA CONSTITUIÇÃO
DO BRASIL.
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 7.000,
16 DE JANEIRO DE 1.997, DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE. CONCESSÃO DE ANISTIA
ÀS FALTAS PRATICADAS POR SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS. VIOLAÇÃO DO DISPOSTO
NOS ARTIGOS 37, CAPUT E INCISO II, E 61, § 1º, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. O
artigo 61, § 1º, inciso II, alínea ‘c’, da Constituição do Brasil foi alterado
pela EC 19/98. A modificação não foi todavia substancial, consubstanciando mera
inovação na sua redação.
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI
ESTADUAL, DE INICIATIVA PARLAMENTAR, QUE INTERVÉM NO REGIME JURÍDICO DE
SERVIDORES PÚBLICOS VINCULADOS AO PODER EXECUTIVO - USURPAÇÃO DO PODER DE
INICIATIVA RESERVADO AO GOVERNADOR DO ESTADO - INCONSTITUCIONALIDADE - CONTEÚDO
MATERIAL DO DIPLOMA LEGISLATIVO IMPUGNADO (LEI Nº 6.161/2000, ART. 70) QUE
TORNA SEM EFEITO ATOS ADMINISTRATIVOS EDITADOS PELO GOVERNADOR DO ESTADO - IMPOSSIBILIDADE
- OFENSA AO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO - MEDIDA
CAUTELAR DEFERIDA, COM EFICÁCIA EX TUNC. PROCESSO LEGISLATIVO E INICIATIVA
RESERVADA DAS LEIS. - O desrespeito à cláusula de iniciativa reservada das
leis, em qualquer das hipóteses taxativamente previstas no texto da Carta
Política, traduz situação configuradora de inconstitucionalidade formal,
insuscetível de produzir qualquer conseqüência válida de ordem jurídica. A
usurpação da prerrogativa de iniciar o processo legislativo qualifica-se como
ato destituído de qualquer eficácia jurídica, contaminando, por efeito de
repercussão causal prospectiva, a própria validade constitucional da lei que
dele resulte. Precedentes. Doutrina. O CONCURSO PÚBLICO REPRESENTA GARANTIA
CONCRETIZADORA DO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. - O respeito efetivo à exigência de
prévia aprovação em concurso público qualifica-se, constitucionalmente, como
paradigma de legitimação ético-jurídica da investidura de qualquer cidadão em
cargos, funções ou empregos públicos, ressalvadas as hipóteses de nomeação para
cargos em comissão (CF, art. 37, II). A razão subjacente ao postulado do
concurso público traduz-se na necessidade essencial de o Estado conferir
efetividade ao princípio constitucional de que todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, vedando-se, desse modo, a prática
inaceitável de o Poder Público conceder privilégios a alguns ou de dispensar
tratamento discriminatório e arbitrário a outros. Precedentes. Doutrina.
RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E SEPARAÇÃO DE PODERES. - O princípio constitucional
da reserva de administração impede a ingerência normativa do Poder Legislativo
em matérias sujeitas à exclusiva competência administrativa do Poder Executivo.
É que, em tais matérias, o Legislativo não se qualifica como instância de
revisão dos atos administrativos emanados do Poder Executivo. Precedentes. Não
cabe, desse modo, ao Poder Legislativo, sob pena de grave desrespeito ao
postulado da separação de poderes, desconstituir, por lei, atos de caráter
administrativo que tenham sido editados pelo Poder Executivo, no estrito
desempenho de suas privativas atribuições institucionais. Essa prática
legislativa, quando efetivada, subverte a função primária da lei, transgride o
princípio da divisão funcional do poder, representa comportamento heterodoxo da
instituição parlamentar e importa em atuação ultra vires do Poder Legislativo,
que não pode, em sua atuação político-jurídica, exorbitar dos limites que
definem o exercício de suas prerrogativas institucionais” (STF, ADI-MC
2.364-AL, Tribunal Pleno, Rel. Min. Celso de Mello, 01-08-2001, v.u., DJ
14-12-2001, p. 23).
A interpretação da Corte Constitucional reputa inconstitucional
disposição de Constituição Estadual que, em verdade, traduza fraude ou obstrução antecipada ao
jogo, na legislação ordinária, das regras básicas do processo legislativo,
mormente as tangentes à reserva de iniciativa legislativa, pela elevação ao
nível constitucional estadual de assuntos miúdos do regime jurídico dos
servidores públicos, sem correspondência no modelo constitucional federal:
“O PODER DE ELABORAR A CARTA POLÍTICA DO ESTADO,
CONFERIDO PELO ART. 11 DO ADCT/88, A ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA, NÃO COMPREENDE O
DE INSERIR NO REFERIDO DIPLOMA NORMAS PRÓPRIAS DO PODER LEGISLATIVO ORDINÁRIO,
EXERCIDO PELO REFERIDO ÓRGÃO, NÃO DE MODO EXCLUSIVO, MAS COM OBSERVÂNCIA
INDISPENSÁVEL AO PRINCÍPIO DA COLABORAÇÃO DOS DEMAIS PODERES. CONFIGURAÇÃO, NO
PRESENTE CASO, DE FLAGRANTE VIOLAÇÃO AO REFERIDO PRINCÍPIO” (STF, ADI 233-RJ,
Tribunal Pleno, Rel. Min. Ilmar Galvão, 12-11-
“Servidor público: remuneração: equiparação, por
norma constitucional estadual, de Procuradores Autárquicos e Procuradores do
Estado, em vencimentos e vantagens: inconstitucionalidade formal e material. I.
Processo legislativo: modelo federal: iniciativa legislativa reservada:
aplicabilidade, em termos, ao poder constituinte dos Estados-membros. 1. As
regras básicas do processo legislativo federal são de absorção compulsória
pelos Estados-membros em tudo aquilo que diga respeito - como ocorre às que
enumeram casos de iniciativa legislativa reservada - ao princípio fundamental
de independência e harmonia dos poderes, como delineado na Constituição da
República. 2. Essa orientação - malgrado circunscrita em princípio ao regime
dos poderes constituídos do Estado-membro - é de aplicar-se em termos ao poder
constituinte local, quando seu trato na Constituição estadual traduza fraude ou
obstrução antecipada ao jogo, na legislação ordinária, das regras básicas do
processo legislativo, a exemplo da área de iniciativa reservada do executivo ou
do judiciário: é o que se dá quando se eleva ao nível constitucional do
Estado-membro assuntos miúdos do regime jurídico dos servidores públicos, sem
correspondência no modelo constitucional federal, como sucede, na espécie, com
a equiparação em vencimentos e vantagens dos membros de uma carreira - a dos
Procuradores Autárquicos - aos de outra - a dos Procuradores do Estado: é
matéria atinente ao regime jurídico de servidores públicos, a ser tratada por
lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo (CF, art. 61, § 1º, II,
c) (...)” (STF, ADI 1.434-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Sepúlveda Pertence,
10-11-
Por outro lado, a administração da cidade incumbe ao que, modernamente, chama-se de 'Governo', e que tem na lei seu mais relevante instrumento[1], participando sempre o Poder Legislativo na função de aprovar-desaprovar os atos[2]. Na hipótese de administração ordinária, cabe ao Legislativo o estabelecimento de normas gerais, diretrizes globais, jamais atos pontuais e específicos.
Sobre isso, ensinou Hely Lopes Meirelles que:
"A atribuição típica e predominante da Câmara é a normativa, isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão-somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos ou autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no prefeito. Eis aí a distinção marcante entre a missão normativa da Câmara e a função executiva do prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração (...). A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções. Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º.). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. Em sua função normal e predominante sobre as demais, a Câmara elabora leis, isto é, normas abstratas, gerais e obrigatórias de conduta. Esta é sua função específica, bem diferenciada da do Executivo, que é a de praticar atos concretos de administração. Já dissemos - e convém se repita - que o Legislativo provê 'in genere', o Executivo 'in specie', a Câmara edita normas gerais, o prefeito as aplica aos casos particulares ocorrentes. Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental (...) Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa privativamente, à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § I, c/c 165 da CF, as que se inserem no âmbito da competência municipal. São, pois, de iniciativa exclusiva do prefeito, como chefe do Executivo local, os projetos de leis que disponham sobre a criação, estruturação e atribuição das secretarias, órgãos e entes da Administração Pública Municipal; matéria de organização administrativa e planejamento de execução de obras e serviços públicos; criação de cargos, funções ou empregos públicos na Administração direta, autárquica e fundacional do Município; o regime jurídico e previdenciário dos servidores municipais, fixação e aumento de sua remuneração; o plano plurianual, as diretrizes orçamentárias, o orçamento anual e os créditos suplementares e especiais. Os demais projetos competem concorrentemente ao prefeito e à Câmara, na forma regimental.'[3]
Percebe-se que a lei em análise impõe regra de conduta aos servidores públicos, cuja disciplina a Constituição reservou a iniciativa ao Executivo, não podendo o Legislativo tomar a iniciativa a respeito (art.42, inc. II).
Por isso, a solução deste processo é a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº 1.964, de 26 de fevereiro de 2010, do Município de Taiuva, que “Dispõe sobre a aplicação de penalidade a prática de assédio moral nas dependências da Administração Pública Municipal Direta por Servidores Públicos Municipais”, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça”[4].
3) Conclusão.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 1.964, de 26 de fevereiro de 2010, do Município de Taiuva.
São Paulo, 14 de setembro de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
fjyd
[1] Christian Starck. 'El Concepto
de ley en la constitucion alemana', p. 73, CEC, Madrid, 1979.
[2] "...O
poder governante é que goza, de fato (e talvez de direito) de uma estabilidade
garantida, necessária para a tradução em atos de um 'indirizzo'. É, em geral,
delegatária, também, de importantes porções da função legislativa. Ao
legislativo, sua função torna-se aquela convalidar-confirmar solenemente o
'indirizzo politico' decidido pelo Poder Governante revestindo as medidas sob a
forma de lei. O bloqueio - com voto negativo – ao 'indirizzo' do Poder
governante, ou a remoção formal deste ultimo - quando o regime o admite - deve
ficar, pelas exigências do modelo, eventos absolutamente excepcionais. O
Legislativo controla o Poder governante também com outros meios (investigações,
comissões parlamentares etc). Provê as leis para a integração normativa das
escolhas feitas no 'indirizzo governativo'." Giovanni Bognetti, 'In'
'Digesto Delle Discipline Pubblicistiche', p. 376, XI, UTET.
[3] Hely Lopes Meirelles, Direito Municipal Brasileiro, 12ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 576.
[4] Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 748.