Parecer
Autos nº. 990.10.227416-0
Requerente: Prefeito do Município de Cantaduva
Objeto: Lei nº 4.922, de 08 de março de 2010, do Município de Catanduva
Ementa:
1) Ação Direta de Inconstitucionalidade, promovida por Prefeito,
da Lei nº 4.922, de 08 de março de 2010, do Município de Catanduva, que “dá
nova redação ao art. 11, da Lei n. 3.820, de 10 de dezembro de 2002”.
Dispositivo legal que estabelece que à exceção dos aposentados e pensionistas,
as contribuições para a arrecadação para a Assistência Médica do Instituto de
Previdência dos Municipiários de Catanduva, incidirão sobre o 13º salário;
2) Inconstitucionalidade formal subjetiva pelo vício de iniciativa
e pela ofensa ao Princípio da Separação e da Harmonia entre os Poderes (art. 5º,
caput, da Constituição do Estado);
3) Parecer pela procedência.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, tendo por objeto Lei nº 4.922, de 08 de março de 2010, do Município de Catanduva, que “dá nova redação ao art. 11, da Lei n. 3.820, de 10 de dezembro de 2002 e dá outras providências”.
A inicial indica a violação dos arts. 5º, 25, 144, todos da
Constituição do Estado de São Paulo.
Em resumo, a inicial debate-se pela violação do princípio da
separação dos poderes; pelo vício de iniciativa; pela ofensa ao art. 25 da
Constituição paulista, no que concerne à geração de despesas.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 28/29).
O Presidente da Câmara Municipal prestou informações, defendendo a constitucionalidade da legislação impugnada, (fls.43/46).
A Procuradoria-Geral do Estado
declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse
exclusivamente local (fls. 38/40).
Eis em síntese o relatório.
A Lei n. 3.820, de 10 de dezembro de 2002, “instituiu o Sistema de Arrecadação para Assistência Médica do Instituto de Previdência dos Municipiários de Catanduva e dá outras providências”.
A Lei n. 4.922, de 08 de março de 2.010, do Município de Catanduva, que “ dá nova redação ao artigo 11, da Lei n. 3.820, de 10 de dezembro de 2002, e dá outras providências”, apresenta a seguinte redação:
“Art. 1º - Dá nova redação ao art. 11, da Lei n. 3.820, de 10
de dezembro de 2002, que passa a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 11- As
contribuições a que se refere o artigo 8º desta Lei incidirão sobre o 13º
salário, excetuando o dos aposentados e pensionistas”.
Art. 2º - Esta Lei entrará em vigor na data de sua
publicação, revogando-se as disposições em contrário”.
Feitas essas considerações, o pedido de declaração de inconstitucionalidade
é procedente, uma vez que a lei municipal ora questionada, como exposto na
inicial, invade esfera de competência privativa do Prefeito e, em consequência,
é inconstitucional.
À evidência que a lei municipal questionada, embora contenha
proposta louvável, invade competência privativa do chefe do Poder Executivo
municipal.
Dispor, sobre o sistema de
arrecadação para Assistência Médica do Instituto de Previdência dos
Municipiários de Catantuva, estabelecendo que à exceção dos aposentados e
pensionistas, as contribuições incidirão sobre o 13º salário, é matéria
referente à administração municipal.
Assim, apenas o Prefeito Municipal tem iniciativa para deflagrar
processo legislativo para aprovação de lei com o conteúdo da que se pretende
ver declarada como inconstitucional, sob pena de indevida interferência de um
Poder sobre o outro.
Postulado básico da organização do Estado é o princípio da
separação dos poderes, constante do art. 5º da Constituição do Estado de São
Paulo, norma de observância obrigatória nos Municípios conforme estabelece o
art. 144 da mesma Carta Estadual, e que assim dispõe:
Artigo 5º. São Poderes do Estado,
independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Este dispositivo é tradicional pedra fundamental do Estado de
Direito assentado na idéia de que as funções estatais são divididas e entregues
a órgãos ou poderes que as exercem com independência e harmonia, vedando
interferências indevidas de um sobre o outro.
Todavia, o exercício dessas atribuições nem sempre é fragmentado e
estanque, pois, observa a doutrina que “o princípio da separação dos poderes
(ou divisão, ou distribuição, conforme a terminologia adotada) significa,
portanto, entrosamento, coordenação, colaboração, desempenho harmônico e
independente das respectivas funções, e ainda que cada órgão (poder), ao lado
de suas funções principais, correspondentes à sua natureza, em caráter
secundário colabora com os demais órgãos de diferente natureza, ou pratica
certos atos que, teoricamente, não pertenceriam à sua esfera de competência”
(J. H. Meirelles Teixeira. Curso de Direito Constitucional, Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 1991, p. 585).
Como consequência do princípio da separação dos poderes, a
Constituição Estadual, perfilhando as diretrizes da Constituição Federal,
comete a um Poder competências próprias, insuscetíveis de invasão por outro.
Assim, ao Poder Executivo são outorgadas atribuições típicas da função
administrativa, como, por exemplo, dispor sobre a sua organização e seu
funcionamento.
Em essência, a separação ou divisão de poderes “consiste em
confiar cada uma das funções governamentais (legislativa, executiva e
jurisdicional) a órgãos diferentes (...) A divisão de Poderes fundamenta-se,
pois, em dois elementos: (a) especialização funcional, significando que cada
órgão é especializado no exercício de uma função (...); (b) independência
orgânica, significando que, além da especialização funcional, é necessário que
cada órgão seja efetivamente independente dos outros, o que postula ausência de
meios de subordinação” (José Afonso da Silva. Comentário contextual à
Constituição, São Paulo: Malheiros, 2006, 2ª ed., p. 44).
Também por decorrência do citado princípio da separação de
poderes, e à vista dos mecanismos de controle recíprocos de um sobre o outro
para evitar abusos e disfunções, a Constituição Estadual cuidou de precisar a
participação do Poder Executivo no processo legislativo. Como observa a
doutrina: “É a esse arranjo, mediante o qual, pela distribuição de
competências, pela participação parcial de certos órgãos estatais controlam-se
e limitam-se reciprocamente, que os ingleses denominavam, já anteriormente a
Montesquieu, sistema de ‘freios recíprocos’, ‘controles recíprocos’,
‘reservas’, ‘freios e contrapesos’ (checks
and controls, checks and balances), tudo isso visando um verdadeiro
‘equilíbrio dos poderes’ (equilibrium of
powers) (...)
A distribuição das funções entre os órgãos do Estado (poderes),
isto é, a determinação das competências, constitui tarefa do Poder
Constituinte, através da Constituição. Donde se conclui que as exceções ao
princípio da separação, isto é, todas aquelas participações de cada poder, a
título secundário, em funções que teórica e normalmente competiriam a outro
poder, só serão admissíveis quando a Constituição as estabeleça, e nos termos em
que fizer.
Não é lícito à lei ordinária, nem ao juiz, nem ao intérprete,
criarem novas exceções, novas participações secundárias, violadoras do
princípio geral de que a cada categoria de órgãos compete aquelas funções
correspondentes à sua natureza específica” (J. H. Meirelles Teixeira. Curso de
Direito Constitucional, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1991, pp. 581,
592-593).
Assim, se em princípio a
competência normativa é do domínio do Poder Legislativo, certas matérias por
tangenciarem assuntos de natureza eminentemente administrativa e,
concomitantemente, direitos de terceiros ou o próprio exercício dos poderes
estatais, são reservadas à iniciativa legislativa do Poder Executivo.
Esse desenho normativo de status constitucional – aplicável aos Municípios
por obra do art. 144 da Constituição Estadual – permite assentar as seguintes
conclusões: a) a iniciativa legislativa não é ampla nem livre, só podendo ser
exercida por sujeito a quem a Constituição entregou uma determinada
competência; b) ao Chefe do Poder Executivo a Constituição prescreve iniciativa
legislativa reservada em matérias inerentes à Administração Pública; c) há
matérias administrativas que, todavia, escapam à dimensão do princípio da
legalidade consistente na reserva de lei em virtude do estabelecimento de
reserva de norma do Poder Executivo.
A propósito, frisa Hely Lopes Meirelles a linha divisória da
iniciativa legislativa: “Leis de iniciativa da Câmara ou, mais propriamente, de
seus vereadores são todas as que a lei orgânica municipal não reserva, expressa
e privativamente à iniciativa do prefeito. As leis orgânicas municipais devem
reproduzir, dentre as matérias previstas nos arts. 61, § 1º, e 165 da CF, as
que se inserem no âmbito da competência municipal” (Direito Municipal Brasileiro,
São Paulo: Malheiros, 1997, 9ª ed., p. 431).
Portanto, irradia-se do princípio da separação de poderes a própria técnica jurídica de freios e contrapesos com a previsão de iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Poder Executivo em matéria administrativa.
No caso dos autos, existe outro fundamento, igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.
A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.
Na hipótese em análise é intuitivo que à isenção concedida aos aposentados e pensionistas gera aumento de despesa. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.
Nestes termos, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei n. 4.922, de 08 de março de 2010, do Município de Catanduva, que “dá nova redação ao artigo 11, da Lei n. 3.820, de 10 de dezembro de 2002, e dá outras providências”.
São Paulo, 03 de novembro de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
vlcb