Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

 

Autos nº. 990.10.227420-9

Requerente: Prefeito Municipal de Catanduva

Objeto: Lei nº 4.923, de 08 de março de 2010, do Município de Catanduva

 

 

Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a “Obrigatoriedade de Coleta e Destinação Final Ambientalmente Adequada, Após Sua Vida Útil, de Produtos Considerados Resíduos Urbanos e Caracterizados Como Lixo Eletrônico e Tecnológico, e Dá Outras Providências”.    2) Violação ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesas, ademais, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47 II, e 144 da Constituição do Estado. 3) Parecer pela procedência da ação

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de Catanduva, tendo por objeto a Lei Municipal n.º 4.923, de 08 de março de 2010, daquele município, que dispõe sobre a “Obrigatoriedade de Coleta e Destinação Final Ambientalmente Adequada, Após Sua Vida Útil, de Produtos Considerados Resíduos Urbanos e Caracterizados Como Lixo Eletrônico e Tecnológico, e Dá Outras Providências”.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 21).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 31/33, resumindo-se aos trâmites na casa, até a aprovação da lei.

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

         Preliminarmente, não me oponho quanto à Admissão da Fazenda Pública do Estado de São Paulo como amicus curiae do requerente.

         No mérito, em que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se transformando na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é verticalmente incompatível com nossa sistemática constitucional.

De início, deve-se lembrar que a proteção do meio ambiente foi incluída no rol do art. 24 da Constituição Federal, sendo um dos temas cuja competência é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal.

Para esse assunto, a Carta Política adotou a técnica da competência concorrente não-cumulativa, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais. Cabe aos Estados-membros e o Distrito Federal a edição das normas específicas e minuciosas para adaptar princípios, bases e diretrizes estabelecidas nas regras gerais às peculiaridades regionais. Fica reservado aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (CF, art. 30, II), o que significa dizer que sua competência legislativa relaciona-se aos assuntos de predominante interesse local (cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 303-306; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 579-580).

Ocorre que a Constituição do Estado de São Paulo estabelece, em seu art. 191, o seguinte:

Artigo 191 - O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.

Com base nesse dispositivo, o C. Órgão Especial tem dito que “no atendimento de peculiaridades locais voltadas à preservação, conservação e defesa do meio ambiente natural, artificial ou do trabalho, [a Constituição Estadual] igualmente autoriza a edição legislativa de normas que viabilizem esse desideratum, desde que não incompatíveis com normas estaduais ou federais ex vi de seu artigo 191” (trecho do voto do Des. OSCARLINO MOELLER na ADIN nº 164.487-0/9, j. 4.02.2009, v.u.).

Com essa premissa, a Corte julgou válida lei municipal que instituía a compensação às emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas instaladas na cidade de Valinhos, forte no entendimento de que a regra do art. 144 da Constituição Estadual, de caráter genérico, cede em face da clareza e especificidade do art. 191 citado.

Desse modo, não é defeso ao Município legislar sobre a matéria versada no ato impugnado.

De toda sorte, vê-se que a Lei em análise decorre de iniciativa parlamentar (fls. 16) e obriga, sob pena de sanção definida no art. 3º, que as empresas que fabricam, importam, distribuem e comercializam produtos que possam ser considerados como resíduos urbanos ou caracterizados como lixo tecnológico, especialmente os potencialmente perigosos que contenham metais pesados, disponibilizarem para os consumidores um sistema de coleta e destinação final ambientalmente adequada desses produtos (art. 1º )

A norma define quais são os produtos geradores de resíduos urbanos ou de lixo tecnológico, cujo descarte inadequado pode vir a prejudicar a saúde das pessoas ou a poluir o meio ambiente (art. 2º, I a VI).

 Também prevê ações do Poder Executivo, como o dever de regulamentar a lei no prazo de 60 dias e aplicar sanção em caso de descumprimento da lei (art. 3º e 4º ).

 Por tudo isso, é de ser acolhida a tese do vício de iniciativa.

De fato, somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Note-se que, instituindo uma obrigação para as empresas que fabricam, importam, distribuem e comercializam produtos que possam ser considerados como resíduos urbanos ou como caracterizados como lixo tecnológico, disponibilizarem para os consumidores quando de seu descarte, um sistema de coleta e destinação final ambientalmente adequada, a lei impõe à Administração o correspondente dever de fiscalizá-la. Desse modo, incide no serviço público.

Como a lei foi concebida no Poder Legislativo, a iniciativa acabou invadindo a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse Tribunal:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Por fim, existe outro fundamento, igualmente relevante, que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a atividade de fiscalização criada gera despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.

         Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 4.923, de 08 de março de 2.010, que dispõe sobre a “Obrigatoriedade de Coleta e Destinação Final Ambientalmente Adequada, Após Sua Vida Útil, de Produtos Considerados Resíduos Urbanos e Caracterizados Como Lixo Eletrônico e Tecnológico, e dá Outras Providências”, do Município de Catanduva.

 

São Paulo, 16 de agosto de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         -Jurídico -

vlcb