Parecer
Processo n. 990.10.232044-8
Requerente: Prefeito Municipal de Santa Cruz do
Rio Pardo
Objeto: Lei n. 2.428, de 06 de maio de
2010, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo
Ementa: Constitucional. Administrativo. Ação direta de
inconstitucionalidade. Lei n. 2.428/10 do Município de Santa Cruz do Rio Pardo.
Serviço Público. Iniciativa legislativa reservada. Chefe do Poder Executivo.
Violação da separação de poderes. 1. Na fiscalização abstrata, concentrada,
direta e objetiva de constitucionalidade de lei municipal, o parâmetro
exclusivo de contraste é a Constituição Estadual (art. 125, § 2º, CF), não
merecendo conhecimento impugnação ao valor da causa. 2. A possibilidade de propaganda de empresas doadoras de uniformes
para estudantes da rede municipal de ensino é matéria inerente à organização e
funcionamento desse serviço público, sendo da alçada do Chefe do Poder
Executivo, respeitada sua iniciativa. 3.
Violação aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, e 47, II, XIV e XIX, da Constituição
Estadual.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se
de ação direta de inconstitucionalidade impugnando a Lei n. 2.428, de 06 de
maio de 2010, do Município de Santa Cruz do Rio Pardo, de iniciativa
parlamentar, que autoriza a gravação de logomarca de empresas públicas ou
privadas como forma de publicidade em uniformes doados aos alunos da rede
municipal de ensino, argüindo ofensa aos arts. 5º, 24, § 2º, 1 e 2, 25, 37, 47,
II, 144, 174, I a III, e 176, I, da Constituição do Estado de São Paulo, além
de violação aos arts. 53, I, e 232, da Lei n. 8.069/90 (fls. 02/12). A liminar
requerida foi deferida (fls. 122/124).
2. A
Câmara Municipal prestou informações defendendo a constitucionalidade da lei
(fls. 138/141), assim como impugnou o valor da causa (fls. 144/145).
3. A
douta Procuradoria-Geral do Estado declinou de sua participação na lide (fls.
134/136).
4. É
o relatório.
5. Não
merece conhecimento a impugnação ao valor da causa. A ação direta de
inconstitucionalidade tem liturgia própria e peculiar, extravagante do processo
civil ordinário, sendo incogitável em seu trâmite atribuição de valor à causa
e, conseqüentemente, sua impugnação.
6. A
fiscalização abstrata, concentrada, direta e objetiva da constitucionalidade de
lei municipal tem como exclusivo parâmetro a Constituição Estadual, à luz do
art. 125, § 2º, da Constituição Federal, razão pela qual é insuscetível o
exame, nesta sede, de sua eventual desconformidade com a Constituição Federal,
a Lei Orgânica Municipal ou lei federal.
7. Por
essa razão, insuscetível de exame o eventual confronto da lei local impugnada
com dispositivos do Estatuto da Criança e do Adolescente.
8. A
Lei n. 2.428, de 06 de maio de 2010, assim dispõe:
“Artigo 1º - Fica autorizada, nos termos desta Lei e seu regulamento, a gravação de logomarca de empresas públicas e/ou privadas como forma de publicidade em uniformes doados aos alunos da rede municipal de ensino.
Parágrafo único – A logomarca da empresa doadora ocupará espaço igual ou inferior àquele reservado ao logotipo da escola e será gravada na manga da blusa do uniforme escolar.
Artigo 2º - A empresa interessada na publicidade inserida nas mangas de uniformes deverá se credenciar junto ao colegiado respectivo, o qual deliberará sobre seus dados cadastrais e sua logomarca;
§ 1º - No momento do credenciamento, a empresa doadora apresentará seus dados cadastrais e sua logomarca para apreciação do colegiado e formalizará sua doação, nos termos desta Lei e de seu regulamento.
§ 2º - O colegiado, aceitando a doação independentemente do número de uniformes a serem oferecidos, fará distribuição destes entre os alunos, dando prioridade àqueles de situação financeira menos favorecida.
Artigo 3º - Fica vedada a participação nessa parceria de empresas ligadas direta ou indiretamente à propaganda:
a) de fumo;
b) de bebidas alcoólicas;
c) de jogos de azar;
d) de partido político;
e) que atente contra a moral e os bons costumes.
Artigo 4º - A presente Lei será regulamentada por decreto, no prazo de 60 (sessenta) dias, a contar da data de sua publicação.
Artigo 5º - As despesas decorrentes da execução desta Lei correrão por conta de dotações orçamentárias próprias, suplementadas se necessário.
Artigo 6º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”.
9. A
ação é procedente.
10. A
matéria objeto da lei é atinente à organização e funcionamento do serviço
público de ensino, assunto que se insere no domínio da reserva de Administração
edificada nos incisos II, XIV e XIX, a,
do art. 47 da Constituição do Estado de São Paulo, assim como na reserva de
iniciativa legislativa constante do art. 24, § 2º, 2, da Constituição Paulista,
na medida em que confere novas atribuições ao Poder Executivo nesse âmbito e,
ademais, cria órgão colegiado em seu art. 2º para o procedimento de
credenciamento de interessados na doação e propaganda.
11. Os
preceitos violados constituem desdobramentos particularizados do princípio da
separação dos poderes previsto no art. 5º, da Constituição Estadual, e são
aplicáveis na órbita municipal por obra de seu art. 144.
12. Neste
sentido, enuncia a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal:
“CONSTITUCIONAL.
ADMINISTRATIVO. LEI QUE ATRIBUI TAREFAS AO DETRAN/ES, DE INICIATIVA
PARLAMENTAR: INCONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. C.F,
art. 61, § 1°, n, e, art. 84, II
e VI. Lei 7.157, de 2002, do
Espírito Santo.
I. - É de iniciativa
do Chefe do Poder Executivo a proposta de lei que vise a criação, estruturação
e atribuição de órgãos da administração pública: C.F, art. 61, § 1°, II, e, art. 84, II e VI.
II. - As regras do
processo legislativo federal, especialmente as que dizem respeito à iniciativa
reservada, são normas de observância obrigatória pelos Estados-membros.
III. - Precedentes do
STF.
IV - Ação direta de
inconstitucionalidade julgada procedente” (STF, ADI 2.719-1-ES, Tribunal Pleno,
Rel. Min. Carlos Velloso, 20-03-2003, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE
INCONSTITUCIONALIDADE. VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA DO PODER EXECUTIVO.
PEDIDO DEFERIDO. Lei nº 781, de 2003, do Estado do Amapá que, em seus arts. 4º,
5º e 6º, estabelece obrigações para o Poder Executivo instituir e organizar
sistema de avaliação de satisfação dos usuários de serviços públicos.
Inconstitucionalidade formal, em virtude de a lei ter-se originado de iniciativa
da Assembléia Legislativa. Processo legislativo que deveria ter sido inaugurado
por iniciativa do Governador do Estado (CF, art. 61, § 1º, II, e). Ação direta
julgada procedente” (STF, ADI 3.180-AP, Tribunal Pleno, Rel. Min. Joaquim
Barbosa, 17-05-2007, v.u., DJe 15-06-2007).
13. Calha
a invocação de venerando acórdão deste egrégio Tribunal de Justiça, da lavra do
eminente Desembargador Nelson Calandra, cuja cópia foi anexada pelo requerente
(fls. 93/100):
“Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei n° 1.619/06, do Município de Taboão da Serra, que institui o fornecimento gratuito de uniformes escolares aos alunos matriculados na rede municipal infantil e fundamental pelo executivo municipal – Norma de iniciativa parlamentar – Matéria relativa a administração do Município – Serviço público – Atribuição exclusiva do Prefeito – Ação julgada procedente” (TJSP, ADI 147.034-0/8-00, Órgão Especial, Rel. Des. Nelson Calandra, v.u., 30-04-2008).
14. Não
se verifica, todavia, violação aos arts. 25, 174 e 176 da Constituição Estadual,
porque a lei não criou novo encargo sem
indicação da fonte específica de custeio.
15. Opino
pela procedência da ação por ofensa aos arts. 5º, 24, § 2º, 2, e 47, II, XIV e
XIX, a, da Constituição do Estado de
São Paulo.
São Paulo, 20 de setembro de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
wpmj