Parecer
Processo n. 990.10.237.228-6
Requerente: Prefeito Municipal de Tremembé
Objeto: inconstitucionalidade
da expressão “documentos” constante do art. 24 da Lei Orgânica do Município de
Tremembé
Constitucional. Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Orgânica do Município de Tremembé (art. 24). Fiscalização do Poder Legislativo. Solicitação de documentos ao Poder Executivo. 1. A solicitação de documentos ao Poder Executivo, implícita no âmbito de pedido de informações, não se revela extravagante da fiscalização legislativa da ação administrativa, sem caráter de inovação ou desequilíbrio à divisão de poderes. 2. A gestão da res publica está sujeita ao princípio da transparência, havendo restrição à publicidade somente nos casos expressos na Constituição ou por ela autorizados. 3. Improcedência da ação.
Colendo Órgão Especial:
1. Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade
contestando a expressão “documentos” constante do art. 24 da Lei Orgânica do
Município de Tremembé sob alegação de violação ao
art. 20, XVI, da Constituição Estadual, e ao art. 71, VII, da Constituição
Federal. Pretende-se a declaração de sua inconstitucionalidade ou interpretação
conforme, sem redução de texto (fls. 02/10). Negada liminar (fl. 54), a Câmara Municipal manifestou-se
pela improcedência da ação (fls. 59/61), a douta Procuradoria-Geral do Estado
declinou de sua intervenção (fls. 81/83).
2. É o
relatório.
3. A Lei Orgânica Municipal assim dispõe:
“Art. 24. A Mesa da Câmara poderá enviar solicitação de documentos e pedidos de informações ao Prefeito, aos seus auxiliares diretos ou a qualquer pessoa responsável, dentro da administração pública direta ou indireta do Município, importando em crime de responsabilidade o não atendimento no prazo de 15 (quinze) dias, bem como a prestação de informações falsas”.
4. O controle de constitucionalidade na via abstrata,
concentrada e direta, por ação, de norma municipal tem como parâmetro exclusivo
dispositivo da Constituição Estadual, razão pela qual é inadequado o exame de
eventual contraste com a Constituição Federal, como resulta do § 2º do art. 125
da Constituição Federal.
5. O requerente articula violação ao art. 20, XVI, da
Constituição Estadual (que reproduz o art. 50, § 2º, da Constituição Federal),
e cuja redação é a seguinte:
“Art. 20. Compete exclusivamente à Assembleia Legislativa:
(...)
XVI – requisitar informações dos Secretários de Estado, dirigentes, diretores e superintendentes de órgãos da administração pública indireta e fundacional, do Procurador-Geral de Justiça, dos Reitores das universidades públicas estaduais e dos diretores de Agência Reguladora sobre assunto relacionado com sua pasta ou instituição, importando crime de responsabilidade não só a recusa ou o não atendimento, no prazo de trinta dias, bem como o fornecimento de informações falsas”.
6. Não é possível concluir que a inserção do vocábulo
“documentos” em norma expressiva das prerrogativas fiscalizadoras do Poder
Legislativo padeça de inconstitucionalidade.
7. É intuitivo, à luz de sua competência para “fiscalizar
e controlar os atos do Poder Executivo, inclusive os da administração
descentralizada” (art. 22, X, Constituição Estadual; art. 49, X, Constituição
Federal), a atribuição de potência de solicitação de exibição de documentos,
pois, implícita na prestação de informações escritas, sem prejuízo da
convocação para comparecimento a fim prestação de informações pessoais e orais,
prevista no inciso XIV do art. 22 da Carta Paulista e no art. 50 da
Constituição Brasileira.
8. Afasta-se, ademais, qualquer raciocínio a evocar invasão do
domínio do sigilo da Administração Pública.
9. A premissa desafia o princípio da transparência que
domina a gestão da coisa pública (art. 111, Constituição do Estado; art. 37,
Constituição Federal), pois, a restrição à publicidade é limitada parcialmente
nos casos expressos na Constituição ou por ela autorizados (art. 5º, X, XXXIII,
e LX, Constituição Federal).
10. É bem verdade que o Supremo Tribunal Federal assim
decidiu:
“(...) II. Separação e independência dos Poderes: pesos e
contrapesos: imperatividade, no ponto, do modelo federal. 1. Sem embargo de
diversidade de modelos concretos, o princípio da divisão dos poderes, no Estado
de Direito, tem sido sempre concebido como instrumento da recíproca limitação
deles em favor das liberdades clássicas: daí constituir em traço marcante de
todas as suas formulações positivas os ‘pesos e contrapesos’ adotados. 2. A
fiscalização legislativa da ação administrativa do Poder Executivo é um dos
contrapesos da Constituição Federal à separação e independência dos Poderes:
cuida-se, porém, de interferência que só a Constituição da República pode
legitimar. 3. Do relevo primacial dos ‘pesos e contrapesos’ no paradigma de
divisão dos poderes, segue-se que à norma infraconstitucional - aí incluída, em
relação à Federal, a constituição dos Estados-membros -, não é dado criar novas
interferências de um Poder na órbita de outro que não derive explícita ou
implicitamente de regra ou princípio da Lei Fundamental da República (...)”
(STF, ADI 3.046-SP, Tribunal Pleno, Rel. Min., Sepúlveda Pertence, 15-04-2004,
v.u., DJ 28-05-2004, p. 492, RTJ 191/510).
11. Com
base nesta interpretação, não é admissível a ampliação do modelo de fiscalização
do Poder Legislativo, sob pena de vilipêndio ao princípio da separação de
poderes.
12. Todavia, não se denota que a remessa de documentos,
mediante solicitação do Poder Legislativo sujeita ao crivo decisório do agente
da Administração Pública, configure, de
per si, inovação perturbadora da harmonia e do equilíbrio entre os Poderes
na medida em que se compreende no âmbito do pedido de informações escritas, já
que preside a atividade administrativa o formalismo a indicar a documentação de
seus atos como regra.
13. A solicitação de documentos ao Poder Executivo, implícita no
âmbito de pedido de informações, não se revela extravagante da fiscalização
legislativa da ação administrativa, sem caráter de inovação ou desequilíbrio à
divisão de poderes.
14. Opino pela improcedência da ação.
São
Paulo, 16 de fevereiro de 2011.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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