Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

Autos nº. 990.10.260229-0

Requerente: Prefeito Municipal de Nova Odessa

Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.413, de 03 de maio de 2010, de Nova Odessa

Ementa:

1)      Ação direta de inconstitucionalidade.  Lei Municipal nº 2.413, de 03 de maio de 2010, de Nova Odessa que, conforme respectiva rubrica, “dispõe sobre a instituição de equipe de transição para o cargo de Prefeito Municipal e dá outras providências”.

2)      Criação de órgão, cargos e fixação de atribuições (ainda que transitoriamente). Violação da reserva de iniciativa do Poder Executivo Municipal (art. 24, § 2º, n. 1 e 2, c.c. o art. 144 da Constituição Paulista).

3)      Violação da regra da separação de poderes. Ato normativo que equivale a verdadeiro ato de gestão administrativa (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Criação de despesas sem indicação específica da fonte de receitas (art. 25 da Constituição Paulista).

4)      Inconstitucionalidade reconhecida.

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de Nova Odessa, tendo como alvo a Lei Municipal nº 2.413, de 03 de maio de 2010, de Nova Odessa, fruto de iniciativa parlamentar, que “dispõe sobre a instituição de equipe de transição para o cargo de Prefeito Municipal e dá outras providências”.

Alega o requerente que o ato normativo é inconstitucional, na medida em que: (a) há vício de iniciativa; (b) foi invadida a competência exclusiva da administração do Município; (c) a lei gera aumento de despesas sem previsão de receitas para enfrentá-la (fls. 2/15).

Foi deferida a liminar, determinando a suspensão da eficácia do ato normativo (fls. 32/33).

Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou da defesa do ato normativo (fls. 40, 42/44).

A Câmara Municipal prestou informações (fls. 49/51).

É o relato do essencial.

A Lei Municipal nº 2.413, de 03 de maio de 2010, de Nova Odessa, fruto de iniciativa parlamentar, que “dispõe sobre a instituição de equipe de transição para o cargo de Prefeito Municipal e dá outras providências” (cópia cf. fls. 17/19), além de prever a criação de órgão e cargos públicos – ainda que de caráter transitório -, estipula: (a) atribuições do órgão e de seus ocupantes; (b) forma de escolha dos integrantes da “equipe de transição”; (c) obrigações a serem cumpridas por órgãos e agentes da administração relativamente à referida “equipe de transição”; (d) remuneração para os integrantes desse órgão provisório; (e) criação de despesas sem indicação de fonte específica de receitas.

Não resta dúvida, portanto, que a Lei Municipal nº 2.413, de 2010, de Nova Odessa, é verticalmente incompatível com a Constituição Estadual, pois: (a) violou iniciativa reservada do Chefe do Executivo para a criação de órgão público, cargos e fixação das respectivas atribuições (art. 24, § 2º, n. 1 e 2 da Constituição Paulista, reprodução da diretriz contida no art. 61, § 1º, II, a e e da Constituição da República); (b) violou o princípio da separação de poderes, tratando de matéria atinente à gestão administrativa (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista, reprodução da diretriz contida no art. 2º da Constituição da República); (c) criou situação de aumento de despesa sem indicação específica da fonte de receita (art. 25 da Constituição Paulista).

É ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e abstração.

Abstraindo dos motivos que podem ter levado a tal solução legislativa, ela se apresenta inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão administrativa do Município.

Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.

Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa: a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa, convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos, individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).

Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.

Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.

Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade da adoção da regra da separação. Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente.

Não bastasse isso, tratando-se de criação de órgão (ainda que de caráter transitório), de criação de cargos, e fixação das respectivas funções, só por iniciativa do Chefe do Executivo viabiliza-se a edição de lei.

Nesse sentido é assente o entendimento do Colendo STF:

“(...)

É da iniciativa privativa do chefe do Poder Executivo lei de criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração, bem como que disponha sobre regime jurídico e provimento de cargos dos servidores públicos. Afronta, na espécie, ao disposto no art. 61, § 1º, II, a e c, da Constituição de 1988, o qual se aplica aos Estados-membros, em razão do princípio da simetria. (ADI 2.192, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 4-6-2008, Plenário, DJE de 20-6-2008.)

(...)

Lei de iniciativa parlamentar. Vício de iniciativa. inconstitucionalidade reconhecida. Projeto de lei que visa a criação e estruturação de órgão da administração pública: iniciativa do chefe do Poder Executivo (art. 61, § 1º, II, e, CF/1988). Princípio da simetria. (ADI 1.275, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 16-5-2007, Plenário, DJ de 8-6-2007.) No mesmo sentido: ADI 3.179, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 27-5-2010, Plenário, Informativo 588; ADI 2.730, Rel. Cármen Lúcia, julgamento em 5-5-2010, Plenário, DJE de 28-5-2010.

(...)”

Mas não é só.

Em casos assim, esse Colendo Órgão Especial tem, reiteradamente, reconhecido a inconstitucionalidade da norma por violação ao disposto no art. 25 da Constituição Paulista, tendo em vista que a norma gerará novas despesas sem a indicação específica da fonte de receitas.

Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 2.413, de 2010, de Nova Odessa.

São Paulo, 16 de setembro de 2010.

 

Sérgio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico

 

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