Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.271623-6

Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto

Objeto: Lei nº 10.621, de 30 de abril de 2010, do Município de São José do Rio Preto

 

Ementa: Ação direta de inconstitucionalidade, movida por Prefeito Municipal, da Lei nº 10.621, de 30 de abril de 2010, do Município de São José do Rio Preto, que dispõe sobre a responsabilidade da destinação de óleos e gorduras de origem vegetal e animal, óleos combustíveis ou lubrificantes e suas embalagens, no Município de São José do Rio Preto, e dá outras providencias. Considerações sobre a competência legislativa do Município em matéria ambiental. Iniciativa parlamentar do ato normativo, que cria ônus para a Administração, decorrente do dever de fiscalizar. Violação ao princípio da separação dos poderes. Criação de despesas, ademais, sem indicação dos recursos disponíveis. Ofensa aos artigos 5º, 25, 47 II, e 144 da Constituição do Estado. Parecer pela procedência da ação.

 

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

 

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei Municipal n.º10.621, de 30 de abril de 2010, que dispõe sobre a responsabilidade da destinação de óleos e gorduras de origem vegetal e animal, óleos combustíveis ou lubrificantes e suas embalagens, no Município de São José do Rio Preto.

Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi inteiramente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc (fls. 27/28).

O Presidente da Câmara Municipal se manifestou pela constitucionalidade da norma a fls. 41/42. A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 37/39).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

A presente ação deve ser julgada procedente. 

A Lei nº 10.621, de 30 de abril de 2010, do Município de São José do Rio Preto, dispõe sobre a responsabilidade da destinação de óleos e gorduras de origem vegetal e animal, óleos combustíveis ou lubrificantes e suas embalagens, e apresenta a seguinte redação:

Art. 1° - Ficam as pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, que produzam resíduos oriundos da utilização de óleos e gorduras de origem vegetal ou animal, ou que produzam resíduos originários de óleos combustíveis ou lubrificantes, no Município de São José do Rio Preto, responsáveis pela destinação adequada de tais resíduos, mediante procedimentos de coleta, reutilização, reciclagem, beneficiamento ou disposição final.

Parágrafo Único - Para fins de que trata este artigo, consideram-se como resíduos as sobras descartadas dos óleos e gorduras de origem vegetal ou animal, utilizados nas atividades culinárias, industriais, comerciais ou domésticas, bem como os óleos combustíveis ou lubrificantes, e suas embalagens e recipientes a serem descartados pelos postos de abastecimento e oficinas.

Art. 2° - Ficam autorizados a fazer a coleta, reciclagem e destinação dos resíduos discriminados no parágrafo único do artigo anterior somente as empresas ou cooperativas especializadas.           

Art. 3º - Todos que produzam os resíduos especificados nesta Lei ficam responsáveis pelo seu devido armazenamento enquanto não forem devidamente destinados às empresas coletoras.

Art. 4º - Os resíduos, objeto desta Lei, poderão ser acondicionados adequadamente em recipientes com superfície impermeável, devidamente fechada, e deverão ser encaminhados para pontos de entrega de materiais recicláveis, ou serviços de coleta seletiva e reciclagem.

Art. 5º - Cabe ao Poder Executivo, mediante Decreto, definir o órgão competente para fiscalizar a destinação final dos resíduos de forma ambientalmente adequada e as penalidades a serem aplicadas aos que descumprirem esta Lei.

Art. 6º - Esta Lei será regulamentada no prazo de 120 (cento e vinte) dias, contado da data de sua publicação.

De início, deve-se lembrar que a proteção do meio ambiente foi incluída no rol do art. 24 da Constituição Federal, sendo um dos temas cuja competência é concorrente entre União, Estados e Distrito Federal.

Para esse assunto, a Carta Política adotou a técnica da competência concorrente não-cumulativa, de forma que a competência da União está adstrita ao estabelecimento de normas gerais. Cabe aos Estados-membros e o Distrito Federal a edição das normas específicas e minuciosas para adaptar princípios, bases e diretrizes estabelecidas nas regras gerais às peculiaridades regionais. Fica reservado aos Municípios suplementar a legislação federal e estadual, no que couber (CF, art. 30, II), o que significa dizer que sua competência legislativa relaciona-se aos assuntos de predominante interesse local (cf. MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23ª. ed., São Paulo: Atlas, 2008, p. 303-306; MEIRELLES, Hely Lopes. Direito municipal brasileiro. 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, p. 579-580).

Ocorre que a Constituição do Estado de São Paulo estabelece, em seu art. 191, o seguinte:

Artigo 191 - O Estado e os Municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais e em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.

Com base nesse dispositivo, o C. Órgão Especial tem dito que “no atendimento de peculiaridades locais voltadas à preservação, conservação e defesa do meio ambiente natural, artificial ou do trabalho, [a Constituição Estadual] igualmente autoriza a edição legislativa de normas que viabilizem esse desideratum, desde que não incompatíveis com normas estaduais ou federais ex vi de seu artigo 191” (trecho do voto do Des. OSCARLINO MOELLER na ADIN nº 164.487-0/9, j. 4.02.2009, v.u.).

Com essa premissa, a Corte julgou válida lei municipal que instituía a compensação às emissões de gases de efeito estufa (GEE) e o manejo adequado dos resíduos gerados por empresas instaladas na cidade de Valinhos, forte no entendimento de que a regra do art. 144 da Constituição Estadual, de caráter genérico, cede em face da clareza e especificidade do art. 191 citado.

Desse modo, em que pese o vigor da argumentação do Alcaide, ela não convence de que é defeso ao Município legislar sobre a matéria versada no ato impugnado.

De toda sorte, vê-se que a Lei em análise decorre de projeto de autoria dos Vereadores Jorge Abdanur Estephan e Nelson Ohno (fls. 14) e impõe ao Poder Executivo, mediante Decreto, definir o órgão competente para fiscalizar a destinação final dos resíduos de forma ambientalmente adequada e as penalidades a serem aplicadas aos que descumprirem a lei.

Por isso, é de ser acolhida a tese do vício de iniciativa.

De fato, somente ao Chefe do Poder Executivo assiste a iniciativa de leis que criem – como é o caso – obrigações e deveres para órgãos municipais (art. 47, inc. II da Constituição Estadual, de aplicação extensível aos municípios por força do art. 144 da mesma Carta).

Note-se que, instituindo uma obrigação para as pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas, que produzam resíduos oriundos da utilização de óleos e gorduras de origem vegetal ou animal, ou que produzam resíduos originários de óleos combustíveis ou lubrificantes, no Município de São José do Rio Preto, responsabilizem-se pela destinação adequada de tais resíduos, mediante procedimentos de coleta, reutilização, reciclagem, beneficiamento ou disposição final, a lei impõe à Administração o correspondente dever de fiscalizá-la. Desse modo, incide no serviço público.

Como a lei foi concebida no Poder Legislativo, a iniciativa acabou invadindo a seara da administração pública, da alçada exclusiva do Prefeito, violando sua prerrogativa de analisar a conveniência e oportunidade das providências que a lei quis determinar.

Bem por isso, a matéria somente poderia objeto de tramitação legislativa por proposta do próprio Chefe do Poder Executivo.

Ofendeu-se, igualmente, o princípio basilar da separação de poderes, pois, na dicção desse Tribunal:

“Ao Executivo haverá de caber sempre o exercício de atos que impliquem no gerir as atividades municipais. Terá, também, evidentemente, a iniciativa das leis que lhe propiciem a boa execução dos trabalhos que lhe são atribuídos. Quando a Câmara Municipal, o órgão meramente legislativo, pretende intervir na forma pela qual se dará esse gerenciamento, está a usurpar funções que são de incumbência do Prefeito” (ADIN n. 53.583-0, rel. Des. FONSECA TAVARES).

Por fim, existe outro fundamento, igualmente relevante (embora não mencionado na inicial), que, por si só, demandaria o reconhecimento da inconstitucionalidade.

A regra do art. 25 da Constituição do Estado, fortemente influenciada pela noção de responsabilidade fiscal, exige que o projeto de lei que implique criação ou aumento de despesa pública contenha a previsão dos recursos disponíveis para o atendimento dos novos encargos.

Na hipótese em análise é intuitivo que a atividade de fiscalização criada gera despesas. E a lei não contém nenhum elemento indicador de sua provisão, sendo também sob esse aspecto incompatível com o texto constitucional.

Nesse panorama, opina-se pela declaração de inconstitucionalidade da lei impugnada, pois “se a Câmara, desatendendo à privatividade do Executivo para esses projetos, votar e aprovar leis sobre tais matérias, caberá ao prefeito vetá-las, por inconstitucionais. Sancionadas e promulgadas que sejam, nem por isso se nos afigura que convalesçam do vício inicial, porque o Executivo não pode renunciar prerrogativas institucionais, inerentes às suas funções, como não pode delegá-las ou aquiescer que o Legislativo as exerça” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008,  p. 748).

Diante do exposto, opino pela procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 10.621, de 30 de abril de 2010, do Município de São José do Rio Preto,  que dispõe sobre a responsabilidade da destinação de óleos e gorduras de origem vegetal e animal, óleos combustíveis ou lubrificantes e suas embalagens, no Município de São José do Rio Preto.

 

São Paulo, 24 de setembro de 2010.

 

Sergio Turra Sobrane

Subprocurador-Geral de Justiça

Jurídico