Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade
Autos nº. 990.10.271624-4
Requerente:
Prefeito Municipal de São José do Rio Preto
Objeto: Inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.595, de 16 de abril de 2010, de São José do Rio Preto.
Ementa:
1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal nº 10.595, de 16 de abril de 2010, de São José do Rio Preto, que “assegura aos professores, estudantes e outros servidores municipais, quando por convicções religiosas, o direito à plena liberdade para reposição de aulas, serviços ou quaisquer outras atividades, em dias e horários alternativos, quando estes recaírem em dia de sábado”.
2) Violação da regra da separação de poderes (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144 da Constituição Paulista). Ausência de indicação das receitas para fazer frente às despesas geradas pela execução do programa (art. 25 da Constituição Paulista).
3) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão
Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Relator
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo como alvo a Lei Municipal nº 10.595, de 16 de abril de 2010, de São José do Rio Preto, fruto de iniciativa parlamentar, que “assegura aos professores, estudantes e outros servidores municipais, quando por convicções religiosas, o direito à plena liberdade para reposição de aulas, serviços ou quaisquer outras atividades, em dias e horários alternativos, quando estes recaírem em dia de sábado”.
Sustenta o autor que o ato normativo impugnado, oriundo de iniciativa parlamentar violou a regra da separação de poderes, por interferir diretamente na gestão das atividades administrativas do Município, e não indicou os recursos necessários para seu cumprimento, contrariando, desse modo, o disposto no art. 5º, bem como no art. 25 da Constituição do Estado de São Paulo.
Foi deferida a liminar, determinando-se a suspensão do ato normativo (fls. 15/18).
Citado, o Senhor Procurador-Geral do Estado declinou de oferecer defesa para o ato normativo impugnado (fls. 26, 28/30).
A Câmara Municipal prestou informações (fls. 32/33).
É o relato do essencial.
A Lei Municipal nº
10.595, de 16 de abril de 2010, de São José do Rio Preto, fruto de
iniciativa parlamentar, “assegura aos
professores, estudantes e outros servidores municipais, quando por convicções
religiosas, o direito à plena liberdade para reposição de aulas, serviços ou
quaisquer outras atividades, em dias e horários alternativos, quando estes
recaírem em dia de sábado”.
O diploma tem a seguinte redação:
“(...)
Art. 1º. Quando por convicção religiosa, devidamente comprovada, fica assegurado a professores, estudantes e outros servidores municipais, o direito à plena liberdade para efetuar a reposição de aulas, serviços ou quaisquer outras atividades em dias e horários alternativos, quando estes recaírem nos dias de sábado.
§ 1º. A comprovação de que trata o caput deste artigo poderá ser mediante declaração do próprio punho do interessado ou da instituição religiosa pertinente, ficando o declarante responsabilizado pela veracidade da mesma sob as penas da lei.
§ 2º. Os horários alternativos serão definidos, quanto ao seu cumprimento, pelo órgão responsável ao qual o interessado estiver lotado ou, quando se tratar de professores e estudantes, pela direção da Unidade Escolar.
(...)”
A lei de iniciativa parlamentar, desse modo, criou programa governamental, destinado à reposição de atividades de professores, estudantes e servidores municipais, impondo, do ponto de vista prático, revisão do modo de funcionamento de órgãos da administração do Município.
Não há como negar, ademais, que o cumprimento do ato normativo por parte da administração pública provocará, além de alteração relevante da rotina administrativa, despesas extraordinárias, na medida em que, como anotou a inicial da ação direta, haverá “despesas não previstas no orçamento, com o pagamento de horas extras de outros servidores públicos em substituição àqueles que, por convicção religiosa, não trabalharem aos sábados”.
A inconstitucionalidade
decorre da violação da regra da separação de poderes, prevista na Constituição
Paulista e aplicável aos Municípios (art. 5º, art. 47, II e XIV, e art. 144).
É
ponto pacífico na doutrina, bem como na jurisprudência, que ao Poder Executivo
cabe primordialmente a função de administrar, que se revela em atos de
planejamento, organização, direção e execução de atividades inerentes ao Poder
Público. De outra banda, ao Poder Legislativo, de forma primacial, cabe a
função de editar leis, ou seja, atos normativos revestidos de generalidade e
abstração.
Abstraindo
dos motivos que podem ter levado a tal solução legislativa, ela se apresenta
inconstitucional, por interferir na realização, em certa medida, da gestão
administrativa do Município.
Referido
diploma, na prática, invadiu a esfera da
gestão administrativa, que cabe ao Poder Executivo, e envolve o planejamento, a direção, a organização e a
execução de atos de governo. Isso equivale à prática de ato de
administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre
recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes Meirelles, anotando que “a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos
segundo as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e
independência dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao
governo local. Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com
usurpação de funções é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir
prerrogativa da Câmara – como também toda deliberação da Câmara que invadir ou
retirar atribuição da Prefeitura ou do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao
princípio da separação de funções dos órgãos do governo local (CF, art. 2º c/c
o art. 31), podendo ser invalidado pelo Poder Judiciário” (Direito municipal brasileiro, 15. ed.,
atualizada por Márcio Schneider Reis e Edgard Neves da Silva, São Paulo,
Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste
modo, quando a pretexto de legislar, o Poder Legislativo administra, editando
leis que equivalem na prática a verdadeiros atos de administração, viola a
harmonia e independência que deve existir entre os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da separação de poderes, conforme julgados a seguir exemplificativamente indicados: ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008; ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008; ADI 12.345-0 - São Paulo - 15.05.91, rel. des. Carlos Ortiz; ADI n. 096.538-0, rel. Viseu Júnior - 12.02.03; ADI n. 123.145-0/9-00, rel. des. Aloísio de Toledo César – 19.04.06; ADI n. 128.082-0/7-00, rel. des. Denser de Sá – 19.07.06; ADI n. 163.546-0/1-00, rel. des. Ivan Sartori, j. 30.7.2008.
Ademais, a própria sistemática constitucional, em prestígio ao sistema de “freios e contrapesos”, estabelece exceções à separação de poderes. Tais ressalvas acabam por integrar-se, frise-se, às opções fundamentais do constituinte, conferindo o exato perfil institucional do Estado Brasileiro, no particular quanto à intensidade da adoção da regra da separação. Essas exceções devem ser interpretadas restritivamente.
Acrescente-se
que para a realização do programa será necessária a realização de despesas,
sendo certo que o ato normativo impugnado não indicou a fonte das respectivas
receitas.
Em
casos assim, esse Colendo Órgão Especial tem, reiteradamente, reconhecido a
inconstitucionalidade da norma por violação ao disposto no art. 25 da
Constituição Paulista.
Nesse sentido, apenas a título de exemplificação, confiram-se os julgados a seguir indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel. des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j.03.10.2007, v.u..
Diante
do exposto, nosso parecer é no sentido da procedência
da ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei Municipal nº 10.595, de 16 de abril de 2010, de São José do Rio
Preto
São Paulo, 17 de setembro de 2010.
Sérgio Turra Sobrane
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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