Parecer
Autos nº. 990.10.272869-2
Requerente: Prefeito Municipal de São José do Rio Preto
Objeto: Lei nº 10.591, de 05 de abril 2010, do Município de São José do Rio Preto
Ementa: 1) Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Municipal. Iniciativa parlamentar. Determinação para que a Administração Pública substitua telhas de amianto por telhas ecológicas em suas obras. 2) Violação da separação de poderes. Ato normativo que invade a esfera da gestão administrativa (art. 5º, 47 II e XIV da Constituição Paulista). 3) Criação de novas despesas sem a indicação da respectiva fonte de receitas (art. 25 da Constituição Paulista). 4) Inconstitucionalidade reconhecida.
Colendo Órgão Especial
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente
Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade, movida pelo Prefeito Municipal de São José do Rio Preto, tendo por objeto a Lei nº 10.591, de 05 de abril 2010, daquele Município, que “dispõe sobre a utilização de telhas ecológicas nas obras públicas municipais para novas edificações e reformas futuras, e dá outras providências”.
Sustenta o autor que o projeto que a antecedeu iniciou-se na Câmara Municipal e que, depois de aprovado, foi integralmente vetado pelo Poder Executivo. O veto foi derrubado e, afinal, a lei foi promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal.
A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 30).
O Presidente da Câmara Municipal se manifestou às fls. 36/38, em defesa da constitucionalidade da norma.
A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 69/71).
Este é o breve resumo do que consta dos autos.
Em
que pese a boa intenção estampada na propositura legislativa que culminou se
transformando na lei impugnada nesta ação, o ato normativo é verticalmente
incompatível com nossa sistemática constitucional.
Este é o teor do ato normativo impugnado, no que interessa:
“Art. 1º - Fica substituído o uso de telhas de cimento amianto por telhas ecológicas em todas as obras públicas municipais.
§1º - Considera-se telha ecológica, para fins do disposto nesta Lei, aquela que é fabricada a partir de materiais reciclados como garrafas pet (polietileno tereftalato), embalagens do tipo longa vida, papel, papelão ou outros materiais, e que recebe proteção impermeabilizante.
§2º - As obras de que trata o caput deste artigo envolvem tanto as novas edificações, como também reformas futuras, consideradas estas todas as intervenções envolvendo ampliação ou melhorias nas condições físicas da edificação."
A lei, de
iniciativa parlamentar, cria obrigações e estabelece condutas a serem cumpridas
pela Administração Pública, prevendo a obrigação de substituir as telhas de
cimento amianto por telhas ecológicas.
Não há dúvida de que, como tal, a iniciativa
parlamentar, ainda que revestida de boas intenções, invadiu a esfera da gestão
administrativa, e como tal, é inconstitucional, por violar o disposto no art. 5º
e no art. 47 II e XIV da Constituição Paulista.
É ponto pacífico na doutrina, bem como na
jurisprudência, que ao Poder Executivo cabe primordialmente a função de
administrar, que se revela em atos de planejamento, organização, direção e
execução de atividades inerentes ao Poder Público. De outra banda, ao Poder
Legislativo, de forma primacial, cabe a função de editar leis, ou seja, atos
normativos revestidos de generalidade e abstração.
O legislador municipal, na hipótese analisada, criou
obrigações de cunho administrativo para a Administração Pública local.
Abstraindo quanto aos motivos que podem ter levado a
tal solução legislativa, ela se apresenta como manifestamente inconstitucional,
por interferir na realização, em certa medida, da gestão administrativa do
Município.
Referido diploma, na prática, invadiu a esfera da gestão administrativa, que cabe ao Poder
Executivo, e envolve o planejamento, a
direção, a organização e a execução de atos de governo. Isso equivale à
prática de ato de administração, de sorte a malferir a separação dos poderes.
Cumpre recordar aqui o ensinamento de Hely Lopes
Meirelles, anotando que
“a Prefeitura não pode legislar, como a
Câmara não pode administrar. Cada um dos órgãos tem missão própria e privativa:
a Câmara estabelece regra para a Administração; a Prefeitura a executa,
convertendo o mandamento legal, genérico e abstrato, em atos administrativos,
individuais e concretos. O Legislativo edita normas; o Executivo pratica atos segundo
as normas. Nesta sinergia de funções é que residem a harmonia e independência
dos Poderes, princípio constitucional (art.2º) extensivo ao governo local.
Qualquer atividade, da Prefeitura ou Câmara, realizada com usurpação de funções
é nula e inoperante”. Sintetiza, ademais, que “todo ato do Prefeito que infringir prerrogativa da Câmara – como também
toda deliberação da Câmara que invadir ou retirar atribuição da Prefeitura ou
do Prefeito – é nulo, por ofensivo ao princípio da separação de funções dos órgãos
do governo local (CF, art.2º c/c o art.31), podendo ser invalidado pelo Poder
Judiciário” (Direito
municipal brasileiro, 15ª ed., atualizada por Márcio Schneider Reis e
Edgard Neves da Silva, São Paulo, Malheiros, 2006, p. 708 e 712).
Deste modo, quando a pretexto de legislar, o Poder
Legislativo administra, editando leis que equivalem na prática a verdadeiros
atos de administração, viola a harmonia e independência que deve existir entre
os poderes estatais.
Esse E. Tribunal de Justiça tem declarado a
inconstitucionalidade de leis municipais de iniciativa parlamentar que
interferem na gestão administrativa, com amparo na violação da regra da
separação de poderes, conforme ementas de julgados recentes, transcritas a
seguir:
“Ação
direta de inconstitucionalidade. Lei 9882, de 20 de abril de 2007, do Município
de São José do Rio Preto. Obrigatoriedade de ascensoristas nos elevadores dos
edifícios comerciais. Violação ao princípio constitucional da independência
entre os poderes. Inconstitucionalidade declarada. Pedido julgado procedente.”
(TJSP, ADI 149.044-0/8-00, rel. des. Armando Toledo, j. 20.02.2008, v.u.).
“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei Municipal de Itapetininga n° 4.979, de 28 de setembro de 2.005, do Município de Itapetininga, que dispõe sobre a obrigatoriedade de confecção distribuição de material explicativo dos efeitos das radiações emitidas pelos aparelhos celulares e sobre sua correta utilização, e dá outras providências. Decorrente de projeto de iniciativa parlamentar, promulgada pela Câmara Municipal depois de rejeitado o veto do Prefeito - Realmente, há que se reconhecer que a Câmara Municipal exorbitou no exercício da função legislativa, interferindo em atividade concreta do Poder Executivo - Afronta aos artigos 5°, 25, e 144 e da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO.” (TJSP, ADI 134.410-0/4, rel. des. Viana Santos, j. 05.03.2008).
E,
mais
recentemente, assim se fez constar no despacho que deferiu a liminar na ADIn
990.10.073579-9:
"Impõe-se, à partida, a apreciação do pedido liminar,
que fica deferido.
Evidente o fumus boni
júris, pois já proclamada na ADIN nº 154.526-0/0 (Rel. EROS PICELI - J.
08.10.2008 - V.U.), ser inconstitucional lei de vereadora iniciativa que cria
obrigação para o Poder Executivo de utilização de papel reciclado.
Digo o mesmo quanto ao periculum
in mora, porquanto a obrigação imposta ao promovente de regulamentar a
norma impugnada deveras implica, na prática, em sujeição, se não imediata,
quase, a interferência, in casu
descabida, o planejamento da administração no que tange a execução dos
procedimentos licitatórios visando às aquisições de materiais de expedientes
para o ano em exercício.
Ademais, não faz o menor sentido manter a eficácia e a
vigência, ainda que potenciais, eis que minguante sua regulamentação, certamente,
porém, capazes de gerar ao menos atritos entre Legislativo e Executivo locais,
de norma que ostenta palpável vício de inconstitucionalidade formal." (ADIn 990.10.073579-9, rel. des. Palma
Bisson, j. 1º.03.2010)
Não bastasse
o acima exposto, esse E. Tribunal de Justiça tem reconhecido a
inconstitucionalidade de normas que criam despesas para o Poder Público, sem a
indicação das respectivas fontes de receita, como no caso em tela, em violação
ao disposto no art. 25 da Constituição Bandeirante. Confiram-se, a título de
exemplificação, recentes julgados adiante indicados: ADI 134.844-0/4-00, rel.
des. Jarbas Mazzoni, j. 19.09.2007, v.u.; ADI 135.527-0/5-00, rel. des. Carlos
Stroppa, j. 03.10.2007, v.u.; ADI 135.498-0/1-00, rel. des. Carlos Stroppa, j. 03.10.2007,
v.u.
Diante do exposto, nosso parecer é no sentido da integral procedência desta ação direta, declarando-se a inconstitucionalidade da Lei nº 10.591, de 05 de abril 2010, do Município de São José do Rio Preto.
São Paulo, 6 de outubro de 2010.
Subprocurador-Geral de Justiça
Jurídico
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