Parecer em Ação Direta de Inconstitucionalidade

 

Autos nº. 990.10.280701-0

Requerente: Mesa da Câmara Municipal de Itajobi

Objeto: art. 50 da Lei Orgânica do Município de Itajobi

Ementa:Ação Direta de Inconstitucionalidade, ajuizada pela Mesa da Câmara Municipal de Itajobi, tendo por objeto a expressão “excetuando os de autoria do Prefeito Municipal”, constante do art. 50 da Lei Orgânica do Município de Itajobi. Preliminares. Legitimidade da autora reconhecida. Desnecessidade de se indagar sobre o interesse jurídico específico da parte. Mérito. Norma local que, divorciando-se dos modelos de processo legislativo federal (art. 67 da CF) e estadual (art. 29 da CE), atribui ao chefe do Poder Executivo poder reservado à maioria absoluta do parlamento, de deliberar sobre a reapreciação da matéria anteriormente apresentada na mesma sessão legislativa. Parecer pela rejeição das preliminares e, no mérito, pela procedência.

 

Colendo Órgão Especial

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente

Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade movida pela Mesa da Câmara Municipal de Itajobi, tendo por objeto a expressão “excetuando os de autoria do Prefeito Municipal”, constante do art. 50 da Lei Orgânica do Município.

Diz a autora que a expressão impugnada está em desacordo com o art. 29 da Constituição do Estado e com o art. 67 da Constituição Federal, segundo os quais a matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá ser renovada, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros do parlamento.

Argumenta que essas regras do processo legislativo são aplicáveis aos Municípios pelo princípio da simetria (art. 144, CE).

A Lei teve a vigência e eficácia suspensas ex nunc, atendendo-se ao pedido liminar (fls. 19).

O Prefeito prestou as informações requisitadas. Arguiu a ilegitimidade da Mesa da Câmara, invocando normas locais. Suscitou a falta de interesse de agir, ao argumento de que a Câmara Municipal pode alterar o dispositivo impugnado. No mérito, sustentou haver compatibilidade entre o ato normativo impugnado e o parâmetro de controle(fls.27/37).

A Procuradoria-Geral do Estado declinou da defesa do ato impugnado, observando que o tema é de interesse exclusivamente local (fls. 63/65).

Este é o breve resumo do que consta dos autos.

Preliminares

A legitimidade da Mesa da Câmara Municipal para a propositura da presente ação está fundada no art. 90, inc. II, da Carta Paulista:

Artigo 90 - São partes legítimas para propor ação de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estaduais ou municipais, contestados em face desta Constituição ou por omissão de medida necessária para tornar efetiva norma ou princípio desta Constituição, no âmbito de seu interesse:

I -...

II - o Prefeito e a Mesa da Câmara Municipal;

Normas locais – como a Lei Orgânica do Município ou o Regimento Interno da Câmara– não podem conter regras que se constituam em óbice para a propositura de ADIN pelas partescuja legitimação é extraída diretamente da Constituição Paulista.

Não procede, também, a alegação de falta de interesse da Mesa da Câmara Municipal.

É que o processo objetivo se caracteriza pela não exigência de um interesse jurídico específico. Sua finalidade é a tutela da ordem jurídica, sendo inoportuno investigar a relação de utilidade entre a lesão ao direito e o provimento jurisdicional requerido (nesse sentido, cf. Oswaldo Luiz Palu, Controle de constitucionalidade, 2ª. ed., São Paulo, RT, 2001,p. 192).

Por tais motivos, as preliminares devem ser rejeitadas, conhecendo-se da ação.

Mérito

A Lei Orgânica do Município de Itajobi contém a seguinte disposição, da qual se destaca a expressão impugnada com o uso de negrito:

Art. 50 – A matéria constante de projeto de lei rejeitado ou não sancionado somente poderá constituir objeto de novo projeto na mesma sessão legislativa mediante proposta da maioria absoluta dos membros da Câmara Municipal, excetuando-se os de autoria do Prefeito Municipal.

De fato, assiste razão à Mesa da Câmara Municipal quando diz que a norma questionada divorcia-se do modelo de processo legislativo traçado pela Constituição Federal.

Com efeito, extrai-se da Carta Republicana que “a matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá constituir objeto de novo projeto, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros de qualquer das Casas do Congresso Nacional” (art. 67).

O STF tem firme jurisprudência no sentido de que “os Estados-membros estão sujeitos à observância das linhas básicas do modelo federal do processo legislativo” (ADIs nº 276, 822 – MC, 1.254 – MC, 1.434).

Reafirmando essa orientação, a Corte Constitucional chegou a declarar a inconstitucionalidade da expressão “ressalvados os casos de iniciativa exclusiva”, que, originariamente, constava do art. 29 da Constituição Paulista, ora destacado como parâmetro de controle (ADI nº 1.546-0).

Na ocasião se entendeu, com apoio na lição de José Afonso da Silva, ser defeso às constituições dos Estados atribuir ao chefe do Poder Executivo um poder que a Lei Magna reserva aos parlamentares, que é o de deliberar – por maioria absoluta – sobre a reapreciação de matéria já apresentada na mesma sessão legislativa.

Essa anomalia agora se repete no plano local, pela redação do art. 50 da Lei Orgânica de Itajobi, que se mostra, à evidência, incompatível com o art. 29 da Constituição Paulista, cuja redação, em virtude da ADI citada, é a seguinte:

Artigo 29 –A matéria constante de projeto de lei rejeitado somente poderá ser renovada, na mesma sessão legislativa, mediante proposta da maioria absoluta dos membros da Assembleia Legislativa.

Regras como a da norma paradigma veiculam verdadeiros princípios do processo legislativo, sendo, assim, impositivas para as três esferas do governo.

São, segundo a doutrina, “dispositivos inarredáveis, considerados de importância primordial para a regência das relações harmônicas e independentes dos Poderes. Dizem respeito à própria configuração do Estado, em seu modelo de organização política, traçado pela nova ordem constitucional. Dele, o Município, como integrante da Federação, não pode se afastar” (Hely Lopes Meirelles. Direito Municipal Brasileiro, 16ª. ed., São Paulo: Malheiros, 2008, p. 675.).

A legislação local, ao disciplinar a hipótese de reapresentação de matéria na mesma sessão legislativa, inovou em aspecto sensível da relação entre os Poderes, incidindo, assim, em flagrante inconstitucionalidade.

Diante do exposto, opino pela rejeição das preliminares e, no mérito, pela declaração de inconstitucionalidade da expressão “excetuando os de autoria do Prefeito Municipal”, constante do art. 50 da Lei Orgânica do Município de Itajobi.

 

São Paulo, 15 de outubro de 2010.

 

 

         Sérgio Turra Sobrane

         Subprocurador-Geral de Justiça

         Jurídico

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